Cenário exige mudança de ação
Mercado movimenta R$ 322 bilhões em 2014 e pode crescer menos este ano. Seguradoras investem em tecnologia para conquistar clientes.
Dez anos atrás, o mercado brasileiro de seguros se resumia basicamente ao segmento de automóveis. Hoje, de acordo com as estatísticas da Superintendência de Seguros Privados (Susep) e da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), os seguros de pessoas, principalmente saúde e previdência, respondem por mais de 73% das vendas, enquanto os seguros de automóveis (incluindo o DPVAT) representam apenas 12%.
Essa mudança de perfil tem sido marcada por altas taxas de crescimento na faixa de dois dígitos bem acima da evolução do Produto Interno Bruto do país. Mesmo descontada a inflação, os indicadores são extremamente positivos: avanço de 5,3% em 2013 e de 7,1% em 2014, subtraindo-se o IGPM do período. O faturamento total de R$ 322,23 bilhões estimados para 2014 representam 12,8% de variação nominal sobre o ano anterior. As expectativas para 2015 não são as melhores devido aos efeitos da operação Lava-Jato e do ajuste fiscal anunciado em janeiro pelo governo, que está paralisando obras e investimentos públicos e privados. As projeções iniciais da CNseg, de crescimento nominal de 14,8% em 2015, estão em fase de revisão.
Os seguros voltados a pessoas devem continuar puxando o mercado, afirma Marco Antônio Rossi, presidente da CNseg. No conjunto de coberturas para indivíduos e famílias, há um destaque para os massificados como os de garantia estendida bem conhecido por quem compra móveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos. É um tipo de seguro considerado pelas seguradoras como porta de entrada para novos clientes.
Mesmo diante do cenário recessivo, Gabriel Portella, presidente da SulAmérica Seguros, acha que o impacto será mais localizado. A retração econômica afeta o mercado, mas não de forma geral e sim pontual, afirma. Se por um lado a queda no nível de emprego prejudica a venda de seguros de automóveis novos, de outro lado aumenta a venda de apólices para carros usados e as de garantia estendida que preveem indenização em caso de desemprego.
Nosso mercado está um pouco atrasado em relação à própria economia, constata o titular da Susep, Roberto Westenberg. Isso significa que há muito espaço para preencher, não apenas com a conquista de novos compradores, mas também com a oferta de novos produtos. Ele dá como exemplo o recente acordo entre a Susep e a Previc, órgão supervisor e regulador dos fundos de previdência complementar fechados, que autoriza a aquisição de cobertura de vida para compor os planos de aposentadoria e mitigar os riscos de longevidade. É um mercado gigantesco que se abre para as seguradoras de vida: são 1,1 mil planos de pensão com ativos de mais de RS 700 bilhões.
No caso da previdência aberta, os últimos dois anos têm se mostrado desafiadores. As mudanças nas regras de alongamento das carteiras em meio à inversão da curva de juros, a partir de 2013, fez com que muitas seguradoras encerrassem 2014 com captações líquidas negativas. No geral, segundo estudo da consultoria Net Quantcom, nas categorias VGBL e PGBL, as operadoras fecharam o ano com R$ 360,02 milhões no vermelho (veja reportagem na página 58).
Diante de um cenário de tantas indefinições, o nome do jogo para as companhias de seguro passou a ser a diferenciação. O quadro aponta para uma tendência cada vez mais forte: a associação por meio de joint ventures ou alianças estratégicas para conquistar novos clientes e fidelizar os antigos utilizando tecnologias emergentes.
A iniciativa mais recente partiu da Porto Seguro. Por meio de uma startup, a companhia cujo produto principal é o seguro auto, criou e está expandindo uma rede de telefonia celular, a Conecta. Em 18 meses de operação, a rede atingiu 350 mil linhas de celulares ativas considerando as corporativas e as conexões M2M, utilizadas em rastreadores e alarmes residenciais, espalhadas por São Paulo, Campinas, Santos e Rio de Janeiro.
Trata-se da primeira operadora de telefonia móvel virtual (MVNO), um sistema cujas características atendem melhor a grupos específicos e nichos de mercado e utiliza a infraestrutura de telecomunicações de uma operadora tradicional no caso, a TIM oferecendo o serviço por meio de seus próprios canais de atendimento.
A Conecta é parte da estratégia de gerar sinergia entre produtos para fídelizaçào dos clientes, afirma Tiago Galli, superintendente da Porto Seguro. O foco são os clientes do seguro auto e cartões. A ideia é oferecer produtos e serviços que tragam conveniência e facilidade a eles, aproveitando que os smartphones já acumulam funções essenciais do dia a dia, completa Galli.
A baixa penetração do seguro entre a população (apenas 6,3% do Produto Interno Bruto) leva a uma disputa pelos mesmos clientes entre as seguradoras, explica Raphael Araújo, líder da área de seguros da consultoria internacional Accenture. Trata-se de um mercado rouba-monte, no qual entre 70% e 80% dos segurados acabam trocando de seguradora na renovação, define o analista. Para ele, a iniciativa da Porto é uma resposta à necessidade de apresentar diferencial de mercado, ao focar no cliente e não no produto, porque o custo de conquistar novos clientes é cada vez mais alto, destaca.
O negócio de seguros geralmente é de baixo contato. Ao contrário dos produtos bancários, o seguro só tem renovação uma vez por ano, o que distancia os clientes. A estratégia para melhorar o índice de renovação não é nova, e consiste em aumentar o contato por meio de serviços de assistência. A novidade é a forma de oferecer a assistência: A internet das coisas amplia a capacidade das seguradoras em captar informações e devolver em benefícios aos segurados, com serviços de maior valor agregado, fugindo da commoditização, diz Raphael.
O movimento no Brasil reverbera o que acontece lá fora. Na 18 a edição de pesquisa anual da consultoria PwC junto a CEOs do setor de seguros, realizada no início deste ano, metade dos 80 executivos entrevistados em 37 países revelaram a intenção de estabelecer alianças nos próximos 12 meses. Mais de 30% deles viam essa medida como uma oportunidade de reforçar a inovação e ganhar acesso a tecnologias emergentes. Por outro lado, 64% dos entrevistados detectaram um número crescente de velhos e novos competidores no mercado.
Há uma preocupação crescente com os novos concorrentes. O Google já vende seguros de automóveis no Reino Unido e recentemente anunciou que está licenciado em 26 estados dos Estados Unidos para vender apólices em parceria com seguradoras de portes variados. Dono de uma base de bilhões de usuários de seus sistemas de buscas e e-mail, o Google é capaz de conhecer em minutos as demandas, mesmo aquelas que nem estavam muito claras na cabeça dos consumidores. Isso é uma ameaça às seguradoras, diz Araújo.
Uma das respostas está no uso maciço de tecnologia. A Bradesco Seguros, a maior do mercado brasileiro, está investindo em big data e analytics tratamento de grande volume de dados em massa para medição, coleta, análise de dados e interação. Com essas tecnologias, criou diversos aplicativos com soluções particulares como o Venda Fácil para os corretores que vendem apólices residenciais ou o Carteira Digital, que integra os cartões digitais dos segurados. Também está explorando a plataforma web para facilitar a vida de seus segurados de saúde, que podem consultar a agenda dos médicos de interesse e marcar consultas on-line até para o mesmo dia.
Roberto Barroso, presidente do grupo BB e Mapfre Seguros nas áreas de pessoas, rural e habitacional, destaca a importância da tecnologia para a estratégia de crescimento da companhia, que tem foco no seguro de vida. Só 12% da população tem seguro de vida, afirma Barroso, lembrando que existe uma resistência cultural a esse tipo de cobertura por ser associada à morte. Uma forma de vencer a barreira é oferecer assistência e benefícios em vida aos segurados. Nosso foco é ampliar a base com novos produtos e a tecnologia pesa muito nisso, diz.
O grupo BB e Mapfre tem investido em média RS 831,4 milhões por ano em tecnologia nos últimos três anos para desenvolver novos produtos e serviços. Barroso espera, com esses investimentos, reduzir o uso ainda muito intensivo do telefone no atendimento aos segurados e aumentar o de aplicativos e serviços on-line. Hoje você já pode tirar uma foto de seu carro acidentado e mandar para a seguradora, exemplifica. A tendência é aumentar o emprego de tecnologia e dados fornecidos por satélite.
O uso da tecnologia se toma mais necessário à medida que o mercado segurador brasileiro se toma cada vez mais parecido com o dos países onde o setor se desenvolveu mais não só nos industrializados, mas também nos emergentes, alguns até com mercados menores e menos diversificados que o brasileiro. A semelhança está na crescente participação dos seguros de pessoas em relação aos ramos elementares e grandes riscos.
Esse foi o caminho trilhado pela companhia de origem suíça Zurich Minas Brasil. Protagonizando um dos maiores negócios fechados no setor no país, a Zurich pagou R$ 850 milhões (cerca de US$ 350 milhões) à Via Varejo pela exclusividade na distribuição de seguros de garantia estendida nas mil lojas das Casas Bahia e Ponto Frio. Na ocasião do acordo, em outubro de 2014, Mike Kerner, CEO do grupo Zurich Insurance, justificou o investimento pelo fato de que o consumo de massa no Brasil representaria uma parte importante da proposta da seguradora na América Latina.
Lava-Jato não deve trazer risco sistêmico
Os contratos preveem exdusões em caso de fraude e corrupção
Os efeitos da operação Lava-Jato sobre o mercado de seguros são limitados pelo próprio tamanho do mercado brasileiro. É o que pensa o titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Roberto Westenberg. Ele acha que haverá um impacto maior sobre o mercado de resseguros e. ainda assim, não vê motivo de preocupação com eventuais estresses financeiros ou com riscos sistêmicos. Além disso, o mercado de seguros sofrerá pouco com o evento policial e mais com a retração econômica. Nosso mercado é menor que o do Chile, ainda temos muito espaço para ser preenchido.
Para Westenberg. as seguradoras de garantia que mantêm contratos com as empreiteiras envolvidas na Lava-Jato estão blindadas, porque os contratos preveem exclusões quando os sinistros são provocados por fraude e corrupção. Na verdade, destaca ele, o seguro garantia que é tão difundido nos países onde o mercado segurador é mais forte, no Brasil nunca chegou a proliferar, por diversos motivos, mas principalmente porque não garantem efetivamente a conclusão das obras. No ano passado, o faturamento de R$ 1.5 bilhão em prêmios representou apenas 9,3% das vendas totais no setor. Acredito que a Lava-Jato vai fazer com que o papel das seguradoras seja mais cobrado no sentido de oferecer condições para a conclusão de obras. Segundo ele. a Susep está revisando a regulamentação do produto para torná-lo mais adequado às grandes obras.
A SulAmérica Seguros contratou uma instituição financeira para avaliar a carteira de grandes riscos e aguarda a conclusão do trabalho para possivelmente vendê-la para outra seguradora. Gabriel Portella, presidente da companhia, afirma que a carteira gera R$400 milhões em prêmios e seus produtos mais fortes são transportese residencial. Segundo ele, o negócio não está mais no foco da SulAmérica, que se posicionou como uma seguradora multilinha, voltada ao varejo e ao middle market. Nosso maior objetivo é tirar proveito desse modelo multilinha. diz Portella. Com 2.7 milhões de segurados, a empresa é a terceira maior seguradora do Brasil. A saída da SulAmérica dos grandes riscos segue outras importantes seguradoras como a Itaú Seguros, que vendeu sua carteira para a americana ACE. O segmento de grandes riscos está passando pior uma r eorganização, avalia o advogado João Marcelo Máximo dos Santos, ex-diretor da Susep. hoje sócio do escritório Santos Beviláqua.
O movimento de reorganização, na visão de Santos, deve levar os grandes grupos à especialização em macrossegmentos como o varejo e o resseguro, e os pequenos ao foco em nichos bem específicos. Um relatório da Swiss Re. divulgado em maio, mostra uma recuperação no movimento de fusões e aquisições no setor de seguros desde a crise financeira de 2008/2009. No ano passado, foram feitos 489 negócios, comparado a 674 em 2007.
Período de baixa na rentabilidade
Movimento global de fusões e aquisições tem se intensificado
Além das questões internas, as resseguradoras que atuam no Brasil sofrem influência do cenário internacional. Considerado um dos mais globalizados do mundo, o setor passa historicamente por ciclos de alta ou baixa capacidade, também conhecido como soft e hard, respectivamente. Esses movimentos se refletem na oferta de capital, maior nas fases soft. menor nas fases hard. O atual é um ciclo de alta capacidade e baixas cotações, que acabam por reduzir a rentabilidade, principalmente das gigantes do setor.
A situação pode se inverter se algum evento deslocar investimentos voláteis das empresas de resseguros ou ocorrer um repentino e gigantesco desembolso para indenizações. No primeiro caso. se o banco central dos Estados Unidos, o FED, elevar a taxa básica do país, muitos investidores internacionais poderão rapidamente mover suas aplicações para títulos do tesouro americano e reduzir drasticamente a oferta decapitai. No segundo caso. se ocorrer uma grande catástrofe natural o que não é o caso do terremoto do Nepal. onde. apesar dos danos elevados. há poucas pessoas e patrimônios cobertos por seguro.
Na ausência de fatos relevantes e com a rentabilidade em baixa, negociações para fusões e aquisições no setor tem se intensificado no mercado internacional, com algum reflexo no Brasil. Este ano, a gigante XL adquiriu o controle da Catlin, uma corretora pertencente ao sindicato Lloyds de Londres. Outro negócio importante na área foi a compra da Platinum pela Renaissance e da Axis Capital Holding pela Partner Re. No Brasil, a Travelers. ligada ao Citibank. ampliou sua participação no controle da seguradora de riscos patrimoniais JMalucelli, enquanto a Swiss Re adquiriu participação minoritária na SulAmérica Seguros.
Fonte: Valor