EconomiaNotícias

Estoques podem impulsionar PIB no 1º semestre

A recomposição dos estoques, depois de um longo ciclo de ajuste, pode dar um impulso relevante para a atividade econômica no primeiro semestre de 2017, mesmo que a recuperação da demanda seja modesta.

Nas contas do Itaú, por exemplo, a variação de estoques pode contribuir com 0,74 ponto da alta de 1% esperada para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2017, depois de três anos consecutivos em que a contribuição foi negativa. Já a demanda agregada (a soma do consumo do governo, das famílias, dos investimentos e das exportações, já líquidas das importações) deve adicionar apenas 0,23 ponto ao PIB. “A demanda vai ficar de lado, mas vai ser atendida mais por produção do que por estoques. Essa é a história para 2017”, diz Felipe Salles, economista do banco.

É a aposta nessa recuperação cíclica, combinada à perspectiva de cortes mais rápidos da Selic, que tem levado o banco e outras instituições a apostar em crescimento em torno de 1% em 2017, enquanto o consenso estima expansão de 0,5% no ano.

O ciclo de ajuste de estoques pode ajudar na recuperação porque, sem precisar se desfazer daquelas mercadorias que estavam acumuladas, os empresários podem aumentar a produção mesmo que o consumo cresça pouco.

O setor em que esse movimento é mais visível é na indústria automotiva, no qual o volume de carros parados nos pátios encerrou 2016 em 176,2 mil unidades, o menor valor, em termos absolutos, desde 2009. Em janeiro, esse número aumentou para 186,4 mil veículos, segundo dados da Anfavea, que reúne as montadoras instaladas no país. Estoques ajustados contribuíram para a recuperação esboçada pelo setor no quarto trimestre do ano passado, quando a produção de veículos aumentou 5,5%, enquanto a atividade na indústria como um todo caiu 0,7% no período, segundo dados do IBGE.

Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullet Prebon, explica como se dá esse efeito com um exemplo. Em um momento de estoques altos, uma fábrica que vende 100 mil veículos por mês decide “desovar” 10 mil automóveis e produzir os outros 90 mil carros. Quando os estoques deixam de ser excessivos, mesmo que a fábrica continue a vender os mesmo 100 mil carros, a produção pode aumentar em 10%, já que toda a venda exigirá a fabricação de novos automóveis.

Para Montero, não é fácil quantificar qual vai ser a ajuda do ciclo de estoques para a economia em 2017, porque os dados disponíveis nas Contas Nacionais também sofrem influência de erros, omissões e estoques agrícolas, mas o fato é que nos últimos três anos a contribuição da variação dos estoques foi negativa. “É de esperar uma reversão neste ano”, comenta ele.

O IBGE divulga a variação de estoques por trimestre em valores correntes, mas Claudio Considera, ex-diretor das Contas Nacionais, pondera que essa estatística é pouco significativa, já que a maior parte dos estoques contabilizados é do setor agropecuário e da indústria extrativa. O IBGE também usa essa rubrica para dar conta de erros e omissões. Ou seja, parte da variação dos estoques é calculada por resíduo, dada pela diferença entre o lado da oferta e da demanda. “Para ter um bom indicador de estoques, seria preciso observar o que está na mão do comércio, da indústria, os estoques de matérias-primas, tudo”, comenta Considera.

As demais informações sobre estoques na economia são, no geral, qualitativas, como é o caso da pesquisa da Sondagem Industrial da Fundação Getulio Vargas (FGV), que depende da avaliação dos empresários sobre a quantidade de produtos não vendidos.

Para Felipe Salles, economista do Itaú, esses indicadores, analisados isoladamente, podem não trazer um quadro completo, mas agregando as informações do IBGE, da Anfavea, da FGV e até de balanços de empresas, é possível avaliar que o ciclo de ajuste de estoques está perto do fim, o que deve contribuir para a recuperação da atividade ao longo de 2017.

Para Salles, a intensidade da queda da demanda, que no ano passado deve ter recuado mais do que o PIB, não foi antecipada pelas empresas, que continuaram a produzir e acabaram com um volume muito excessivo de mercadorias. “Aí, em 2016, tiveram que derrubar a produção. Em 2017, é provável que deixem de suprir a demanda com estoques e passem a produzir mais”, avalia.

Para Braulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, em dois setores há claras evidências desse processo. O primeiro é o setor agropecuário, que deve passar de uma queda de 6% no PIB para uma alta bem forte, entre 5% e 10%, em 2017, com a normalização do clima. “E nem no ano passado a demanda encolheu 6%, nem agora vai acompanhar esse crescimento”, afirma o economista, porque esse é um segmento em que o consumo não tem variações tão abruptas, mesmo considerando a demanda externa. Esse quadro indica, para Borges, que no ano passado os estoques agrícolas caíram e neste ano devem se ajustar.

“O outro setor em que parece ser claro que temos a oferta correndo acima da demanda é o automotivo”, avalia o economista, o que já animou a produção, mesmo com a demanda doméstica em queda. “Até temos aumento das exportações, mas as vendas para fora ainda representam fatia modesta da produção do setor”, comenta. O mais provável, em sua avaliação, é que o setor esteja recompondo estoques, antecipando estabilização da demanda ao longo do ano.

“Mas a diferença entre oferta e demanda deve ser bem menos expressiva do que no setor agropecuário”, diz ele. Nos outros ramos de atividade, Borges acredita que os empresários tendem a adotar postura mais cautelosa depois dos anos de recessão, com aumento da produção apenas quando houver sinal mais firme de reação do consumo.

De qualquer modo, ele avalia que a atividade – e a demanda – devem reagir ao longo do ano, com crescimento de 0,8% dos consumo das famílias e de 0,9% do PIB brasileiro em 2017. Para Borges, o ciclo de distensão monetária será relevante para destravar a economia, enquanto a rápida redução da inflação vai contribuir para recompor um pouco o poder de compra das famílias.

“O Brasil não deixou de ser uma economia cíclica”, comenta Montero, da TulletPrebon. Depois do impulso dado pelo ajuste das mercadorias paradas, a queda da inflação e a redução dos juros devem impulsionar a demanda a partir da segunda metade de 2017, contribuindo para um crescimento mais perto de 1% no ano.

O Itaú faz raciocínio semelhante. Depois do ajuste de estoques em 2017, a redução dos juros e seu efeito positivo sobre a redução do endividamento de empresas e famílias deve levar o PIB a encerrar 2018 com alta de 4%, afirma Salles. Recentemente, o banco revisou para 1% a estimativa de expansão neste ano, mas manteve o otimismo com o ano que vem.

“A gente só vai mudar essa projeção se os fundamentos se alteraram”, diz o economista, referindo-se a um cenário que conta com queda de juros, inflação na meta e aprovação de reformas, como a da Previdência Social.

Fonte: Valor

Falar agora
Olá 👋
Como podemos ajudá-la(o)?