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Inflação resiste e faz BC dosar ousadia nos juros

Muitos analistas econômicos acham que o Banco Central errou ao cortar os juros em apenas 0,25 ponto percentual em outubro, outro 0,25 ponto em novembro e, agora, terá que correr atrás do tempo perdido. Alguns dizem que deveria baixar a taxa básica em 0,75 ponto em janeiro. Outros chegam a defender a convocação de uma reunião extraordinária do Comitê de Política Monetária (Copom).

O cenário mais provável, porém, é o BC intensificar a distensão monetária, mas com movimentos de 0,5 ponto percentual, e seguir com uma trajetória cautelosa. A razão é uma só: a inflação não vem cedendo como se esperava, apesar da grave recessão.

Desde que o Copom passou a ser chefiado por Ilan Goldfajn, em junho, os membros do colegiado vêm registrando espanto com a resistência da inflação. “Diante da desaceleração econômica observada até aqui, esperava-se uma queda maior”, notaram alguns deles em julho. Em agosto, a preocupação foi a mesma: “a desinflação em curso tem procedido em velocidade aquém da almejada”.

Diante da recessão, esperava-se queda maior da inflação

A rigor, a situação não melhorou. A inflação cheia caiu junto com os preços de alimentos, mas poderá voltar a subir, dependendo das condições climáticas. A preocupação maior é com a inflexibilidade da inflação de serviços. O BC tem seguido um núcleo de preços de serviços que, em tese, deveriam responder mais diretamente à atividade econômica. Dele, ficam de fora preços de serviços mais voláteis, como passagens aéreas.

Esse grupo de preços de serviços teve aumentos anuais de cerca de 9% entre 2011 e meados de 2015, em grande parte devido às políticas fiscal e monetária frouxas. De fins de 2015 ao começo de 2016, registrou uma grande queda, passando para um patamar entre 6,5% e 7%. Pelo que tudo indica, responderam ao aperto fiscal do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy e à fase mais austera do BC sob o comando de Alexandre Tombini, que fizeram a taxa de desemprego dar um salto inicial de cerca de 7% para 9% entre 2014 e fins de 2015.

Desde meados deste ano, porém, a inflação desse núcleo de serviços permanece estacionada entre 6,5% e 7%, apesar de a taxa de desemprego ter ganhado um novo impulso, passando de cerca de 9% para 11,8%, pelo dado mais recente, de outubro. Nesse período, assumiram Ilan e um novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, teoricamente com mais respaldo do presidente da República do que os seus antecessores. Mas a resistência da inflação não se quebrou.

Há várias explicações para isso, incluindo má sorte. A inflação subiu em meados do ano, puxada pelos preços de alimentos, numa época em que costuma cair. Nesse ambiente, os agentes econômicos procuram se defender, vinculando reajustes de preços e salários à inflação passada.

Outra explicação é a política fiscal. Os gastos correntes seguem em alta, incluindo reajustes ao funcionalismo, e todo o ajuste se concentra no médio e longo prazo. O BC tem argumentado que a política fiscal se transmite para a inflação por muitos canais e que, no momento atual, o efeito sobre as expectativas do ajuste de longo prazo nas contas públicas é mais poderoso do que a expansão na demanda agregada produzida pela gastança no curto prazo.

Mas a realidade é que o ajuste de longo prazo segue incompleto – depende fundamentalmente da reforma da Previdência Social – e a taxa real de juros de longo prazo apenas devolveu parte da alta da crise do impeachment, mas ainda segue acima de 6% ao ano. Enquanto isso, o aumento de gastos públicos pressiona sobretudo a inflação de bens não comercializáveis.

Não ajudou muito que, quando assumiu o cargo, Ilan tinha uma reputação de “dovish” (ou seja, de um defensor de juros baixos) e demorou para firmar seu compromisso com a meta de 2017. No fim, a fama se mostrou exagerada, depois de o Copom ter manejado os juros com uma boa dose de conservadorismo. Mas o estrago ficou.

Independentemente da causa da resistência dos preços de serviços, o fato é que, se eles continuarem a se comportar da forma atual, a inflação não cairá para a meta de 4,5% no horizonte previsto pelo Banco Central, com risco real de não chegar lá no governo Temer.

O Banco Central projeta uma inflação de 4,4% em 2017 e de 3,6% em 2018, pressupondo os juros estáveis nos 14% ao ano vigentes em fins de novembro (hoje, a taxa está em 13,75% ao ano). Se o BC der uma acelerada no ritmo de distensão monetária em janeiro, para levar a taxa a 10,75% em fins de 2017, a inflação ficaria em 4,7% em 2017 e em 4,6% em 2018.

Só que, para que a inflação cair dessa forma, é preciso que os preços de serviços tenham reajustes mais moderados do que os atuais. Na ata de sua reunião de outubro, o Copom escreveu que “que a pausa [na queda da inflação de serviços] se dá em níveis cuja manutenção produziria trajetória de desinflação em velocidade aquém da contemplada no cenário básico do comitê. Esse cenário pressupõe uma trajetória de queda gradual à frente.”

Ou seja, se os preços de serviços permanecerem resistentes como têm se mostrado nos últimos meses, é possível que a inflação fique bem acima das metas definidas para 2017 e 2018.

Dessa forma, a sinalização do Copom de que vai intensificar o corte de juros em janeiro, com um provável corte de 0,5 ponto, não deixa de ser uma aposta do colegiado em que os preços dos serviços vão finalmente se render. É fácil entender o quanto há de risco nesse diagnóstico: no terceiro trimestre, a atividade já foi mais fraca que o esperado, porém a inflação não cedeu.

A argumentação mais recente do Banco Central é que, como as expectativas de inflação estão mais bem ancoradas e a inflação cedeu, em tese os mecanismos inerciais da inflação devem se enfraquecer – ou seja, quem fixa preços tenderia a olhar mais para a inflação futura do que para a passada. Nesse ambiente, a recessão e o desemprego recuperariam seus poderes para disciplinar a alta de preços na economia. Mas isso não deixa de ser apenas uma tese que, por enquanto, ainda precisa ser comprovada.

Fonte: Valor

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