As empresas ainda não entendem os jovens talentos
Você poderia dizer na China ou nos Estados Unidos, devido ao seu alto grau de desenvolvimento e à necessidade em se ter profissionais de alta performance nas empresas. Mas acertou se respondeu Brasil. Por aqui, liderar equipes, ser focado em resultados e no cliente, empreender, inovar, desenvolver outras pessoas são apenas alguns dos pré-requisitos para a seleção de estagiários e trainees. Com tantas exigências, a seleção parece pular um nível – passa para média gerência, que é outro departamento- e superestima a capacidade realizadora de pessoas tão jovens e ainda em processo de formação profissional.
Esse é o resultado de um levantamento feito pelo grupo Foco com aproximadamente 30 grandes empresas e mais de mil jovens em todo o Brasil. Ele só confirma o que vemos na prática de nosso dia-a-dia selecionando jovens para as maiores e melhores empresas do mercado: o estagiário ou o trainee precisa ser encarado como iniciante. A própria definição dessas duas funções diz tudo. Lidando com um sem número de organizações com grandes anseios- e jovens idem- notamos claramente que há um abismo entre o que um procura e o que o outro realmente tem a oferecer. As empresas querem um profissional pronto para exercer funções complexas. Os jovens, no entanto, ainda não alcançaram esse grau de maturidade. Empresas e jovens não se entendem. E se perdem, mutuamente.
Identificar talentos não é tarefa fácil, mas retê-los é muito mais difícil. É preciso conhecê-los para ficar com eles. De nada adianta o discurso do job rotation se, na prática, a organização espera resultados baseados em metas arrojadas, demonstração de liderança e resultados numéricos (e homéricos). Não se trata de um fast-food, onde e só chegar e pedir pelo combo. Essa nova geração não admite ouvir o termo “escraviário”, criado por ela mesma para identificar estágios em que entrava para cumprir carga horária e ser explorada. A geração dos chamados “nexters” espera programas bem estruturados, plano de carreira e benefícios compatíveis com seu estilo de vida. Em troca oferece comprometimento, cooperação, flexibilidade e capacidade de aprender. Parece razoável para quem está apenas começando.
A questão central é repensar os jovens e dar um novo significado ao que chamamos de potenciais. Potencial, no dicionário, é ter capacidade para o ato, aptidão para realizar. O bom e velho Aurélio não diz nada sobre “fazer tudo do jeitinho que a empresa sonha, com o menor custo e as melhores soluções possíveis”. É um mundo irreal mas que, na cabeça de muitas empresas, existe sim. Some-se a isso o fato de as universidades estarem muito distantes da realidade do mercado. Esse abismo separa ainda mais o jovem da realidade corporativa. Há que se levar isso em consideração e é papel das empresas ajudar a nova geração a se integrar ao mundo real. Mas com jeitinho.
Segundo uma outra pesquisa, realizada pelo Grupo Foco anteriormente com estagiários e trainees de todo o Brasil, 43% deles acreditam que passarão mais de seis anos na mesma empresa. É um bom indicador de que, se bem tratado, o talento fica. Contínuas oportunidades de aprendizado podem ser a chave para a retenção. Contudo, palavras como empreender e desenvolver pessoas ainda não fazem parte do vocabulário deles. Eles ainda querem ser suportados, e não o contrário.
As empresas mais buscadas por estagiários e trainees, passam a ser aquelas que têm referência no mercado. Ou seja, não precisa ser grande para atrair as melhores cabeças. A ética e a valorização profissional são fundamentais para os jovens. Apesar de 90% deles acreditarem que poderão ocupar cargos de liderança nessas empresas, somente 23% confiam que em quatro anos terão alcançado tal objetivo. Eles são otimistas, mas também, realistas. Isso sim, como gente grande.
Ainda segundo essa última pesquisa, os melhores profissionais estarão presentes em um ambiente que proporcione integração e trabalho em equipe. Sentir-se bem, fugir de regras exageradas e muita competitividade perfazem o privilégio de 81% desses jovens. O exercício não é difícil. Não custa tentar. A frase de Henry Ford pode ser inspiradora para começar: “Reunir-se é um começo, permanecer juntos é um progresso e trabalhar juntos é um sucesso”.
Fonte: Valor