Estudo do Senado mostra que 54 mil pessoas têm foro especial no país
As prisões e condenações de políticos levantaram uma discussão sobre o foro privilegiado. Na quinta-feira (23), o Supremo Tribunal Federal deve retomar a votação de um processo que restringe o foro aos crimes cometidos apenas durante o mandato.
Foro privilegiado: proteção institucional ou símbolo de impunidade? Os números respondem: neste momento, o Supremo tem 531 inquéritos e ações penais contra autoridades com foro, sem contar os casos sigilosos, que ninguém sabe dizer quantos são.
Uma Justiça emperrada que tarda e que, por isso, também falha. E o tempo vai passando.
Pelas contas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mais de 200 processos que envolviam políticos com foro no Supremo prescreveram simplesmente não foram julgados no prazo.
Na Lava Jato e seus desmembramentos, em três anos e meio de investigação, o STF não condenou ninguém, já que não está bem preparado para funcionar como corte criminal. Enquanto isso, na primeira instância, pelo menos 127 condenados.
Na Praça dos Três Poderes o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, que se transforma em corte criminal quando o réu tem foro especial por prerrogativa de função. No Congresso, deputados, senadores; no Palácio do Planalto, o presidente da República e seus ministros. Mas não são somente autoridades de Brasília, não.
Um estudo do Senado mostra que no Brasil inteiro 54 mil pessoas têm foro especial, praticamente todos com mandato eletivo ou cargo político nos estados e municípios, e também os juízes. O que o Supremo decide na quinta-feira é se esse privilégio vai ser limitado.
O julgamento foi iniciado em maio, baseado no caso do prefeito de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, Marcos da Rocha Mendes, acusado de crime eleitoral.
O processo contra ele foi aberto numa corte porque era prefeito. Sem mandato, foi para a Justiça Eleitoral de primeira instância. Quando virou deputado federal, STF. Reeleito prefeito, o processo pode voltar para onde tudo começou, há nove anos.
Outro exemplo emblemático foi apontado na internet pelo procurador Diogo Castor de Mattos, da Lava Jato, em Curitiba. Eduardo Cunha ainda se agarra a resquícios do foro privilegiado que tinha quando era deputado.
No caso que envolve propina na venda de um navio-sonda à Petrobras, ele já recorreu sete vezes para tentar escapar do juiz Sérgio Moro. Cunha até já foi condenado na primeira instância em outros processos, mas, nesse caso, depois de um ano e meio, a denúncia não saiu da estaca zero.
O ministro que conduz a discussão no Supremo, Luís Roberto Barroso, votou em maio para que o político só tenha foro privilegiado para os crimes praticados durante o mandato e em função do cargo. Por exemplo: um político acusado de receber propina para aprovar uma lei continuaria com foro especial. Já um político acusado de assassinato não teria foro e seria julgado em primeira instância mesmo tendo mandato.
A doutora em direito constitucional Christine Peter explica que a discussão no Supremo vem ao encontro do que quer o cidadão comum.
Essa visão mais senso comum, ou mais popular do foro privilegiado, na teoria do direito constitucional tem uma explicação associada à própria teoria dos direitos fundamentais, ou seja, qual é o direito fundamental que o povo está reclamando quando brada contra ou quando se insurge contra o foro privilegiado? Ele quer igualdade, ele quer ser um cidadão que participa da comunidade política brasileira tal qual os representantes que ele elege dentro da república para falar ou dar a voz ao que eles pensam dentro das instituições políticas democráticas, disse.
O ministro aposentado do STJ Gilson Dipp diz que, se o Supremo restringir o foro privilegiado, vai ajudar no combate à impunidade.
Nesse momento em que há um Congresso complemente inócuo, e que é necessário dar uma resposta mais célere à sociedade quanto aos absurdos, abusos e a criminalidade que está ocorrendo no país, a interpretação do Supremo é muito bem-vinda. Isso repercutirá nos estados e nos municípios. Por isso que o Supremo tem que ter o cuidado para deixar bem claro que essa interpretação, se for tomada, ela seja abrangente, afirmou.
A alteração da regra atual depende do voto de pelo menos seis dos 11 ministros da corte. Já votaram pela restrição do foro, além de Barroso, os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
O próximo a votar será o ministro Alexandre de Moraes, que havia pedido vista para analisar a questão. Além de Moraes, ainda faltam votar os ministros Luiz Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
Fonte: O Globo