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Amazônia se divide entre a BR e a ferrovia

Alberto Cesar Araujo / Folha Imagem
No mapa, a BR-319 liga Manaus a Porto Velho, mas estrada é intransitável e último ônibus passou por toda ela em 1988
O destino de uma estrada de 885 quilômetros é o mais novo debate amazônico. No mapa, a BR-319 liga Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia – mas na prática só leva de uma capital à outra quem é muito aventureiro ou muito teimoso. A maior parte da rodovia já foi vencida pelos buracos e pela floresta. O último ônibus entre as duas pontas passou em 1988. Para reverter o quadro, há dois anos o Ministério dos Transportes investe na solução tradicional e se empenha em pavimentar o trajeto. Mas nos últimos meses é um plano B, impulsionado pelo governo do Estado do Amazonas, que começa a ganhar força – trocar piche por trilhos e instalar uma ferrovia no coração da floresta. Quem defende a alternativa diz que ela cumpre a mesma função, tem a desvantagem de ser inicialmente mais cara, mas exercerá um impacto ambiental indiscutivelmente menor.
Construída pelo governo militar em 1973, em tempos em que o mote para a porção norte do País era “integrar para não entregar”, a BR-319 é uma linha que atravessa o Estado mais preservado da federação, com menos de 4% de área desmatada. São 859 km no Amazonas e 26 km em Rondônia, num trecho asfaltado próximo a Porto Velho e já bastante utilizado.
De manutenção cara, a BR-319 virou um bicho híbrido. Tem as pontas próximas às capitais em melhor estado, mas o trecho central, com mais de 400 km no meio da floresta, praticamente abandonado. Em 2006, no pico da seca, uma equipe de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o INPA, levou quatro dias para percorrer os 600 quilômetros entre Humaitá e Manaus. Transitando com veículo de tração nas quatro rodas, atolaram cinco vezes. “Muita gente quer a estrada”, reconhece Virgilio Viana, o primeiro secretário de Meio Ambiente do Estado, função que ocupou por cinco anos. “No Amazonas existe um sentimento muito forte de se estar isolado do mundo”, diz Viana, desde a semana passada secretário-executivo da Fundação Amazônia Sustentável.
O efeito benéfico deste isolamento foi preservar a Amazônia no Amazonas. “É como se a floresta tivesse uma proteção passiva, que é a sua falta de acesso”, registra o cartógrafo Britaldo Soares Filho, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “É importante frisar a cadeia de efeitos diretos que uma estrada causa. Só de falar em asfalto já se produz uma corrida ao ouro de quem quer se apossar de glebas que irão valorizar.” Segundo estudo pilotado por ele, 53 mil km2 serão desmatados no Amazonas até 2050 se a BR-319 não for pavimentada e muitas áreas de proteção ambiental forem criadas; com a pavimentação (e igual número de unidades de conservação), o desmatamento seria de 168 mil km2 no período. Isto representa a emissão de 600 milhões de toneladas de carbono no primeiro caso, e 2,1 bilhões de toneladas no segundo.
Entre o melhor e o pior cenário, o estrago também é três vezes maior na estimativa de emissão de CO2. No caso de estrada sem pavimentação e protegida por várias unidades de conservação, o desmatamento até 2050 produziria uma emissão de 1,8 bilhões de toneladas de CO2. Ela chega a 5,7 bilhões de toneladas de CO2 com a estrada asfaltada, calcula Soares Filho. Para se ter um paralelo, as cem indústrias mais poluidoras de São Paulo emitirão cerca de 1,6 bilhão de toneladas de CO2 no mesmo período, mantido o padrão atual.
A discussão sobre pavimentar ou não a BR-119 foi um impasse duro dentro do governo Lula. Para o ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, que já foi prefeito de Manaus, asfaltar a estrada é parte de sua agenda política. Na visão dos técnicos de sua pasta, como a estrada já existia, a decisão de pavimentá-la não exigia licenciamento ambiental. “Não é usual que numa estrada já construída se faça EIA-Rima”, diz Paulo Sergio Passos, secretário-executivo do Ministério dos Transportes. No entender dos técnicos do Ministério do Meio Ambiente, a estrada existia mas não era transitável e sua pavimentação mudaria, e muito, o quadro.
O embate, em fase pré-PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, durou mais de um ano. Só abrandou no final de 2006, na reunião ministerial que definiu os planos de infra-estrutura do governo. O presidente Lula arbitrou: na ponta de cima (nos arredores de Manaus) e na de baixo (proximidades de Porto Velho) a estrada existe, é utilizada e ali as eventuais obras teriam licenciamento simplificado. Mas o miolo abandonado da BR-319, que corta a floresta virgem, deveria ser tratado como obra nova. O Ministério contratou então o EIA-Rima junto à Universidade Federal do Amazonas. “Esperamos que o estudo esteja concluído em 30 de abril para entrega ao Ibama”, diz Passos.
O licenciamento foi fatiado e o Ministério dos Transportes posicionou suas máquinas. O PAC prevê R$ 700 milhões. Há três batalhões do Exército mobilizados para o asfaltamento e vários projetos de pontes – uma delas sobre o rio Madeira, próxima a Porto Velho, terá edital até maio. No horizonte de Passos, a pavimentação da BR-319 “é obra grande, com trabalho para mais de três anos.”
Diante dos tratores em campo, o Ministério do Meio Ambiente, o MMA, tratou de criar uma área de interdição. “Não existia nenhum mosaico de unidades de conservação que impedisse o desastre ambiental que uma estrada destas faria”, diz Paulo Adario, coordenador da campanha da Amazônia, do Greenpeace. O primeiro movimento foi criar uma ALAP, ou Área sob Limitação Administrativa Provisória. Durante sete meses, num polígono de mais de 15 milhões de hectares, ficaram proibidos o corte raso da floresta e a autorização de qualquer atividade que provocasse algum impacto ambiental negativo. Foram feitas consultas públicas à população e ouvidos órgãos municipais, estaduais, pesquisadores e ONGs. Deste esforço saiu o desenho de nove unidades de conservação federais e estaduais entre parques, florestas nacionais e reservas extrativistas. Serão 7,4 milhões de hectares de áreas de conservação -o que significa 1,5 vezes o tamanho do Distrito Federal. “Será o maior complexo de unidades de conservação já criado”, diz Mauro Oliveira Pires, diretor da secretaria-executiva do Ministério do Meio Ambiente. Os processos aguardam o OK da Casa Civil para serem encaminhados à Presidência da República. Na expectativa de Pires, é “questão de semanas” para que as áreas saiam do papel.

Fonte: Valor

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