Apenas 12% da malha rodoviária do país são pavimentados
Com apenas 12,3% da malha rodoviária pavimentados, e mais da metade das rodovias sob gestão pública (67,1%) em mau estado, já é consenso que há necessidade de avançar nas concessões do setor. Porém, fatores como legislação burocrática, um viés considerado ideológico dos órgãos regulatórios e até mesmo a falta de bons projetos tornam o processo lento e impõe um custo elevado para o país. No ano que vem, por exemplo, estão previstas apenas duas concessões de rodovias federais – um trecho da BR-364/365, entre Goiás e Minas Gerais, e outro da BR-101/116/290/386, no Rio Grande do Sul.
Os números da mais recente pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) apontam várias deficiências na infraestrutura das rodovias e reforçam a necessidade de buscar um modelo que possibilite mais concessões no setor. Dos 103 mil quilômetros analisados, 58,2% apresentam algum tipo de problema: 48,3% têm pavimentos ruins, 51,7%, sinalização inadequada e 77,9%, falhas na geometria da via. “O percentual de 12% de rodovias pavimentadas é muito pequeno e prejudica a competitividade do Brasil, com custo para toda a cadeia produtiva”, afirma Bruno Batista, diretor executivo da CNT.
Segundo Batista, são dois mundos distintos: “As rodovias que estão sob gestão pública são mal avaliadas, já as concedidas à iniciativa privada estão em outro patamar, com 78,7% consideradas boas ou ótimas”, afirma.
Segundo dados da CNT, a má qualidade do pavimento encarece o transporte em 25%, já o custo com acidentes só nas federais chega a R$ 11,5 bilhões. “O orçamento para investir neste ano está perto de R$ 6 bilhões, metade do custo com acidentes, o que não tem sentido. As duas concessões federais previstas para 2017 são muito pouco, principalmente lembrando que o orçamento do governo para o setor vem caindo, o que deve agravar a situação. “
As condições precárias das rodovias devem gerar um prejuízo aos transportadores de R$ 2,34 bilhões em 2016, somente pelo consumo desnecessário de mais de 700 milhões de litros de diesel, segundo a CNT. Para adequar a malha rodoviária brasileira são necessários R$ 292 bilhões.
Iniciadas em 1995, as concessões de rodovias já receberam US$ 31 bilhões em investimentos, para manutenção ou ampliação, segundo dados da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). Ao todo, são 59 concessionárias, 20 federais, 37 estaduais e 2 municipais. Para o ex-ministro dos Transportes e atual presidente da ABCR, César Borges, a pior situação é das estradas estaduais e municipais. “Nas rodovias estaduais, metade não é pavimentada, enquanto nas federais só 20% ainda não são.
Por outro lado, são poucas as federais sob gestão privada, o que mostra um espaço enorme para avançar, mas há muitas dificuldades no caminho”, diz Borges, lembrando que o orçamento para a área vem caindo ano a ano. Em 2012, o orçamento federal para as rodovias era de R$ 18,6 bilhões, recuando a R$ 9,4 bilhões no ano passado. Já o valor efetivamente gasto (executado) é ainda menor: caiu de R$ 9,4 bilhões para R$ 5,9 bilhões na mesma base de comparação. “O processo de liberação dos recursos é lento, burocrático; faltam projetos e os órgãos reguladores dificultam tudo”, reclama Borges, citando, por exemplo, a demora do Ibama em autorizar obras. “Só o Ibama concede licença ambiental, mas para isso tem de ouvir outros cinco órgãos, como Funai e Iphan”, diz.
O ex-ministro cita também desentendimentos entre órgãos como a agência reguladora do setor, a ANTT, que autoriza as obras, e o Tribunal de Contas da União (TCU), que embarga vários processos. “As concessões são longas, de 20 ou 30 anos, e no meio do caminho surgem obras não contratadas, mas necessárias, por um fluxo maior de veículos ou outro motivo. A concessionária faz a obra e depois tem dificuldade em receber; tem muita coisa parada”, afirma o presidente da ABCR. Em casos de obras que surjam durante a concessão, a lei prevê o reequilíbrio financeiro da concessão por meio do aditamento do contrato (prorrogação), aumento do pedágio ou remuneração pelo governo. “É preciso avançar nas concessões, mas para atrair a iniciativa privada é importante resolver este tipo de barreira ideológica que estigmatiza as concessões como algo danoso para os cofres públicos. A saída para as condições ruins das rodovias é investimento privado”, diz.
No governo anterior, dentro do Programa de Investimento em Logística (PIL), foi criada uma conta específica para novos investimentos em concessões existentes, com a destinação de R$ 15,3 bilhões para o reequilíbrio financeiro dos contratos. “Não teve sequência, o TCU entende diferente; tem de aprovar obra por obra, ou esperar vencer o contrato. Enquanto isto, tem muita obra parada”, observa Borges.
Para o sócio da consultoria GO Associados, Fernando Marcato, uma alternativa às concessões é a utilização de Parcerias Público Privadas (PPPs), em especial para as rodovias menos interessantes do ponto de vista econômico. “Há rodovias em que o fluxo é pequeno, insuficiente para gerar receita via pedágio que atraia a iniciativa privada, mas que precisam de investimentos”, diz, dando como exemplo uma obra na rodovia dos Tamoios (SP-99) que, embora tenha um bom fluxo de veículos, requer investimento muito alto e arriscado pelas condições geográficas. Sob gestão do Consórcio Litoral Norte – da construtora Queiroz Galvão – a principal obra é a duplicação do trecho de serra, avaliada em R$ 2,9 bilhões. “Usaram o modelo de PPP que é interessante para todos porque é uma forma de contar com investimento privado em trechos menos atrativos. É o governo que, ao longo de 20 ou 30 anos, vai garantir a remuneração do parceiro da PPP”, diz.
São Paulo, citado como exemplo por Marcato, tem um novo lote de PPPs com quatro rodovias em um total de dois mil quilômetros, em que foram feitas modificações no modelo para atrair investidores. A proposta de PPP concede um prazo de 24 meses para que o vencedor consiga um empréstimo e, caso não obtenha sucesso, possa rescindir o contrato sem prejuízos. “Há também interesse em atrair recursos de estrangeiros, com editais traduzidos, proteção contra variação cambial, prazos maiores para avaliação, enfim, tudo ajuda. É um modelo positivo que poderia ser seguido e ajudar a reduzir a má qualidade das rodovias do país”, afirma Marcato.
Fonte: Valor