Como empresas atuam no social: principais resultados da Pesquisa Ação Social das Empresas
No final da década de 1990, o Ipea iniciou uma investigação a respeito da participação do setor empresarial em atividades sociais voltadas para as comunidades mais pobres. A pesquisa, denominada Ação Social das Empresas, foi a campo com o intuito de investigar a magnitude do envolvimento voluntário das empresas na área social e as características de suas intervenções. A partir deste estudo, chegou-se à conclusão de que 59% dos estabelecimentos empresariais brasileiros desenvolviam, no ano 2000, atividades sociais em benefício das comunidades, empregando recursos da ordem de R$ 6,9 bilhões .
Entre 2004 e 2006, o Ipea voltou a campo para reproduzir, com algumas inovações, a Pesquisa Ação Social das Empresas (Pase). O ineditismo segue sedo a marca da Pesquisa, uma vez que foi a primeira investigação que produziu dados comparativos no tempo para o universo das empresas brasileiras formais com um ou mais empregados, localizadas em todas as regiões do país, tanto nas capitais quanto no interior dos estados. Além da atualização dos dados produzidos em 2000, uma série de novos dados foram coletados nesta nova edição. Entre eles, destaca-se: (i) a proporção de empresas que atua por meio de parcerias e com quem essas parcerias são realizadas; (ii) as percepções dos empresários sobre seu papel no atendimento social; e (iii) a proporção de empresas que nada fazem para a comunidade, os motivos que as impedem de atuar e o que as levaria a realizar ações sociais para a comunidade.
A partir dessa nova investigação, tornou-se possível acompanhar a evolução da participação social das empresas, tanto no que se refere ao nível de envolvimento, quanto às características que marcam tal fenômeno. Inicialmente, importa destacar o crescimento na proporção de empresas que declararam realizar algum tipo de ação social comunitária. Se em 2000, 59% dos estabelecimentos atuavam nesta área, em 2004, essa percentual saltou para 69%, um crescimento de 10 pontos percentuais, que equivale a aproximadamente 140 mil novos estabelecimentos atuando no social.
A despeito de tal crescimento, o investimento financeiro não acompanhou o mesmo movimento entre 2000 e 2004. Com efeito, em 2004, o empresariado nacional destinou cerca de R$ 4,7 bilhões ao atendimento de comunidades carentes, face aos R$ 6,9 bilhões antes mencionados. Este valor, bastante expressivo em termos absolutos, corresponde a, aproximadamente, 0,27% do PIB do país para o mesmo ano. Em 2000, esta relação era de 0,43%. Essa redução nos recursos aplicados se dá, sobretudo, em função do comportamento das empresas do Sudeste que investiram 0,66% do PIB da região em 1998 e 0,34% do PIB em 2003. No entanto, cabe destacar que nas demais regiões a entrada maciça de novas empresas na área social acaba por compensar uma provável redução dos recursos aplicados por cada uma delas. Pode-se supor que a retração financeira do Sudeste, determinante para a queda de recursos ao nível nacional, seja resultado das dificuldades econômicas pelas quais o país passou em 2003, ano de estagnação da produção nacional e ano em que a pesquisa foi conduzida na região. Neste caso, apresenta-se a hipótese de que, de uma maneira geral, os recursos disponibilizados pelo setor empresarial para o combate à pobreza acompanham os movimentos da economia: quanto mais prósperos os negócios, mais verbas serão destinadas ao social e vice-versa.
Como características gerais das ações levadas a cabo pelas empresas brasileiras destaca-se: (i) o atendimento preferencial dado à criança, explicitando-se, assim, o entendimento de que este grupo é o mais vulnerável – ou no qual se poderia depositar mais esperança – e, portanto, merece mais atenção; (ii) as atividades nas áreas de alimentação e assistência, que são as prioritárias, indicado um atendimento ainda com caráter emergencial; (iii) a realização de ações sociais nas comunidades vizinhas, o que aponta para a preocupação em estabelecer uma política de boa vizinhança; (iv) as perspectivas de expansão declaradas por 43% do universo empresarial do país; (v) as motivações humanitárias para o envolvimento social e o crescimento da atuação movida por demandas de outras entidades ou de campanhas públicas; (vi) a baixa institucionalidade das atividades sociais, o que pode ser confirmado pelo fato de as empresas não formalizarem o atendimento a partir de um documento que coloque a atuação social como parte de sua estratégia; e (vii) a ainda baixa realização de parcerias para o desenvolvimento das atividades.
Conclui-se, portanto, que o envolvimento empresarial na área social trata-se, ainda, de uma contribuição predominantemente marcada pela caridade e pelo atendimento de demandas vindas das comunidades ou, em menor proporção, dos governos. A ajuda é feita por intermédio de doações a organizações que executam projetos sociais, ou mesmo, diretamente para pessoas que pedem auxílio. A atuação é informal, de caráter assistencial e personalizada na medida em que é da responsabilidade dos próprios donos ou dos dirigentes das empresas; os empregados têm sido pouco envolvidos nessas atividades. É provavelmente por estes motivos que o investimento social privado é bastante sensível ao ambiente econômico: quanto mais prósperos os negócios, mais verbas são destinadas ao social e vice versa. O retorno, em geral, é percebido no campo das gratificações pessoais e da melhoria das condições de vida das comunidades atendidas. Há um entendimento comum de que o enfretamento da questão social é tarefa, sobretudo, do poder público e de que o investimento social privado não deve substituir a ação governamental, mas atuar compensatoriamente naquelas áreas onde o atendimento governamental é entendido como insuficiente;
Os dados confirmam, pois, que o setor privado lucrativo vem ganhando cada vez mais espaço no cenário nacional no que se refere ao combate à pobreza e à miséria. Anualmente, milhares de empresas aplicam milhões, quando não bilhões, de reais na realização de atividades sociais para além de seus muros. Apesar do entendimento generalizado de que as empresas não pretendem substituir o Estado no atendimento social, na prática, ainda se observam dificuldades, tanto por parte do setor privado como do governo, na formação de parcerias público/privadas. No entanto, para que a contribuição das empresas se torne mais eficaz, é necessário caminhar na direção de uma estratégia mais integrada de enfrentamento dos problemas sociais, com definição e distribuição de responsabilidades, na qual a participação crescente do setor empresarial não signifique superposição ou paralelismo ao poder público, mas, pelo contrário, represente uma complementação efetiva de esforços. E mais: é preciso empoderar os beneficiários de modo a torná-los parte tanto da identificação dos problemas como das suas possíveis soluções. Só assim o resultado final poderá ser maior do que o somatório das partes.