Decasséguis perdem emprego e fazem o caminho de volta
Pelo portão de desembarque 2 do aeroporto internacional de Guarulhos chegam os passageiros da Japan Airlines (JAL). É mais um vôo que veio lotado do Japão. O salão aos poucos começa se encher de nikkeis (nome dado aos descendentes de japoneses nascidos fora do Japão). Pelo volume de bagagens é possível identificar os decasséguis brasileiros, que migraram em busca de trabalho e agora voltam ao Brasil em função do cenário econômico.
Os passageiros chegam visivelmente cansados após quase 27 horas de viagem e precisam aguardar mais algumas horas para fazer a conexão para outras cidades. A maioria são homens na faixa etária entre 25 e 40 anos (perfil que recebe melhor remuneração para trabalhar no Japão). Também há casais e famílias de três ou quatro pessoas. Reconhecer o decasséguis não é difícil. “Quem viajou a passeio volta com duas malas, o decasségui chega com cinco, seis malas”, aponta o agente de viagens Rogerio Sato, da Nichiyu International, empresa sediada no Japão que cuida do transporte de passageiros e bagagens de lá para o Brasil.
Apesar do cansaço e da desorientação causada pela diferença de fuso horário, alguns decasséguis aceitaram conversar com a reportagem do Valor desde que seus nomes fossem mantidos em sigilo. Mais do que emocional, a razão é cultural: para os japoneses que vivem no Brasil, trabalhar no Japão é um teste de excelência profissional e a demissão é entendida como um fracasso pessoal, a despeito da crise financeira internacional, que já apresenta reflexos na economia real do país há cerca de um ano.
Os aumentos de até 25% em preços praticados no varejo, influenciados principalmente pela disparada nas cotações internacionais do petróleo, que chegou a alcançar US$ 146,60 o brent em 3 de julho, foram o primeiro sintoma. O país, que conviveu por muitos anos com deflação ou inflação de no máximo 0,3%, atingiu no acumulado de 12 meses, até julho, inflação de 2,3% (em outubro caiu para 1,7%). Somou-se a essa alta à queda do Produto Interno Bruto (PIB) e à transferência de empresas do Japão para a China em função da diferença nos custos de produção, gerando um processo de demissões em massa, que começou pelo segmento de eletroeletrônicos e agora afeta montadoras e a indústria de autopeças.
Outro fator pesou contra o desempenho das empresas exportadoras japonesas, observa o presidente da Associação Brasileira de Dekasseguis (ABD), Kyoharo Miike. Como a moeda e a economia do Japão são muito estáveis, assim que o dólar começou a se desvalorizar houve uma forte procura pelo iene. Muitos investidores usaram a moeda como proteção e houve até falta de ienes no mercado. “O iene foi uma das pouquíssimas moedas que se valorizou frente ao dólar e isso dificultou ainda mais a exportação pelas empresas japonesas”, afirma. Sem conseguir exportar e com a demanda interna encolhendo, tornou-se questão de ordem reduzir produção e cortar pessoal. Cálculo do Valor Data revela que, em 12 meses até 5 de dezembro, o iene valorizou-se 20,5% frente ao dólar americano.
Um dos decasséguis que chegou ao Brasil na semana passada conta que trabalhou em empreiteiras no Japão durante 16 anos, passando por diferentes cidades. Mas a demora em conseguir uma recolocação o obrigou a voltar após cumprir o mês de aviso prévio. “Estava morando no alojamento da empresa e, acabado o contrato, eu tinha uma semana para deixar as minhas coisas. A situação lá ficou muito difícil. Já passei por outras crises, a última tinha sido em 2002, mas dessa vez a coisa é séria”, contou o nissei, enquanto aguardava a chamada do vôo de retorno a Londrina (PR).
De acordo com estimativas do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar Social do Japão, aproximadamente 30 mil trabalhadores temporários devem perder o emprego até março de 2009, quando se encerra o ano comercial para as empresas daquele país. Desse total, cerca de 5 mil são brasileiros e a expectativa é que esse número cresça para 8 mil até o fim do mês. “A ser verdadeiro o que anunciaram as montadoras japonesas, cerca de 14 mil trabalhadores perderão seu emprego formal até março de 2009”, afirma o vice-cônsul geral do Brasil em Tóquio, Marcos Torres de Oliveira. Pesa contra os brasileiros o fato de a maioria dos contratos ter duração anual, facilitando a dispensa, diz Oliveira.
O vice-cônsul afirma que a prática é comum entre as empreiteiras. “Religiosos [da Igreja Católica] que atuam na área de assistência social disseram que há fiéis desempregados dormindo nas dependências das igrejas. Na jurisdição do Consulado-Geral em Tóquio há pessoas desabrigadas em situação bastante precária, na região próxima a Oizumi”, diz.
Um dos decasséguis informou conhecer brasileiros que estão desempregados e morando no próprio automóvel enquanto não conseguem emprego. “Realmente há gente desempregada morando na rua, principalmente nas grandes cidades, mas não vi brasileiro nessas condições onde estávamos”, contou um casal que estava vivendo na cidade de Haneda, pólo indústrial próximo a Tóquio. O marido estava no Japão havia 15 anos e também trabalhava numa empreiteira.
Fonte: Valor