Expansão global pode trazer fôlego extra para Brasil
A perspectiva de retomada do crescimento global num ambiente que ainda promete ser de farta liquidez e commodities para cima traçam um cenário favorável para os mercados emergentes, e para o Brasil em particular, no avançar do segundo trimestre. Sob esse pano de fundo, os ativos locais tendem a ser mais resistentes aos ruídos políticos e às discussões em torno da reforma da Previdência. E nada, no entender dos estrategistas de investimentos, muda a dinâmica de corte do juro básico brasileiro.
Por conta da inflação, que tem mostrado surpresas baixistas, e da atividade local anêmica, na conta do mercado já está uma Selic mais perto de 9% até dezembro. Embora muito do alívio monetário já esteja nos preços da renda fixa soberana, tanto os títulos prefixados quanto as notas atreladas à inflação aparecem no mix indicado pelos especialistas. Mas também há uma recalibragem para outros riscos: ações, multimercados, crédito corporativo e fundos imobiliários entram no cardápio para que o aplicador consiga capturar um pouco mais de retorno.
O primeiro trimestre não decepcionou e praticamente todas as classes de ativos exibem ganho real, com exceção das aplicações em dólar ou euro. Até o dia 30, o índice de “small caps”, que reúne ações de baixa capitalização na bolsa, é que liderava o ranking dos investimentos no ano, com valorização acumulada de 14,23%. Em seguida, aparece o índice de dividendos, com alta de 13,5%, enquanto o Ibovespa, apesar de ratear no meio do caminho, tinha valorização de 7,3%. A renda fixa também foi bem: o índice que representa uma cesta de títulos prefixados (IRF-M) avançou 4,9%, enquanto o IMA-B, de papéis corrigidos pelo IPCA, o índice de inflação oficial do país, exibia retorno real de 5,7%. Num mundo em que as taxas dos países desenvolvidos permanecem baixas, é muito juro.
Dentro da classe de emergentes, o Brasil se destaca justamente por ter o maior juro real e nominal e pode ser premiado com o fluxo externo, segundo o diretor de gestão de riqueza do BTG Pactual Marcelo Santucci. Do lado macro, ele aponta que, apesar do ciclo de alta de juros iniciado pelo Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), a liquidez seguirá farta. Com a percepção de que o país está arrumando a casa, com toda transformação política, disposição para o resgate fiscal e redução da Selic, o mercado local tende a ser um desses portos.
“Quando se olha para pares emergentes, com taxas entre 1% e 3%, e o Brasil com 5% versus outros países que concorrem com o mesmo dinheiro é uma situação bem favorável”, diz. “O estrangeiro vai querer capturar nas carteiras o excesso de prêmio que o país está oferecendo, com mudanças na política monetária e na orientação econômica.”
Conforme cita, no primeiro trimestre até meados de março, fundos dedicados à dívida emitida em dólares de países emergentes tinham atraído US$ 16 bilhões, depois de um fluxo de US$ 25 bilhões no ano passado, após três anos seguidos de saídas líquidas. Os dados foram compilados pelo Morgan Stanley, com base nas estatísticas do EPFR.
Há cerca de US$ 10 trilhões no mundo sendo remunerados a taxas negativas e, com a aceleração do crescimento global, esse dinheiro vai buscar mercados com juros mais altos, reforça o estrategista de investimentos do UBS Wealth Management, Ronaldo Patah. “Dentre os emergentes, os que atraem os investidores são aqueles que têm feito a lição de casa das contas públicas e que tenham crescimento”, afirma. “O Brasil está nessa situação.”
Para Patah, a economia brasileira, no último trimestre do ano, já vai apontar para um crescimento de 1%. “Estamos otimistas com a super safra agrícola e a recomposição dos estoques que vai gerar uma recuperação dos investimentos.” Ele também acredita que a queda da inflação permitirá ao BC acelerar o corte da Selic em algum momento e o país pode testar taxa de um dígito já no terceiro trimestre. Após a divulgação do relatório de inflação, o banco revisou a projeção para a Selic, de 9% para 8,5%. O cálculo considera dois cortes seguidos de 1 ponto percentual, em abril e maio, 0,75 ponto em julho, e mais duas reduções de 0,50 ponto, em setembro e outubro.
Patah cita já haver um fluxo importante para investimento direto, e a entrada de capital externo em 12 meses já representa 4,4% do PIB, três vezes mais do que antes do processo de impeachment, um ano atrás. O risco país, medido pelo CDS, por sua vez, saiu do nível de 500 pontos para a casa de 230 pontos atuais. Conforme diagnóstico com estrategistas globais, a reforma da Previdência, quando aprovada, tende a gerar mais fluxo também para portfólios, diz.
“Isso tiraria um risco grande da frente, é mais fácil para o estrangeiro ter mais visibilidade de cenário daqui a dez anos.” Por ora, o capital que tem ingressado no país com esse fim é o chamado “smart money”, com viés de curto prazo.
A previsão é que a reforma da Previdência seja aprovada na Câmara até o fim do segundo trimestre e esse deve ser o grande gatilho para as ações brasileiras. “É isso que vai determinar se o Ibovespa vai mudar de patamar ou se a correção só virá pelo canal dos juros”, diz o estrategista de private banking do Banco Votorantim, Marcos de Callis. Só o alívio monetário sugere haver ganhos a capturar em ativos que dependam mais da atividade econômica. “Nos perfis mais agressivos, gostaria de colocar uma parcela maior de bolsa, mas para fazer uma aposta mais sustentável é preciso esperar a conclusão da reforma da Previdência, e a partir daí se comprometer com uma alocação maior, por mais tempo.”
Os fundos imobiliários podem ser, a seu ver, outra fonte de retorno interessante. No ano, o Ifix, que representa a média dos fundos listados na bolsa, acumula ganho real de 7,7% até o dia 30. Essas carteiras também proporcionam renda com a remuneração periódica dos aluguéis.
O BTG também tem indicado os fundos imobiliários. E em ações, prefere fazer um mix com gestores com perfil de valor, que pinçam ações com potencial de ganhos no longo prazo. Na classe de retorno absoluto estão os multimercados, segundo lista o diretor de gestão de riquezas Rafael Mazzer. O especialista ainda vê ganhos potenciais em prefixados. A previsão do banco é que a Selic encerre o ano em 9% ao ano, ante os 12,25% atuais.
No Tesouro Direto, a Letra do Tesouro Nacional (LTN) com vencimento em 2023, por exemplo, apontava ontem taxa de 10,11%. Se o corte do juro seguir o script, o investidor pode assegurar por mais tempo esse retorno. A exposição a notas atreladas à inflação é outra aposta, mesmo que a estratégia leve um pouco mais de tempo para frutificar. “Embora o IPCA não represente a cesta de consumo de um cliente de private banking, faz todo sentido por proporcionar retorno relevante e boa proteção”, diz Mazzer.
No UBS, a dobradinha bolsa e multimercados se repete entre as indicações de Patah. Para prefixados e títulos indexados à inflação o viés é neutro. Num perfil moderado, isso significa uma exposição de 7,5% em ações e de 25% em carteiras mistas. Aos níveis de taxas atuais, a renda fixa segue ocupando uma parcela dominante: 20% em prefixados, 20% em NTN-B, e 27,5% em títulos pós-fixados.
Já de Callis, do Votorantim, considera que os prêmios já estão mais apertados em títulos prefixados e atrelados ao IPCA e sugere uma rotação de crédito bancário para dívida corporativa de alta qualidade.
O cenário-base do UBS é de aprovação da reforma da Previdência e manutenção das atuais diretrizes econômicas, independentemente de quem venha a concorrer às eleições presidenciais em 2018. “A premissa é que alguém de centro continue no poder, com a política econômica sendo mantida e aí se teria mais quatro anos de crescimento, entre 2% e 3%”, afirma Patah.
Só que depois de um primeiro trimestre de relativa calmaria, em que a volatilidade dos ativos brasileiros foi em geral baixa, é de se esperar um período de mais emoções para os investidores, segundo o estrategista-chefe de investimento do varejo do Citi, Mauro Morelli. Para ele, não só a cena local, com as negociações para a reforma da Previdência e a evolução do quadro político, é que vão apimentar os negócios. Externamente, algum revés pode vir das eleições na Europa ou da consolidação do governo de Donald Trump nos Estados Unidos.
Apesar desse tempero, prevalece um leve otimismo, em meio a um ambiente de expansão global e reação da atividade também no Brasil. Para que esse ânimo prevaleça é importante que o mundo não saia do controle. As recomendações do banco privilegiam ações globais, por meio de fundos ou notas estruturadas. No Brasil, ele sugere a NTN-B e os multimercados. “Os gestores têm capacidade para aproveitar a volatilidade e trazer para o investidor operações mais complexas que ele sozinho não compraria.”
Fonte: Valor