Letra de risco de seguros vai financiar setor
O mercado de capitais brasileiro deve ganhar um novo título, provavelmente em 2024, mas com chance de estrear ainda neste ano. São as primeiras Letras de Risco de Seguro e Resseguro (LRS), ou seja, a securitização de carteiras de apólices que cobrem situações como eventos climáticos e catástrofes. Segundo fontes do mercado, ao menos três companhias já consultaram a Superintendência de Seguros Privados (Susep) para constituição uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE), condição essencial para emissão do novo título.
A expectativa, porém, é que a primeiras LRS sejam lançadas apenas quando o cenário macroeconômico estiver mais favorável. A LRS, na prática, funciona como uma espécie de transferência de riscos para o mercado em troca de uma remuneração.
É a versão brasileira dos Insured Linked Securities (ILS), dos quais os mais famosos são os cat bonds, ou bônus de catástrofe, que têm como lastro carteiras de seguros para proteção contra eventos extremos como furacões ou terremotos.
O mercado de ILS atingirá este ano um volume financeiro de US$ 156 bilhões, segundo projeções da consultoria Artemis. No Brasil, a possibilidade de seguradoras e resseguradoras emitirem bônus de catástrofe passou a existir em janeiro deste ano. As normas para isso foram definidas pela Susep, com a publicação, em dezembro de 2022, da Resolução CNSP 453/2022, que passou a valer no início de 2023.
O documento estabeleceu regras sobre a emissão das letras, que tem de ser feita por meio de uma SSPE. A SSPE é uma sociedade seguradora que tem como finalidade exclusiva realizar uma ou mais operações de transferência e financiamento riscos via emissão do instrumento de dívida LRS. A operação de securitização tem independência patrimonial.
O valor do patrimônio independente deverá ser suficiente para custear os compromissos assumidos com investidores titulares e contrapartes da operação de securitização.
De acordo com Thomaz Kastrup, sócio do escritório Machado Meyer, a LRS surge em um momento importante, diante do aumento da frequência e severidade dos eventos climáticos. Esse é um mecanismo que pode ajudar a endereçar de maneira eficiente a necessidade d financiamento para enfrentarmos a intensificação de riscos climáticos.
O funcionamento da letra é relativamente simples. Ao aplicar no título, o investidor recebe uma parcela dos prêmios que foram securitizados mais um retorno sobre o capital alocado, se não houver evento que acione o pagamento de indenização.
Se houver sinistro, haverá utilização de parte ou de todo o capital aportado. O investidor não tem risco de perda adicional além dos recursos aportados, diz.
Segundo Kastrup, um atrativo da LRS é a descorrelação com variáveis macroeconômicas. É um papel sem vínculo com moedas e variação de índices, então funciona bem na diversificação dos portfólios. Em geral, são papéis com vencimento anual.
Conforme o CEO da Guy Carpenter no Brasil, Pedro Farme, o mercado [de cat bonds] se comprovou adequado para o pagamento de indenizações e foi responsivo no momento em que foi chamado a cumprir as obrigações.
No exterior, o ILS atrai investidores pela simplicidade do gatilho e por serem ativos sem correlação econômica. O executivo afirma que o momento atual do Brasil torna difícil a emissão das letras. Apesar da descorrelação, o retorno provavelmente será atrelado ao CDI. Então o mercado tende a aguardar um cenário mais favorável, com queda de taxas e menor custo para a emissão.
Para o CEO da Alper, Marcos Couto, o novo título vai ajudar a ampliar a capacidade para a transferência de riscos de seguros, como um modelo complementar ao do resseguro. Ainda não temos um mercado completamente aberto de resseguro, como os mercados internacionais mais maduros, e a LRS pode ser uma solução complementar, afirma.
A legislação mantém dispositivos com distinções entre grupos nacion e estrangeiros. Por exemplo, define que resseguradoras locais têm preferência de 15% dos prêmios cedidos pelas seguradoras.
Couto ressalta que o título também poderá ajudar no financiamento de riscos que têm pouca cobertura oferecida pelas seguradoras, por se considerados de baixo interesse. Muitas vezes as seguradoras não têm interesse em um nicho específico. Então, oferecem um limite baixo para esse nicho. Mas, se tivermos um mercado organizado [de LRS], essa estrutura pode facilitar o financiamento para a cobertura desses riscos.
A diretora de sustentabilidade e relações de consumo da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Ana Paula de Almeida Santos, avalia a LRS como uma grande oportunidade para o país. É um mercado complementar em termos de financiamento e transferência de riscos. O Brasil passa por um momento de aumento da frequência dos eventos climáticos, e a cobertura securitária é baixíssima ainda – por exemplo, apenas 17% das residências no Brasil são seguradas, enquanto 93% dos municípios do país foram afetados por algum evento climático extremo nos últimos dez anos. As letras de seguro ajudam no sentido de aumentar a capacidade de transferir riscos e ampliar a cobertura.
Para o diretor técnico da CNseg, Alexandre Leal, a estreia do instrumento no país esbarra hoje em problemas de custo. Alguém tem de que assumir o risco por um determinado preço, e as condições atuais se tornam uma dificuldade a mais, diz.
Existe ainda a definição regulatória sobre o agente fiduciário, que depende do CNSP e da Susep, então vai demorar um pouco para o instrumento decolar.
O CEO da Swiss Re no Brasil, Fred Knapp, explica que esse tipo de título securitizado ajuda a resolver o problema de falta de capacidade do resseguro no mercado internacional. No caso da LRS a gente ainda não observou falta de capacidade no mercado nacional, afirma.
Esse tipo de letra normalmente é utilizado quando não tem mais capital disponível no mercado, como ocorre na questão dos riscos de furacão na costa leste da Flórida, diz.
O executivo considera os papéis do gênero atrativos para investidores, porque têm data de início e de fim relativamente curtos e, caso não ocorra o evento, o mecanismo será rentável.
Knapp diz ainda que o esperado é que as chances de haver catástrofes sejam menores comparado a não ocorrerem. Kastrup, do Machado Meyer, cita o agronegócio como exemplo de área que pode se beneficiar com a chegada da LRS. Ele menciona ainda saúde e previdência como ramos com potencial de aproveitar a possibilidade de securitização.
Apesar de as bases regulatórias e legislativas já estarem prontas, o advogado Tomás de Oliveira, sócio do escritório Mattos Filho, vê ainda possibilidade de aperfeiçoamento na parte tributária do novo instrumento. Existem algumas desvantagens que esses títulos podem enfrent quando comparamos com outros tipos de crédito securitizados, afirma.
De acordo com Oliveira, as entidades securitizadoras, em geral, podem acumular crédito tributário e excluir da base de cálculo as despesas captação de recursos no processo de securitização, ou seja, ficar com base menor de incidência de PIS/Cofins.
Mas, não é o caso das SSPES, consideradas seguradoras. Para o tributarista, as organizações responsáveis pelas LRS terão, potencialmente, cobrança de PIS e Cofins maior ante entidades que atuam com produtos semelhantes, mas de outros ramos. Isso pode ser uma desvantagem competitiva, pondera. As SSPEs podem ter uma margem menor por ter custo fiscal maior na operação.
Oliveira calcula um custo, em média, 3,65% maior na captação das SSPEs. O sócio do Mattos Filho também vê falta de equalização no arcabouço atual das LRS na ausência de benefício de isenção de imposto de renda sobre os rendimentos para pessoa física. Hoje, títulos como letras de crédito imobiliário [LCI], do agronegócio [LCA], certificados de recebíveis imobiliários [CRI] e do agronegócio [CRA] têm isenção. Isso pode ser um fator que pode desequilibrar a concorrência com as LR diz.
Fonte: NULL