Juro menor favorece mercado de dívida
O mercado de dívida local deve apresentar crescimento mais forte em 2017 e voltar a ser uma importante fonte de financiamento para as companhias, depois da seca de recursos observada no ano passado. Com o cenário de queda das taxas de juros, as empresas devem começar a ver efeitos positivos tanto no custo da dívida como na linha final dos seus balanços.
A expectativa de especialistas que estruturam operações é que o ritmo continue forte para os papéis incentivados (que oferecem isenção de imposto), comprados pelo investidor pessoa física, e que também seja vista uma melhora no crédito corporativo.
“O ano vai começar bem forte, sobretudo para títulos incentivados. Nossa expectativa é que tenhamos manutenção ou crescimento marginal na emissão de certificados de recebíveis do agronegócio [CRAs] e temos um ´pipeline´ grande de debêntures de infraestrutura, com destaque para o setor de energia”, diz Joel Schimchak, superintendente da área de emissão de dívidas do Santander.
O ritmo mais forte já começou a ser observado no fim do ano passado. O último trimestre de 2016 concentrou 40% da captação local do ano inteiro, totalizando R$ 39,5 bilhões. “Estamos sentindo, principalmente a partir dos últimos dois meses do ano passado, uma visão mais positiva em relação ao crédito privado”, afirma Bruno Tuca, sócio de mercado de capitais do escritório Mattos Filho.
Estudo do BTG Pactual feito pelo estrategista Carlos Sequeira mostra como as condições tendem a se tornar melhor para as companhias. Em uma análise de sensibilidade, em que são traçados cenários e seus efeitos sobre as empresas, o estudo constatou que o impacto da queda da taxa de básica de juros nos resultados das companhias pode ser bem grande. As operadoras de shoppings centers, construtoras, empresas de infraestrutura e operadoras de rodovias – além de companhias alavancadas de um modo geral – são as que mais podem se beneficiar desse cenário.
Segundo o estudo, a varejista Marisa poderia ser a mais beneficiada, tendo uma melhora de 60% em seus resultados a cada corte de 100 pontos-base da taxa Selic. A CSN veria um aumento de 43%, e a Restoque, de 31%. B2W, Via Varejo, Pão de Açúcar e Magazine Luiza são outras companhias que teriam melhora de mais de 20% a cada redução de 100 pontos-base.
Outro efeito positivo é o obtido no custo das captações, que pode cair algo entre 600 a 700 pontos-base. Segundo Sequeira, companhias de qualidade como a CCR viram seu custo de financiamento subir 500 pontos-base no início de 2016. Há um ano, a companhia pagou em uma emissão de debênture 124,1% do CDI, que estava a 14,25%, levando o custo da empresa para 17,7% ao ano. Em 2013, a companhia emitiu uma debênture similar pagando 107% do CDI, ou 12,5% ao ano. Hipoteticamente, se a CCR estivesse emitindo uma nova dívida no fim de 2017 pagando 110% do CDI, de volta aos níveis de 2013, isso representaria 11% ao ano, ou 670 pontos-base a menos que no início de 2016.
Em meio a esse ambiente, os bancos enxergam uma forte movimentação no mercado. Só para papéis incentivados (debêntures de infraestrutura, CRI e CRA), um banco de investimento estima que há cerca de R$ 7 bilhões em operações que estão para sair apenas no primeiro trimestre. Entre os negócios em andamento que já se tornaram públicos, há pelo menos R$ 5 bilhões a serem emitidos nos próximos meses, com destaque para a oferta de R$ 2 bilhões em debêntures da Telefônica, a emissão de R$ 800 milhões de papéis de infraestrutura da AutoBan e uma operação de CRA de R$ 260 milhões da VLI Multimodal.
Apesar do potencial maior, os primeiros meses acabam sendo um pouco mais lentos por conta da temporada de balanços e os meses seguintes devem ditar melhor o ritmo do ano. “As janelas para o começo do ano são menores. É preciso liquidar uma operação antes da publicação do balanço [da empresa] e tem o feriado do Carnaval no meio. As operações levam tempo para ser colocadas na rua”, diz Felipe Wilberg, diretor de mercado de capitais de dívida do Itaú BBA.
“Em incentivados, tivemos um quarto trimestre forte, atingindo praticamente o volume de emissão do restante do ano [passado]. Claramente os investidores começaram a gostar do CRA, estão familiarizados com as empresas vindo a mercado pela segunda ou terceira vez”, diz Wilberg. “Em um cenário de queda de juros, vemos muitos investidores buscando taxa melhor e com apetite para títulos mais longos.”
Tuca, do Mattos Filho, destaca ainda o aumento do interesse dos bancos por operações que ficam “dentro de casa” e são registradas no balanço. “Começamos a ver mais operações de valores relevantes para companhias do setor privado. Ouvi de muitas empresas médias que o crédito e as linhas de capital de giro tinham diminuído muito, e agora isso volta a melhorar”, destaca.
“Se as condições de crédito estão prontas para melhorar significativamente para grandes emissores, listados e bem conhecidos, o impacto positivo para empresas de pequeno e médio porte e mais alavancadas pode ser enorme”, conclui o estrategista do BTG Pactual.
Fonte: Valor