Europa corre para assegurar estabilidade de seus bancos
O governo alemão lançou ontem uma cobertura geral para todos os depósitos em contas bancárias no país, enquanto um grupo de países europeus adotava uma série de medidas de emergência para reforçar seu sistema financeiro, diante da crise internacional de crédito que vai se ampliando.
Além de anunciar a surpreendente decisão de garantir todos os depósitos bancários, o governo da Alemanha, a maior economia da Europa, arranjava um plano de resgate para o Hypo Real Estate Holding AG, um gigantesco banco imobiliário que esteve à beira do colapso depois que entidades privadas retiraram um plano anterior de 35 bilhões de euros (US$ 48,2 bilhões) na semana passada. Outras possibilidades para o Hypo ainda estavam sendo negociadas ontem à noite.
Também ontem, os governos da Bélgica e de Luxemburgo arranjaram um negócio sob o qual o banco francês BNP Paribas vai adquirir as operações belgas e luxemburguesas do Fortis NV por cerca de 15 bilhões de euros em dinheiro e ações. O acordo para o gigante bancário e segurador de nacionalidades holandesa, belga e luxemburguesa chegou depois que um plano de resgate na semana passada não conseguiu evitar um êxodo de clientes, e de a Holanda nacionalizar o braço holandês da companhia.
Na Itália, o conselho do UniCredit, segundo maior banco do país, anunciou que iria lançar um aumento de capital emergencial de 3 bilhões de euros. A reunião de domingo foi uma surpresa: poucos dias antes, o diretor-presidente do UniCredit havia dito, em rede nacional de televisão, que a situação do banco era sólida.
No entanto, os executivos decidiram convocar uma reunião depois que as ações do banco despencaram na semana passada, devido à preocupação dos investidores com a credibilidade das garantias que o banco fazia e às persistentes preocupações quanto à sua liquidez. Em determinado momento, a ação do UniCredit atingiu o nível mais baixo nível em dez anos, recuperando-se depois.
Todas essas medidas chegam menos de 24 horas depois que os chefes de Estado dos quatro maiores países europeus se comprometeram, em uma reunião em Paris, a proteger o sistema financeiro do continente. “Estamos assumindo o solene compromisso de dar respaldo às instituições bancárias e financeiras”, disse o presidente francês Nicolas Sarkozy em uma coletiva de imprensa, após a cúpula de sábado.
Nos Estados Unidos, autoridades do governo tomaram medidas agressivas nas últimas semanas para tentar aliviar a pressão sobre mercados de crédito de curto prazo. Novas medidas por parte do banco central, o Federal Reserve, são prováveis nos próximos dias. Não está claro o que exatamente o Fed vai fazer, mais poderia ser algo voltado aos mercados de commercial papers, que foram prejudicados pelo ceticismo de fundos de mercado monetário, um grande tipo de investidor nessa classe de ativos.
A crise na Europa agora passou de uma implosão de ativos ligados a hipotecas americanas para um problema mais amplo, que inclui a relutância dos bancos europeus em emprestar uns para os outros, e uma crescente perda de confiança entre investidores e até mesmo correntistas em alguns casos. Para piorar a situação, governos de vários países, da Irlanda à Alemanha, estão tentando tranqüilizar um eleitorado ansioso.
Outros bancos europeus podem passar por apertos financeiros semelhantes aos do Fortis e Hypo, e necessitar de socorro público ou privado, já que investidores estão evitando ceder o tipo de investimento de curto prazo de que bancos dependem para ter liquidez. Num sinal de que os custos financeiros dos bancos estão subindo, a Libor, uma medida das taxas às quais os bancos emprestam uns aos outros, chegou a 5,33% sexta-feira, na sua versão em euros, sendo que estava a 4,95% dia 1o de setembro.
As providências anunciadas no domingo, tão apressadas e heterogêneas, levantam dúvidas sobre se os governos, as agências reguladoras e as autoridades bancárias da Europa estão preparados para enfrentar as repercussões da crise financeira. Algumas das maiores economias européias já estão se aproximando de uma recessão.
A primeira-ministra alemã Angela Merkel insistiu que o sistema bancário continuava saudável e que os problemas estavam confinados a casos individuais como o do Hypo. “Não permitiremos que os problemas de uma instituição financeira se tornem problemas do sistema como um todo”, disse ela.
Embora os governos europeus tentem parecer unidos na busca de soluções para o aperto do crédito, as diferenças entre eles são bem visíveis. Na semana passada, a Irlanda foi criticada por vários governos da União Européia quando decidiu, unilateralmente, garantir todos os depósitos mantidos nas seis maiores instituições financeiras do país. A Associação dos Banqueiros Britânicos qualificou a atitude irlandesa de anticompetitiva. O Banco Central e Agência de Serviços Financeiros da Irlanda afirmou que observou um aumento nos depósitos desde que essas medidas foram aprovadas, na semana passada.
Contudo, até agora as propostas para se chegar a um conjunto unificado de regras contra a crise – tais como estabelecer um fundo para resgates bancários no valor de muitos bilhões de euros, semelhante ao plano americano de US$ 700 bilhões – foram abandonadas por medo de que tais fundos sejam impossíveis de se administrar.
Para enfrentar a falta de fundos para os bancos, estes poderiam pedir ao Banco Central Europeu que assuma o papel de banco de compensações. O BCE iria, então, operar como um intermediário, combinando instituições que recebem muitos depósitos de correntistas com outras que precisam de dinheiro emprestado. O BCE, junto com outros bancos centrais, vem injetando fundos no sistema financeiro, mas os bancos têm permanecido desinteressados em emprestar uns para os outros por períodos maiores do que alguns dias.
Enquanto a crise se alastra, alguns observadores também começam a se perguntar se as agências reguladoras européias vêm avaliando com o necessário rigor a situação dos dois bancos em apuros e sua vulnerabilidade à desvalorização dos ativos e à falta de liquidez. A confiança dos investidores na capacidade dos executivos bancários de prever corretamente problemas futuros também está desaparecendo.
Dúvidas sobre a necessidade do UniCredit de levantar capital surgiram nos primeiros meses do ano, e de novo na semana passada, quando o banco negou essa possibilidade repetidas vezes. E várias autoridades alemãs ficaram iradas ao descobrir, no último fim de semana, que o Hypo tinha necessidades financeiras maiores do que lhes foi informado há uma semana.
A primeira-ministra alemã Angela Merkel disse que os diretores do Hypo que tomaram decisões irresponsáveis terão de enfrentar as conseqüências. O pacote de socorro do Hypo provavelmente se parecerá com a linha de crédito de emergência que foi aprovada há uma semana, mas envolvendo uma quantia maior. Ontem à noite, o governo alemão estava discutindo com bancos e seguradoras uma maneira de compartilhar eventuais prejuízos resultantes desses empréstimos.
Hans Obermeier, porta-voz doHypo, afirmou que a avaliação feita pelo banco na semana passada – ou seja, de que precisaria de 15 bilhões de euros a curto prazo e mais 20 bilhões de euros até o ano que vem – estava correta naquele momento.
Fonte: Valor