Corra como uma garota
Esses dias assisti um vídeo em que os entrevistados eram convidados a “correrem como uma garota”. Mulheres, homens e meninos levantavam as mãos e os braços de forma desengonçada. Em seguida, pediram para garotas fazerem o mesmo, e elas simplesmente correram, normalmente. Como é possível termos esse estereótipo tão enraizado? Desde quando a gente começa a aprender que “as meninas isso” e “os meninos aquilo”? Na época da escola eu lembro de evitar correr, porque eu ficaria suada e “imperfeita”.
Em uma das rodas de conversa promovidas pela empresa em que trabalho, em 2024, lembro de um colega comentar sobre a filha e as amigas. Mesmo sendo muito novas, já se arrumavam para ser “a mais bonita” e que estudavam para ser “a mais inteligente”. Como isso começa tão cedo?
Eu penso que desde pequenas somos ensinadas a ter alguém, não a ser alguém. A frase “você não vai querer ficar pra titia” atravessa gerações. Os filmes de princesa mostram que só são felizes depois que encontram o príncipe, e isso não muda quando crescemos. Crescemos ouvindo que “tá pronta para casar” quando cozinhamos qualquer coisa, mesmo que para nós mesmas. Recentemente, um mecânico me perguntou “você não quer ligar para o seu pai ou namorado pra ver o que eles acham?”. Então nem depois de tudo o que eu conquistei, ainda não sou suficiente sozinha?
Acho que vai além disso: somos ensinadas a ser escolhidas, o “príncipe” deve tomar a iniciativa. E para ser escolhida, precisamos ser as melhores, sem erros, perfeitas. Esse ideal alimenta a exaustão feminina: ser multitarefa, super-heroína, estar sempre bonita e arrumada.
Demorei quase 30 anos para aprender a correr. E, sinceramente, comecei porque estava incomodada com meu corpo. Porque para ser perfeita eu precisava alcançar aquele padrão que vemos em redes sociais e nas revistas (alguém lê revista ainda?).
Quantas vezes já nos cobramos por não estar com a unha feita? Ou não conseguimos ir para o escritório sem passar uma maquiagem no rosto? Quantas vezes sofremos por um erro mínimo? Mesmo sabendo de tudo isso, é muito difícil escapar dessa autocobrança.
Eu já explodi de chorar escondida por ter engolido emoções por medo de parecer grosseira. Imagina além de tudo ouvir um “nossa, você tá de TPM?”. Já vi uma colega perder a fome por culpa de chegar atrasada e outra chorar por faltar dois dias no trabalho e acreditar que “nunca seria promovida assim”. Ninguém vai lembrar, mas nos cobramos e carregamos isso para sempre.
Precisamos aprender que podemos ser, e ser independente. Não ser “a melhor” para todos, mas “melhores pra nós mesmas”. E entender que isso nem sempre vai coincidir com o padrão que nos foi imposto pela sociedade.
E se eu fosse pedir uma coisa para você que leu até aqui, é ensinar as nossas meninas, filhas, esposas, mães, amigas, colegas e a nós mesmas, que está tudo bem errar, que não precisamos ser perfeitas, que somos suficientes sozinhas antes de termos alguém (se quisermos ter alguém).
Hoje eu amo correr. Para mim, “correr como uma garota” significa fazer algo por mim. É o tempo que eu passo ouvindo a minha playlist, me cuidando e liberando endorfina que acalma a mente diante de tantas cobranças. E está tudo bem chegar suada no final. Até porque correr sem suar deve ser coisa de super-heroínas, e eu tenho achado bem mais legal ser “só” mulher.
“O feminismo é a ideia radical de que as mulheres são gente” – Marie Shear
