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As lições de Santa Maria

A trágica madrugada de domingo no Rio Grande do Sul expõe de modo sinistro o quanto ainda é preciso avançar na detecção e no enfrentamento dos riscos – antes que o pior aconteça.
A tragédia que vitimou mais de duas centenas de vidas na boate Kiss, em Santa Maria (RS), é um retrato da negligência de parte dos empresários brasileiros com gerenciamento de risco. De acordo com uma pesquisa feita pela consultoria KPMG com as cem maiores companhias do país, 56% afirmaram que não existe um departamento específico para antecipar possíveis crises. E muito dessa postura pode ser explicada pelo fato de que gestores pensam que investimentos em segurança encareceriam muito o serviço prestado aos clientes.
Essa interpretação, porém, merece reparos. Ao investir recursos em equipamentos de segurança contra incêndios ou mesmo tecnologia mais avançada, o empresário pode obter da seguradora até 40% de redução em uma apólice:
– Claro que, dependendo do porte da empresa, é muito difícil aportar recursos por causa de um baixo faturamento mensal, esclarece Bruno Kelly, professor da Escola Nacional de Seguros e especialista em gerenciamento de riscos.
Bruno adverte que apenas contratar o seguro – prática mais comum, entre as empresas – não é o suficiente. Contratar um profissional especializado, por exemplo, seria um passo à frente para mitigar os riscos:
– Por aqui se acha que ter seguro resolve tudo, mas o gestor não leva em conta que, além do dano de imagem que um incêndio possa causar, ainda tem a perda de mercado natural que seguradora nenhuma cobre e pode sofrer impactos que têm uma dimensão enorme para o negócio, aponta Kelly que também é sócio-diretor da consultoria carioca Correcta.
Por vezes, o custo adicional de um equipamento mais seguro não é tão grande assim. Segundo cálculos de Bruno Kelly, uma espuma que retardasse o processo de incêndio, por exemplo, custaria algo em torno de 150% a mais que o modelo comum.
Na visão de Valeska Flores Agostini, promotora de Justiça da 3ª Promotoria Criminal de Santa Maria, que está acompanhando as investigações do caso, o Ministério Público ainda é considerado um algoz na sociedade:
– “Há resistência do setor privado em cumprir determinações legais para dar maior segurança aos locais como aqueles onde ocorreu o incidente. Os empresários argumentam que o maior custo pode gerar desemprego”, conta Valeska.
A promotora entende ainda que é necessário fazer com que as leis municipais estabeleçam e façam cumprir normas mínimas de segurança em bares, boates e restaurantes. Entre elas, portas de emergência separadas do hall de entrada, isolantes acústicos não-inflamáveis e treinamento para funcionários evitarem o pânico.
Outra importante mudança que será sugerida pelo Ministério Público do Rio Grande do sul será a inclusão de padrões mais avançados de segurança entre as exigências contidas em leis municipais.
Hoje, as mais de 5 mil cidades brasileiras não possuem um padrão de exigência para funcionamento de casas noturnas. Se não bastasse isso, em geral, as legislações estadual e federal são abrangentes demais e por vezes excessivamente flexíveis e tolerantes, recorrendo a termos como “preferencialmente” em lugar de “obrigatoriamente”.
O MP gaúcho pretende, assim, dar uma unificação mínima para as leis municipais. Depois de feito esse trabalho, o órgão pretende divulgar as sugestões para os Ministérios Públicos de todos os Estados e também formalizar uma lei que seja encaminhada para o Congresso Nacional. A notícia anima o consultor Bruno Kelly.
Segundo ele, hoje é comum que filiais de empresas pelo país tenham que seguir diferentes normas de segurança, conforme a legislação em vigor em cada município:
– O ideal é ter essa padronização. Porém, não adianta estabelecer tal parâmetro se a fiscalização falhar. No caso de Santa Maria, por exemplo, alguém deve ter dado um cochilo- , cobra Bruno.
Ainda que discordem desse detalhe, ambos concordam que o Brasil já avançou muito na gestão de risco, mas ainda está atrasado em relação a outros países:
– “O problema maior é que a gente vê as tragédias se repetirem e não aprendemos com os erros”, critica Kelly recordando fato similar ocorrido há uma década em Rhode Island, nos Estados Unidos, onde 100 pessoas morreram depois que o revestimento acústico altamente inflamável pegou fogo durante um show pirotécnico de uma banda de rock.

Fonte: CQCS

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