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Europa e Mercosul têm uma janela de oportunidade

Quando aceitou as credenciais do novo embaixador da Alemanha, GeorgWirshcel, o presidente Michel Temer recebeu também um convite para que esteja presente, no ano que vem, em mais uma rodada das negociações de alto nível entre os dois governos, no âmbito da parceria estratégica bilateral. “O Brasil continua sendo estratégico para nós”, disse o experiente diplomata de 62 anos, na entrevista que concedeu ao Correio na última sexta-feira. Há apenas três meses no país, Wirtschel, tirou partido do latim que aprendeu na formação como jurista: já fala português com admirável desenvoltura. Mais que isso, parece rápido também para assimilar traços marcantes do caráter brasileiro, como o bom humor que sobrevive a uma crise cuja gravidade o governo de Berlim não subestima.

“Sabemos que o Brasil vive uma crise muito profunda, econômica, política e também moral. Durante esta semana, também uma crise institucional – que, felizmente, parece terminada”, comentou, referindo-se à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Presidência do Senado. O embaixador ressaltou como “um sinal importante” a decisão da Volkswagen de voltar a investir nas linhas de produção de ônibus e caminhões no país, depois de uma queda de 50% na atividade. E vêm com otimismo a janela de oportunidade aberta para um acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, agora que ambos os lados topam com a expectativa de uma atitude protecionista nos Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump.

Nem mesmo a ascensão dos movimentos neopopulistas de direita na Europa, com forte discurso contrário à UE e à globalização, parece um obstáculo insuperável. “Acredito que eles não serão capazes de impedir um acordo com o Mercosul. Talvez nem queiram isso”, arrisca Witschel.

Em que medida a ascensão dos movimentos neopopulistas de direita dificulta a definição de políticas comuns na União Europeia?

Esses movimentos são um desafio importante para todos os governos e todas as sociedades na Europa. Eu considero isso muito problemático, porque eles quase sempre tentam dar respostas simples e fáceis para questões difíceis e complexas. Na maioria, eles são também an-tieuropeus, muito hostis aos estrangeiros, xenofóbicos, quase sem exceção se colocam contra a globalização e o livre comércio. E costumam ser antiliberais, no sentido dos direitos civis. No que diz respeito à União Europeia (UE), a ascensão desses movimentos neopopulistas torna mais difícil promover reformas e fechar acordos comerciais com outros países e outros blocos, como o Mercosul. Nós experimentamos isso na conclusão do tratado com o Canadá. E agora, nas negociações com o Mercosul, vamos ter sempre de dar atenção para as condições políticas internas da Europa. Por outro lado, é preciso conviver com eles, procurar esclarecer que, sem a UE, estarão muito ameaçados os direitos e as liberdades dos cidadãos europeus, assim como o nosso bem-estar social. AAlema-nha é um dos principais países exportadores. A UE, em conjunto, é o principal parceiro comercial das demais regiões do mundo. Sem o livre comércio, a Europa será muito, muito mais pobre.

O impasse nas negociações comerciais entre a UE e os Estados Unidos criam uma situação mais favorável a um acordo com o Mercosul?

Esta é uma situação contraditória. De um lado, existe uma forte possibilidade de que o governo de Donald Trump adote uma postura mais protecionista, contrária à Parceria Transpacífica (TPP recém-firmada pelos EUA com países da Ásia e do Pacífico) e inclinado a, pelo menos, frear o ritmo das negociações com a Europa. Isso pode representar uma janela de oportunidade para que a UE e o Mercosul fechem um acordo de livre comércio. Isso seria vantajoso para o Mercosul, uma vez que o comércio com os EUA tende a se reduzir. E o Mer-cosul deve cuidar para que a

China não se coloque numa posição monopolista no comércio com a região. Portanto, esta é a oportunidade de ter parcerias comerciais variadas, e não apenas com um sócio. Acho que temos uma grande de concluir essas negociações entre 2018 e 2019, em condições que representem vantagem para a UE, o Mercosul e o Brasil. Contra isso pesa a oposição desses movimentos populistas, mas sou otimista e acredito que eles não serão capazes de impedir um acordo com o Mer-cosul. Talvez nem queiram isso, por sentirem que seria menos “perigoso” para a Europa do que acordos com os EUA ou com a Ásia. Portanto, vejo uma boa possibilidade para que esse acordo saia, depois de 20 anos. Graças, também, a Donald Trump.

A chanceler Angela Merkel, quando reeleita líder do partido e candidata a um novo mandato em 2017, falou sobre a questão do véu islâmico. É um efeito da ascensão do neopopulismo na Alemanha?

A chanceler fez essas declarações não como chefe do governo federal, mas como presidente da União Democrata Cristã (CDU). Não me cabe comentar, mas é preciso fazer algumas observações. Primeiro, ela não falou do véu em geral, compreendido como alguma maneira de cobrir os cabelos, como um lenço. Ela se referia à burca, que cobre quase totalmente o rosto e o corpo. Em segundo lugar, ela foi clara sobre os lugares e circunstâncias onde isso seria considerado – por exemplo, em uma manifestação de rua ou no controle de segurança de um aeroporto. Nessas situações, talvez seja o caso de proibir a burca, mas Merkel não falou em proibição completa, nem mesmo da burca.

Ela também disse que seria inaceitável uma repetição do influxo de imigrantes recebido em 2015.

A chanceler falou sobre 2015 no sentido de que uma situação como aquela deve ser evitada. Fechamos um acordo entre a UE e a Turquia para que os refugiados do Oriente Médio passem a ser abrigados em território turco, para então serem admitidos na Europa contingentes determinados de imigrantes. No âmbito da UE, temos mecanismos mais apropriados para lidar com os

que vêm pela Grécia, para que sejam recebidos e distribuídos entre os países-membros. Portanto, na minha visão, as colocações da chanceler não vão no sentido de fixar um teto para a imigração. Ela não disse que não poderemos receber mais do que 100 mil, por exemplo. Trata-se de medidas que foram tomadas para que a Alemanha e a Europa não se vejam novamente às voltas com a entrada de uma torrente de refugiados como a de 2015.

Quais são as perspectivas na relação bilateral com o Brasil, nos marcos da parceria estratégica?

Uma coisa é muito importante: nós sabemos que o Brasil vive uma crise muito profunda, econômica, política e também moral. Durante esta semana, também uma crise institucional, com a disputa entre dois Poderes – que, felizmente, parece terminada. Os jornais alemães publicam reportagens sobre a situação, o desemprego, a recessão. Mas tudo está se movendo dentro do quadro constitucional. Ao contrário de outros países, essa crise está sendo enfrentada sem derramamento de sangue e sem ruptura constitucional. Nesse aspecto, o Brasil se mostra notavelmente estável. Por isso, dizemos que o Brasil continua sendo estratégico para nós. Temos apenas cinco parceiros estratégicos fora da Europa: China, Índia, Israel, Turquia e Brasil. A chanceler Merkel já enviou um convite, que eu entreguei ao presidente Michel Temer junto com as minhas credenciais, para que ele esteja presente na segunda rodada das consultas bilaterais de alto nível. Da última vez, vieram ao Brasil seis ministros e cinco vice-minis-tros alemães. O problema é que em 2017 a Alemanha terá eleições gerais, e por isso a janela para esse encontro é muito estreita. Vamos ter rodadas de consultas também com a China, a Índia e Israel. São quatro meses disponíveis para quatro encontros de alto nível, e temos ainda a presidência alemã do G20 e da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Por isso, ainda não sabemos se poderemos formalizar esse convite até abril, ou se terá de ser apenas no ano seguinte, 2018.

A crise não prejudica?

Essa relação estratégica, profunda e estreita existe. Não está enfraquecida pela crise. São dois países democráticos, com um nível elevado de respeito aos direitos humanos, com valores e interesses similares. Afinal, de 10% a 12% da produção industrial brasileira vem de empresas teuto-brasileiras. Temos 30 bilhões de euros ou mais em investimentos no país-a Alemanha é um dos principais investidores externos. É significativo que a Volkswagen está programando investimentos de mais de 400 milhões de euros, para os próximos anos, na modernização das linhas de produção de ônibus e caminhões no Brasil. É um sinal muito interessante, porque a produção desses veículos caiu talvez 50% com a crise. Um pouco de otimismo é muito necessário. Temos laços pessoais, culturais, científicos. A Alemanha está ao lado do Brasil na crise como no boom. Não chega a ser como o lema de Fidel Castro, “até a vitória sempre”, mas sempre com o Brasil. Às vezes contra o Brasil, no futebol, mas disso não precisamos falar…

De volta ao início da entrevista, e já que a Alemanha terá em 2017 a presidência do G20, o senhor imagina uma reunião de cúpula com a presença de Donald Trump, Marine Le Pen, Beppe Grillo e outros neopopulistas?

Só se for no Sambódromo, no carnaval. Beppe Grillo não é o comediante? Seria um pesadelo, não? Grillo não parece ter chances na Itália. Na França, o interessante é que com a candidatura de François Fillon, no campo conservador, a disputa fica mais difícil para Marine Le Pen. Ele é um conservador com bom potencial para tirar votos que poderiam ir para a Frente Nacional. Podemos esperar que a França tenha um governo pró-europeu, sem a FN.

Fonte: Correio Brasiliense

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