Juro alto derruba inflação, aponta estudo
A eficácia da política monetária em conter a inflação é frequentemente questionada na academia e principalmente fora dela. Os chamados “neofisherianos”, em referência ao economista americano Irving Fisher (1867-1947), advogam que, em países com elevado endividamento, aumentos na taxa básica de juro podem acabar resultando em mais em inflação, e não no efeito contrário previsto pela clássica relação inversa que guia a grande parte dos bancos centrais do mundo.
Buscando tornar o debate mais técnico que político, o professor licenciado da USP e economista do site “Por quê? – Economês em bom português”, Carlos Eduardo Gonçalves, resolveu fazer algumas estimativas matemáticas desses preceitos para a economia brasileira, que reúne as condições para estar em algum tipo do que a teoria chama de “dominância fiscal”, em função de dívida alta e juro elevado.
Usando um modelo de alta frequência, o especialista avaliou o comportamento das expectativas de inflação do mercado – inflação implícita – e também do boletim Focus do Banco Central (BC) entre setembro de 2009 e fevereiro de 2017. O principal parâmetro estimado é a elasticidade das variações na taxa de juros sobre a expectativa de inflação.
A conclusão é que maiores taxas de juros puxam, sim, as expectativas de inflação para baixo. Ainda de acordo com Gonçalves, se esse paradoxo, chamado de “tight money paradox”, não se apresenta em um país tão inclinado à dominância fiscal, como o Brasil, quais seriam as chances de isso acontecer em qualquer outro lugar do mundo? O estudo se chama “Is the tight money paradox for real? Evidence from Brazil´s high-frequency data”.
Em um dos exercícios, o economista tirou o ano de 2015 da amostra, pois a explosão dos preços administrados – que vinham sendo represados – enfraqueceu a importância de qualquer movimento de política monetária sobre as expectativas de inflação. O resultado geral foi o mesmo, apresentado apenas menores desvios-padrões com relação à amostra cheia.
Em janeiro deste ano, o economista André Lara Resende inaugurou uma nova rodada de acalorados debates sobre o tema, com o artigo “Juros e Conservadorismo Intelectual”, publicado no Valor. E o tema voltou à cena, mesmo que com menor intensidade, após o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, dizer ao Valor que “quebrou a espinha dorsal da inflação” em entrevista publicada na sexta-feira, dia 23.
A questão tem origem em estudos acadêmicos feitos em 1981 por Tomas Sargent e Neil Wallace, com o artigo “Some Unpleasant Monetarist Arithmetic”. Em 2004, foi o economista Olivier Blanchard que retomou o tema, com o estudo “Fiscal Dominance and Inflation Targeting: Lessons from Brazil”.
Lara Resende também trouxe as contribuições de Irving Fisher, segundo a qual a taxa de juros nominal de equilíbrio é igual à taxa real mais a expectativa de inflação futura. E também de John Cochrane, que sugere que a teoria monetária está errada, após avaliar o período de inflação baixa com juros nominais próximos de zero em economias desenvolvidas. Cochrane foi entrevistado pelo Valor em 17 de fevereiro e disse que desaconselhava veementemente o BC brasileiro a cortar juros para baixar a inflação.
Grosso modo, esses exercícios acadêmicos sugerem que o juro alto aumentaria a probabilidade de calote de uma dívida já elevada, levando a depreciação cambial e, consequentemente, a mais inflação. Por outro lado, juro menores reduziriam a percepção de default, gerando apreciação da moeda e consequente queda da inflação. O grande vetor aqui é a teoria das expectativas racionais. Antevendo o resultado de um arranjo de forças, os investidores não esperam ele acontecer, mas sim trazem o futuro para o presente.
Conforme a discussão foi tomando corpo, envolvendo economistas de diversos matizes com publicações no Valor e também em outros veículos, Ilan Goldfajn incluiu na sua comunicação oficial, e vem repetindo desde então, que “a evidência empírica tem novamente corroborado a importância da política monetária, e da política econômica de forma geral, para o controle da inflação” e que “é importante ancorar as expectativas antes de iniciar o ciclo de flexibilização monetária”.
Ainda sobre o tema, Ilan disse, em entrevista ao jornal “Estado de S. Paulo” em 18 de janeiro, que “nós aqui, no BC, somos obrigados a enfrentar a realidade, e não estamos no mundo dos desejos, aquele onde você deixa o instrumento cair para que depois a inflação caia”.
Fonte: Valor