Mercado de Seguros

Lei de Seguros precisa ser entendida para que os negócios fluam

O presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Dyogo Oliveira, foi um dos participantes da abertura da 8ª edição do Seminário Jurídico de Seguros, evento que reuniu ministros de tribunais superiores, magistrados, especialistas do setor, CEOs das maiores seguradoras do País e representantes de órgãos reguladores para discutir os avanços e desafios trazidos pela Nova Lei do Contrato de Seguro (Lei nº 15.040/2024), nesta quinta-feira (9), em Brasília.

Promovido pelo Instituto Justiça & Cidadania, pela Revista Justiça & Cidadania e pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), em parceria com a CNseg, o seminário ocorre na Escola da Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf), sob a coordenação do ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Participaram da abertura o ministro Luis Felipe Salomão, o desembargador federal, Jamil de Jesus Oliveira, diretor-geral da Esmaf, o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, Alessandro Octaviani, titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Lenisse Secchin, diretora de normas e habilitação dos produtos da ANS, e, de forma virtual, a diretora jurídica da Confederação, Glauce Carvalhal.

A nova lei, sancionada em dezembro de 2024 e com entrada em vigor prevista para 11 de dezembro de 2025, representa um marco histórico ao criar um microssistema jurídico próprio para os contratos de seguro, consolidando dispositivos legais antes dispersos e incorporando entendimentos já firmados na jurisprudência dos tribunais superiores.

Durante a abertura, Dyogo Oliveira ressaltou o caráter democrático do processo legislativo que resultou no texto final da norma e enfatizou a importância de compreender e aplicar corretamente o novo marco. “Não é a lei dos sonhos de uns nem de outros, mas é uma lei concreta, real, que traz importantes avanços e grandes desafios. Um deles será justamente a sua interpretação — e é esse o motivo de estarmos aqui reunidos hoje”, afirmou o presidente da CNseg.

Oliveira destacou que a nova legislação reforça o princípio da comunicação bilateral entre seguradores e segurados, ampliando a transparência e a confiança nos contratos. “A informação deve fluir em via dupla, do segurado para a seguradora e da seguradora para o segurado. Esse é um passo importante para o fortalecimento da confiança mútua e da segurança jurídica”, observou.

Segundo ele, a lei também introduz uma interpretação mais favorável ao segurado, reconhecendo a diferença de capacidade técnica entre quem elabora e quem adere ao contrato. “É uma medida justa, que precisa ser implementada com equilíbrio, para não criar distorções no mercado”, alertou.

O presidente lembrou ainda que o setor já é um dos mais bem avaliados pelos consumidores. “Mais de 90% dos segurados afirmam ter confiança nas seguradoras. E o índice de resolução das ouvidorias, regulamentadas pela Susep, chega a 98,7%, um dos mais altos entre os setores de grande varejo”, destacou.

Dyogo Oliveira concluiu destacando o papel dos debates técnicos e jurídicos para a consolidação da nova legislação. “Eventos como este são essenciais porque tratam a lei não de forma burocrática, mas temática e pragmática, mostrando o impacto prático em cada tipo de produto e relação contratual. É assim que construiremos a aplicação cotidiana dessa lei”, afirmou.

Outros integrantes da abertura do evento apenas citaram que são ouvintes e querem muito entender mais sobre o setor de seguros. Entre os tópicos de debate do evento que terminará as 18h estão o novo microssistema de seguros privados no Brasil; as alterações nos processos de regulação e liquidação de sinistros; o tratamento do agravamento de riscos nos contratos; e os desafios e perspectivas da saúde suplementar.

Boa fé, entender a vida como é e saber que “as melâcias se ajeitam na carruagem durante o percurso”

O primeiro painel, intitulado “O novo microssistema de seguros privados no Brasil”, contou com as presenças do ministro Raul Araújo e Paulo Dias de Moura Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça, Angélica Carlini, coordenadora de Direito da Escola de Negócios e Seguros (ENS), e Alessandro Octaviani, da Susep.

O ministro Paulo Dias de Moura apresentou uma visão que, segundo ele, se aproxima da “vida como ela é”. Em sua fala, destacou que sem soberania, redução das desigualdades sociais e capital produtivo não é possível construir uma sociedade justa, e que os seguros têm um papel essencial nesse contexto. “O seguro movimenta bilhões de reais em contratos e precisa ser um capital que tenha alma, afirmou. Para Moura, o risco é inerente à condição humana, e a expectativa de prever e controlar riscos é o que sustenta a própria lógica do seguro. “O controle do risco é a coluna vertebral do sistema, disse, ressaltando que o novo marco legal chega em um momento crucial, ao oferecer mais segurança jurídica e previsibilidade para o mercado”, citou.

Em sua exposição, o ministro compartilhou casos emblemáticos julgados sob sua relatoria. Um deles tratava de um seguro empresarial contra incêndio, contratado pouco tempo antes de a empresa sinistrada ser consumida pelas chamas. Tudo estava certo: o contrato, os valores. “Não é possível, após o sinistro, discutir a valoração dos bens. O que foi pactuado deve ser respeitado”, afirmou.

Em outro caso, relatou uma situação em que uma mãe contratou seguro de vida para si e para o filho, portador de deficiência mental. Em um momento de surto esquizofrênico, o filho matou a mãe. “Entendemos que não houve agravamento do risco, porque o autor do ato não tinha consciência do que fazia. Deliberamos, portanto, pelo pagamento da indenização.”

O ministro citou ainda o exemplo de um motociclista que morreu em acidente, cuja companheira teve o pedido de indenização negado porque o casal não era casado legalmente. “Não podemos pensar dessa forma. Precisamos entender a vida como ela é. Autorizamos o pagamento do seguro. Temos de semear a cidadania”, concluiu.

A advogada Angélica Carlini, coordenadora de Direito da Escola de Negócios e Seguros (ENS), apresentou uma das exposições mais instigantes do painel, mesclando bom humor e rigor técnico. Com a frase “é no andar da carroagem que as melancias se ajeitam”, sintetizou a ideia de que a aplicação da nova Lei de Seguros será um processo gradual e de aprendizado coletivo, que se consolidará na prática.

Carlini ressaltou que a interpretação da lei deve sempre se apoiar nos princípios do mutualismo e da boa-fé, destacando que esta última envolve deveres anexos de lealdade e cooperação. “No seguro, o pressuposto é que o sinistro não aconteça — o que o diferencia de outros contratos, como o de compra e venda, em que há interesses opostos e simultaneamente realizáveis”, observou.

Para ela, toda legislação é passível de aperfeiçoamento, inclusive a nova Lei de Seguros, que entra em vigor em dezembro deste ano. Um dos pontos que merecem atenção, segundo Carlini, é o questionário de subscrição de riscos, instrumento essencial na formação do contrato. A advogada lembrou que há deveres recíprocos de informação: o segurado deve declarar corretamente o risco que pretende proteger, e a seguradora deve esclarecer quais informações são relevantes e as consequências do descumprimento desse dever.

Segundo ela, o questionário elaborado pelo segurador não é capaz de abranger todas as situações a que o interesse do segurado estará sujeito. “O segurado conhece o risco melhor que o segurador”, afirmou, acrescentando que “a boa-fé tem caráter ativo — é a cooperação que constrói a confiança”. Carlini defendeu ainda que o aviso de sinistro deve ser completo e acompanhado de todos os documentos pertinentes, e que a culpa grave deve ser equiparada ao dolo para fins de apuração.

Ao comentar o artigo 67 da nova lei, que trata das despesas de contenção e salvamento, ela lembrou que essas despesas se aplicam tradicionalmente aos seguros de danos e apenas de forma excepcional nos seguros de pessoas, quando visam evitar a morte do segurado. Segundo Carlini, será necessário definir critérios objetivos de excepcionalidade, já que nos seguros de vida e de integridade física a interpretação deve ser restritiva, dada a complexidade dos casos concretos.

Entre os pontos de atenção, a especialista destacou: a legitimidade do interessado para acessar documentos, o respeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a proteção de testemunhas, tendo em vista as ultimas notícias do envolvimento do PCC em fundos no mundo “Faria Lima”, a necessidade de impedir a atuação de fraudadores profissionais e a definição, pela regulação, de um conteúdo mínimo para os relatórios de sinistros.

Encerrando o painel, o superintendente da Susep, Alessandro Octaviani, apresentou uma visão otimista e assertiva sobre o novo marco legal. Segundo ele, a lei traz segurança jurídica ao retirar o contrato de seguro da esfera do Código Civil, estabelecendo um arcabouço normativo próprio. “Podem vir comprar seguro, porque esta lei harmoniza os entendimentos. Não queremos mais ouvir que não há prazo para responder ao segurado. A nova lei democratiza o seguro ao garantir que as expectativas básicas do contrato estejam asseguradas”, afirmou.

Octaviani destacou ainda que as seguradoras, no momento da subscrição do risco, devem elaborar de forma clara o questionário de informações. “Depois disso, não poderão alegar omissão sobre pontos que não foram perguntados — como já vimos em diversas ações judiciais.” Ele afirmou que o artigo 46 é, de certo modo, uma vacina contra esse tipo de comportamento.

Por fim, o superintendente reiterou a importância de uma cultura jurídica de boa-fé, como base para o crescimento sustentável do setor. “O mercado vai crescer, e o comportamento jurídico é que dará legitimidade e confiança a todo o esforço feito para modernizar a lei. E, como disse a professora Carlini, as melancias se ajeitam durante a caminhada”, concluiu.

Fonte: Sonho Seguro – Denise Bueno

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