Investimento direto sofre menos com crise e deve somar US$ 70 bi
Apesar da forte queda dos investimentos e do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos dois anos, um indicador da economia brasileira se manteve surpreendentemente forte. O Investimento Direto no País (IDP) somou US$ 75 bilhões em 2015 e acumulou, nos 12 meses encerrados em novembro de 2016, ingresso de US$ 78,8 bilhões, segundo dados do Banco Central. Para 2017, 15 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor Data estimam, em média, que o IDP vai somar US$ 70 bilhões, financiando com folga o déficit em conta corrente do país. Mais otimista, o BC prevê o ingresso de US$ 75 bilhões este ano.
Para analistas, há alguns fatores que explicam porque o estrangeiro manteve investimentos no país mesmo diante de uma recessão que dura mais de dois anos. Os motivos vão dos juros altos à desvalorização do real, que tornou as empresas brasileiras “baratas”, e os planos de vendas de ativos de muitas companhias nacionais, entre elas a Petrobras, para fazer frente ao aumento do endividamento.
Além disso, outros países emergentes também enfrentam dificuldades na atração de investimentos, lembra o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Antonio Corrêa de Lacerda, para quem faltam destinos muito mais atrativos. “A China é um lugar óbvio, mas há um superinvestimento lá. Muitas empresas já investiram muito e querem e precisam diversificar”, afirma. A Rússia tem tantos problemas quanto o Brasil e a Índia, mesmo que interessante, apresenta dificuldades religiosas, culturais e linguísticas, diz.
Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvi- mento Econômico (OCDE), o investimento estrangeiro direto caiu 32% para a China e 19,4% para a Rússia, considerando os 12 meses encerrados em junho, último número disponível, em relação aos doze meses do ano anterior. Para o Brasil, o IDP caiu 2,3%, mas há uma diferença metodológica em relação aos números do Banco Central, já que a OCDE não considera os lucros reinvestidos, por exemplo. Na Índia, os investimentos subiram 4%, na mesma comparação.
A composição do investimento estrangeiro também mudou ao longo do tempo, observa Luis Afonso Lima, economista-chefe da Mapfre Investimentos e presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet). O reinvestimento de lucro no Brasil, por exemplo, aumentou 53% entre janeiro e novembro do ano passado, em relação ao mesmo período de 2015, ao alcançar US$ 8,8 bilhões, contra US$ 5,7 bilhões em igual período do ano passado.
Também tem aumentado as operações intercompanhia entre as filiais estrangeiras para a matriz no Brasil. Entre janeiro e novembro, foram US$ 15,6 bilhões de créditos recebidos do exterior nessa conta, aumento de 18% em relação ao mesmo período do ano passado. “A fotografia continua positiva, especialmente se pensarmos em sustentabilidade do balanço de pagamentos, mas nem sempre a qualidade é boa”, observa ele. Isso porque esses recursos não são novos e nem necessariamente serão aplicados em atividades produtivas no curto prazo.
Lima projeta que o IDP fique em US$ 62 bilhões neste ano, menos do que em 2016. A redução se deve, em parte por causa do risco que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, representa para os investimentos (ver reportagem abaixo).
Lima aponta ainda que o último Relatório de Investimento Global da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) mostrou que o Brasil perdeu posições como destino preferencial de investimentos até 2018, segundo pesquisa com executivos de matrizes de empresas multinacionais, ao cair da quarta para a sétima colocação no ranking de 2016. Alemanha e Japão passaram o Brasil, enquanto os Estados Unidos roubaram a liderança do ranking da China.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, também avalia que é mais razoável contar com algo como US$ 65 bilhões de IDP em 2017. “Apostar em algo em torno de US$ 80 bilhões é otimismo”, diz. Em sua avaliação, o risco-país e a taxa de câmbio não estão refletindo acertadamente o risco de implementação da agenda de reformas proposta pelo presidente Michel Temer. “Acho que vamos ter muita oscilação ainda e não acredito em aprovação da reforma da Previdência como proposto”, diz ele, o que pode afastar investidores estrangeiros, já ressabiados com o cenário externo mais complexo.
Ele também pondera que o IDP tem se mantido razoavelmente estável nos últimos 24 meses, mas houve uma queda entre 2014 e 2015, quando os investidores anteciparam a eleição da ex-presidente Dilma Rousseff e a perda do grau de investimento que se seguiu.
Mais otimista, Lacerda, da PUCSP, acredita que há motivos para imaginar que o IDP permaneça em torno de US$ 70 bilhões também em 2017. Em sua avaliação, alguns fatores conjunturais sustentam o investimento produtivo em níveis elevados, como a desva- lorização da taxa de câmbio, que deixou as companhias brasileiras “baratas”, especialmente para operações de fusões e aquisição.
A taxa elevada de juros no país também ajuda, já que incentiva a antecipação dos empréstimos intercompanhia mesmo quando os projetos de investimento não estão na iminência de sair do papel.
Para o Credit Suisse, as operações entre filiais de empresas brasileiras no exterior e o aumento dos lucros reinvestidos também estão relacionados com a fragilidade financeira crescente das empresas brasileiras. As subsidiárias, afirma o banco, em relatório, ajudariam financeiramente as matrizes, com um volume expressivo de créditos concedidos e forte contração das amortizações pagas.
Mas há também, segundo La- cerda, fatores estruturais que contribuem para o fluxo de recursos produtivos para o Brasil. “Vale lembrar que o investidor produtivo leva em conta o cenário dos próximos 10 anos, ou mais, o que torna relativamente pouco importante a crise atual”.
Para Andrea Damico, economista do Bradesco, há, além desses fatores, dois pontos que parecem ter se tornado mais relevantes nos últimos meses para sustentar o IDP. O primeiro é o programa de desinvestimento de grandes companhias brasileiras, como a Vale e a Petrobras, em um período em que as empresas estão procurando reduzir seu nível de endividamento.
O aumento das operações intercompanhia também pode refletir a troca de fontes de financiamento, em um momento em que a taxa de juros interna é significativamente maior do que as praticadas no mercado internacional. Depois de um ano em que a janela para captações externas ficou praticamente “fechada”, em 2016 as empresas voltaram a acessar empréstimos no exterior, com operações de porte da Vale e da Petrobras, por exemplo.
Para 2017, diz ela, a esses elementos devem se somar às concessões de obras de infraestrutura, com expectativa de atração de participantes estrangeiros.
O Bradesco estima que o IDP encerre 2017 em US$ 70 bilhões. Para Andrea, o fato de que as operações são bastante pulverizadas – 83,3% dos aportes são menores do que US$ 500 milhões – também é um indício que o IDP vai continuar firme ao longo deste ano.
Fonte: Valor