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Com a cabeça no lugar e o vinho no coração

O que um produtor de vinhos mais almeja é alcançar altas pontuações do crítico americano Robert Paker Jr., o nome mais influente do mercado. Conseguir se posicionar no patamar dos 95 pontos abre portas e facilita em muito a comercialização. Chegar a 100 pontos, que significa a perfeição, é uma marca raramente conseguida. O que dizer de um vinho que a atinge duas vezes seguidas? Essa invejada distinção foi concedida às safras 2004 e 2005 do Contador, um vinho tinto da Rioja. Seu mentor, Benjamin Romeo está pela primeira vez no Brasil, atendendo convite de seu importador, a Grand Cru, Nem bem desembarcou ele concedeu esta entrevista exclusiva para o Valor, onde demonstra que reconhecimento se consegue com muito trabalho e que o sucesso não lhe subiu a cabeça. Ao contrário, ele a mantém bem no lugar e protegida com seu inseparável boné.
Rioja foi durante décadas a região da Espanha com maior prestígio internacional. Ela ganhou projeção por volta de 1860 com a inauguração das estradas de ferro que facilitaram a ligação com cidades importantes de então, como Bilbao e Madrid, e com a desgraça de duas áreas vinícolas próximas – pragas distintas atingiram os vinhedos da Galícia, e da França principalmente. A mais grave delas, e que mudou o panorama mundial, foi a filoxera que chegou à França em meados de 1860 e fez com que os franceses fossem atrás dos vinhos riojanos. A região, como toda a Europa, não ficou imune ao desastre, mas até que isso ocorresse, em 1892, seus vinhos conseguiram se firmar definitivamente dentro e fora da Espanha.
A vantagem que o passado oferece pode, no entanto, converter-se em problema, se ele vier carregado de vícios e inércia, que os faz parar no tempo e perder o espaço conquistado. É o mais claro exemplo do “faça a fama e deite-se na cama”. Nos anos 90 o cenário começou a mudar pela iniciativa de alguns novos produtores, antenados com o que se passava fora da província e seguros de que Rioja tinha potencial para produzir grandes vinhos. Benjamin Romeo é considerado o pioneiro desse movimento.
Valor: Como começou sua história?
Benjamin Romeo: Nasci em 1964 em San Vicente de la Sonsierra, na Rioja Alta (num trecho espremido por duas áreas da Rioja Alavesa), onde meu pai e meu avô sempre se dedicaram à vinha. Minha família no entanto não engarrafava. Essa atividade, e consequentemente a comercialização dos vinhos, era dominada por algumas bodegas. Não se ganhava muito dinheiro. Eu ajudava meu pai e meu avô nos vinhedos para ajudar a família. Decidi estudar enologia e fui para Madri, onde fiquei por três anos. Quando me preparava para fazer um master em Bordeaux me ofereceram para trabalhar na Artadi.
Valor: Foi lá que começou a revolução nos vinhos de Rioja. Em que ano foi?
Romeo: Entrei em 1986. Era uma cooperativa e entrei de sócio, assumindo a posição de enólogo e diretor de produção. O primeiro vinho foi o Artadi jovem, elaborado com maceração carbônica, sem muita cor, mas prazeroso. No ano seguinte é que veio o Viñas de Gain, que teve mais maceração, cor e estrutura, e estágio comedido em barrica. Em 90 nasceu o Pagos Viejos, em 91 o El Pison e em 94 o Grandes Añadas. Foi o início do novo modelo dos tintos riojanos e que várias outras bodegas seguiram.
Valor: Quando você começou seu próprio projeto?
Romeo: Comecei aos poucos, enquanto estava na Artadi. Na verdade comecei a me desencantar com meu trabalho ali porque fazíamos, na maior parte do tempo, vinhos de segunda marca, baratos, para supermercados ingleses, como Tesco e Sainsbury´s. Meu pai também estava se aposentando e alguém teria de se ocupar das vinhas dele. Em todo caso, em 1996, enquanto ainda trabalhava na cooperativa, comprei um pequeno vinhedo de vinhas velhas perto do castelo de San Vicente e comecei a fazer testes e micro-vinificação para saber até onde se poderia chegar naquela área. Continuei comprando pequenas parcelas em 96, 97, 98, 99 e 2000, sempre fazendo pequenas experiências, 5 barricas, 6 barricas. Até que tive certeza do potencial e decidi abandonar Artadi, preparando alguém para me substituir. Minha última colheita foi 2000.
Valor: O primeiro Contador foi em 1999, não?
Romeo: Sim. Fiz quatro barricas e cinco em 2000. Depois que saí de Artadi passei a me dedicar integralmente ao Contador, também às vinhas de meu pai.
Valor: Quantos hectares eram?
Romeo: Meu pai tinha 12 hectares e eu havia, aos poucos, comprado mais 3 hectares. Com eles eu elaborava o Contador, depois um segundo vinho, como fazem os bordaleses, o La Cueva del Contador, e o Viña de Andrés, que vem de uma parcela única que plantei com meu pai há 25 anos.
Valor: E os novos vinhedos?
Romeo: Hoje tenho 25 hectares e praticamente conclui a primeira parte de um projeto pessoal que se compõe de três fases. A primeira foi garantir boa matéria prima. Fiz um inventário de vinhedos que me pareciam interessantes e logo fui ver a possibilidade de adquiri-los. Alguns eu pude comprar, outros foram aos poucos porque eu posso gostar da vinha mas é preciso aguardar até o proprietário se decidir a vendê-lo. Tampouco eu poderia comprar tudo de uma vez, porque custam caro, não tenho sócios e não sou capitalista.
Valor: Você continua com a proposta de não ter sócio?
Romeo: Eu sempre tinha claro que eu queria estar sozinho. Não quero pressão que tenho de produzir mais garrafas e prestar contas a alguém. Quero ter total liberdade para fazer 100% o produto que quero fazer.
Valor: Há quanto tempo você deu por terminada esta primeira fase?
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“Se aspiras algo sério e grande de verdade tens de seguir sem nenhum tipo de pressão. Cada um tem seu preço e não posso pensar nele.”
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Romeo: Faz dois anos que comprei a última vinha, mas isso não significa que se houver uma parcela muito boa eu deixe de comprar. Vivo em San Vicente e consigo saber de vinhedos que podem vir a ficar disponíveis. É minha paixão, vivo para isso. Também o que não posso é deixar que alguém venha de Madri ou de fora e compre a vinha porque não a quero. Porém passo a passo senão se cai.
Valor: Qual é a segunda fase?
Romeo: A segunda fase foi e continua sendo criar vinhos, colocá-los no mercado e esperar a resposta. Trabalhei em 22 colheitas e durante esses anos presenciei muitos fracassos. Se aspiras algo sério e grande de verdade me parece que tens de seguir sem nenhum tipo de pressão. Eu não quero produzir mais garrafas porque tenho que ir ao banco. Tenho que ter liberdade na cabeça e clareza total para saber o que é melhor para um vinho. Cada um tem seu preço e não posso pensar nele. Tenho que me ocupar da qualidade. Em 2006, por exemplo não vai ter Contador. Todo o reconhecimento que tenho hoje aumenta minha auto-exigência. Ele estaria todo vendido, mas não vai ser comercializado. Mais do que criar um bom vinho é o respeito ao mercado, aos clientes de sempre. Não é porque tivemos 100 pontos que vamos abrir outros mercados e diminuir as quantidades dos que já são nossos parceiros. Vamos compartilhar nosso êxito com eles.
Valor: Até agora está tudo bem encaminhado. Qual é a terceira fase?
Romeo: Estas duas anteriores realmente nos deram força para desenvolver a terceira, que é a conclusão da nossa bodega. Até recentemente tudo foi produzido numa garagem de 180m², mais alguns espaços no Castelo de San Vicente, pequenos, bonitos e adequados. O vinho estava bem cuidado, sempre à mesma temperatura e umidade, mas à custa de muito trabalho, muito cuidado, esforço e falta de comodidade. Tem que ser devagar.
Valor: Quando começa a funcionar?
Romeo: Já vinificamos provisoriamente a vindima de 2007 e vamos inaugurara agora em junho. Eu não queria nada de bombástico, com grandes arquitetos, como muitos fizeram. Desenvolvi o projeto com um jovem arquiteto -era sua primeira obra – que não estivesse condicionado com tendências. Ela foi construída em terraços, tudo por gravidade e integrada na paisagem. Foram cobertas com 20 mil pés de tomilho, planta que domina a encosta. Além disso, eu quis que a integração fosse perfeita: foram deixadas algumas aberturas no edifício para que os aromas que exalam depois das chuvas que caem na primavera pudessem penetrar na parte interna. Quero que o que está dentro participe do entorno.
Valor: Qual é o segredo do Contador e o que o difere dos outros?
Romeo: Antes demais nada a matéria prima. Há vinhas em que passamos 4 vezes. A primeira, em meados de setembro, para controlar a produção e cortar os cachos que não me atraem. Isso, vale dizer, nas vinhas que não são auto reguladas. O que acontece com a maioria das vinhas velhas que temos. Em todo caso, ao final de setembro colhemos as uvas brancas, que em algumas parcelas estão mescladas com as tintas. Em outubro eu e meu pai corremos vinhedos específicos que consideramos especiais escolhendo os melhores cachos que vão para o Contador. O que resta segue para depois para o Cueva del Contador e o Predicador.
Valor: E a elaboração?
Romeo: Há enólogos que dizem que matéria prima é 90% da qualidade eu não estou muito de acordo. Devo dizer que o importante é tudo. É claro que é necessário boa matéria prima, mas é preciso arremata-la, o que é feito com uma boa prática na adega. Desde uma boa seleção, uma boa vinificação e estágio, até um bom engarrafamento. É um acúmulo de pequenos detalhes que fazem com que se consiga alcançar o diferencial. É o que procuro nos meus vinhos e no Contador em particular – depois de colhidos os cachos, há uma dupla triagem, e as melhores uvas seguem para fermentarem, parte em cubas de madeira e parte em barricas grandes de mil litros, com sistema de rotação. São o que algumas tanoarias chamam de T5, especiais, onde o carvalho, selecionado, de grão fino, fica secando ao tempo por cinco anos. A propósito, há algo que considero importante.
Valor: E o branco?
Romeo: O Que Bonito Cacareaba é um corte de uvas autóctones riojanas que, salvo a Viura, praticamente não são mais cultivadas na região, a Garnacha Blanca e a Malvasia. Elas provêm de vinhas bem velhas, com mais de cem anos. Eu queria fazer um branco diferente, mas típico da região, como, aliás, estou sempre buscando. Agora, acho também que ser original é também retornar às origens. Me criei aqui. Porque não posso tentar produzir um vinho que me foi importante, mas ao meu estilo e que seja bom?
Valor: Voltar a fazer Reservas e Gran Reservas?
Romeo: Exatamente. É um teste, fiz 15 barricas. Quero fazer um bom vinho estagiado em barricas francesas de terceiro uso. Vou deixar 2,5 anos, ou mesmo três, e mais dois anos em garrafa. Em vez de sair com vinhos jovens, frescor, como faço hoje, vou deixá-lo em condições ótimas, quando estiver maduro para ser consumido. Conservar as origens com qualidade e também fazer outras coisas. Como criador de vinhos preciso fazer sempre algo novo. Nesse caso, retornar às origens é para mim algo novo
Valor: O aquecimento global lhe preocupa?
Romeo: É uma preocupação importante com a qual me envolvo há algum tempo. Gostaria que fosse apenas um ciclo, mas não acredito que vá ser assim. E a Tempranillo é um problema, justamente por ser uma variedade muito delicada e fina. Uma virtude, porém a deixa vulnerável. Com as mudanças climáticas teremos acidez mais baixas com as quais teremos vinhos mais brandos. Não poderemos garantir longevidade. Estou, então, plantando um hectare de vinhas de Graciano, Mazuelo (chamada de cariñena em outras partes) e Garnacha, variedades locais de ciclo mais longo com acidez mais pronunciada. É minha técnica para no futuro poder equilibrar o vinho sem ter que acidificar artificialmente. Hoje o Contador tem 7% a 10% delas – o único que é 100% Tempranillo é o Viña de Andrés. Vou subir um pouco a porcentagem dessas castas sem mudar o estilo, ou mudando muito pouco, porém propondo um vinho mais equilibrado e longevo

Fonte: Valor

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