Brasileiros à frente da América Latina
São Paulo, 13 de Abril de 2006 – Executivos sentem na pele as diferenças de costumes, e que o portunhol não serve com “los hermanos”. Os brasileiros assumem, cada vez com mais freqüência, cargos nos quais passam a ser responsáveis, não apenas por suas áreas no Brasil, mas também na América Latina. A princípio, lidar com los hermanos parece não ser tarefa muito complicada, afinal, somos todos latinos. Mas a realidade não é bem essa. Na prática, a comunicação não é tão simples e é necessário, sim, a fluência do id ioma. Os famosos mal-entendidos causados pelo “portunhol” de fato acontecem.
Além disso, em países como o México, os chefes estrangeiros não são tão bem recebidos assim e as mulheres, muito menos. “A cultura organizacional, assim como a local, é machista e hierarquizada”, diz Martha Cavalheiro, hoje vice-presidente de marketing da 20th Century FOX para a América Latina. Há dois anos, ela foi promovida e seguiu para o México com a missão de assumir a diretoria de marketing da região. Pela frente, ela tinha um chefe e uma equipe mexicanos.
“Aprendi na marra. Não fui em nenhum momento preparada. Até então, não tinha a mínima idéia de que poderia assumir a região”, conta Martha. “Tive que fazer uma imersão total na cultura de todo o território que estaria sob minha responsabilidade”. Logo de cara, antes mesmo de se mudar para o México, onde ficaria sediada, viajou para dois outros países. E já pôde perceber que cada país tem mercado e culturas absolutamente diferentes.
Ao chegar ao seu novo local de trabalho, a primeira dificuldade que enfrentou foi o idioma. “Não falava nada de espanhol. Por isso, preferi estabelecer um diálogo em inglês”, lembra Martha, que arriscava-se apenas no buenos dias e buenas tardes. “A gente acha que a comunicação em “portunhol” é possível, mas o fato é que, para nós brasileiros, é muito mais fácil entender o espanhol do que é para eles entender o português.”
Em seis meses, a executiva deixou de considerar o idioma uma dificuldade. A companhia contratou um professor que dava aulas para ela duas vezes por semana. O curso durou um ano. “Mas logo no começo eu senti que já estava lidando bem com a língua, por causa da proximidade”, diz. “Mesmo que eu respondesse em inglês, pedia que falassem comigo em espanhol.”
Apesar de ter o cuidado de falar em inglês enquanto não dominava o idioma, ela confessa que houve muito mal-entendido na comunicação. Situações engraçadas e constrangedoras como usar a palavra embarazada, sem saber que não tem o mesmo significado que em português e acabar dizendo, equivocadamente, que alguém está grávida, acontecem, às vezes, até hoje, segundo Martha.
“A América Latina prega a armadilha de dar a impressão de que não é necessário se preparar para o relacionamento com os países da região”, afirmam Andréa Fuks Ribeiro e Vivian Teixeira Leite, sócias da Going Global, especializada em treinamentos interculturais. “Os brasileiros pensam que a cultura é muito parecida e por isso não precisam se preparar para enfrentar o choque cultural”, concluem.
De acordo com elas, além da comunicação, os executivos enfrentam outras barreiras para exercer a liderança. “Existe resistência em aceitar um chefe estrangeiro”, dizem. “Além disso, sempre surge um melindre decorrente da escolha de um brasileiro para liderá-los. É natural se perguntarem por que não escolheram um executivo local.”
“No México, mais do que em outros lugares da região, há uma grande resistência em receber estrangeiros”, con firma Martha. Ela explica que isso acontece porque o país tem recebido muitos profissionais de outras regiões, principalmente argentinos, que se mudam para fugir da crise econômica. “A gente vê que os mexicanos se sentem muito ameaçados. Isso é percebido em reuniões.”
Marta lembra que foi hostilizada em algumas ocasiões. “Mas como estava com meu emprego garantido e em uma posição privilegiada, não fui muito prejudicada”, diz. A executiva superou a resistência da equipe com uma postura firme e, ao mesmo tempo, humilde. “Acho que esse é o segredo. Entender o mercado antes de fazer qualquer coisa. Os locais sabem muito melhor o que está acontecendo.”
Além de enfrentar resistências decorrentes de sua condição de estrangeira, ainda teve que passar por situações em que chegou a ser ignorada por ser mulher. “Achamos que o Brasil é machista, mas lá sim realmente é assim”, diz Martha. Segundo ela, era muito freqüente estar com outros executivos da empresa em uma reunião com fornecedores , que faziam sua apresentação sem se dirigir a ela, mas apenas aos homens. “O engraçado é que no final, o presidente dizia: essa aqui é a Martha, a diretora de marketing. Ela é quem vai escolher o fornecedor.”
Apesar disso, o fato de ter cargo de chefia a privilegiava. “A mesmo tempo em que são muito machistas, vivem em uma sociedade na qual a hierarquia é supermarcada. Então, era respeitada porque era diretora”, afirma. Ela dá um exemplo de como o respeito à hierarquia se reproduz nas relações cotidianas. “De jeito nenhum uma empregada doméstica vai te chamar de tu (você), mas sim de usted (senhor).
Hoje, ela está mais do que acostumada com as peculiaridades da América Latina, mas diz que precisou de sangue-frio para se acostumar com situações como as que passou despercebida por conta de ser mulher. E, para quem tem a mesma missão pela frente, ela recomenda: “Pode parecer clichê, mas funciona: pense globalmente e aja localmente.”
Fonte: Gazeta Mercantil