Amazônia: rios de oportunidades com destino incerto
As riquezas da Amazônia, tão exaltadas mundo afora e por tanto tempo, permanecem sendo, na maior parte, uma incógnita quando se trata de viabilidade econômica. Afinal, para onde devem ser canalizados recursos e quais são as melhores oportunidades de investimento, a fim de que os 25 milhões de habitantes da região, investidores, e todos os brasileiros desfrutem um pouco mais deste enorme potencial, que vem sendo tão subutilizado?
A equação, que já era considerada complicada, ganhou recentemente uma variável a mais, que promete pesar bastante nas decisões de investimento nos próximos anos, bem como na implementação de políticas públicas que ajudem a maximizar (e acelerar) o aproveitamento dessas riquezas. Estudos recentes da seguradora Allianz com a ONG WWF apontam que, em um cenário no qual a elevação da temperatura do planeta atinja dois graus Celcius, até 2100 cerca de 70% da floresta amazônica estariam destruídos. As principais consequências da perda de vegetação seriam o aumento exponencial dos períodos de seca na região e o desaparecimento de inúmeras espécies vegetais e animais. Para muitos cientistas, no atual ritmo, restringir a elevação de temperatura a dois graus já é uma missão quase impossível.
O veterinário Fernando Vieira, embora tenha nascido na divisa dos estados de Minas Gerais com Bahia, radicou-se na região há 30 anos e atualmente exerce seu segundo mandato como prefeito de Presidente Figueiredo que, junto com Coari, são os dois únicos municípios do interior do estado do Amazonas auto-sustentáveis, graças à mineração, petróleo e gás. Ao vivenciar como poucos os dilemas amazônicos, Vieira aponta à coluna os pontos críticos para o desenvolvimento e expõe suas ideias para um profícuo aproveitamento das potencialidades regionais.
Presidente Figueiredo está a uma hora e meia de Manaus, a 107 quilômetros pela BR-174. Portal de entrada para a floresta, a cidade fica no caminho que liga o Brasil à Venezuela e Caribe, passando por Boa Vista. A estrada é boa, o que a torna privilegiada em termos de acesso – no Amazonas há 62 municípios, dos quais apenas cinco são alcançados por carro. A situação atual de Presidente Figueiredo é bem representativa da parte da Amazônia ainda pouco explorada e cuja floresta está preservada. O seu administrador costuma dizer que, se Figueiredo não der certo, nenhuma outra cidade do interior do Amazonas dará.
Não é só a fácil acessibilidade, entretanto, que elege a cidade das cachoeiras, como é conhecida, à categoria de símbolo na empreitada por transformar em dinheiro os superlativos comumente aplicados à região. A começar pela água abundante, que além de saborosa, é considerada uma das mais puras e de melhor qualidade de todo o planeta. A água já é, relativamente, a commodity mais cara do mercado. Considerando-se os baixos custos de produção de um litro de água quando comparados, por exemplo, aos da exploração de petróleo e aos de sua posterior transformação em combustível, verifica-se que o litro de água mineral já é bem mais valorizado do que o da gasolina. A tendência é que esta disparidade de precificação se acentue nos próximos anos. Pois bem, alguém que nunca esteve na cidade já provou a água de Presidente Figueiredo? Vieira conta que existem projetos vultosos para o seu engarrafamento e exploração comercial, inclusive de uma multinacional.
A iniciativa colocou em foco um dos maiores entraves ao crescimento do interior do Amazonas, na sua opinião: a competição com a Zona Franca de Manaus. A área de benefícios fiscais da capital, segundo o prefeito, é a grande responsável pelo estado manter 95% de sua floresta preservada. Para ele, se o pólo industrial não existisse, outros meios de sobrevivência inevitavelmente teriam sido procurados e a floresta não teria escapado. A safra de soja brasileira no ano passado foi recorde e gerou US$ 28 bilhões, em 21 milhões de hectares de terra plantada. A Zona Franca de Manaus, no mesmo período, compreendida numa área de 10 mil quilômetros quadrados (um milhão de hectares), produziu um PIB de US$ 30 bilhões, compara.
O distrito industrial comporta atualmente quase 600 empresas que desfrutam de isenções fiscais, além de impulsionar outros negócios que orbitam ao redor das fábricas e de seus funcionários. A expansão da Zona Franca aos municípios do interior do estado é uma das principais reivindicações locais. No caso da industrialização das águas, por exemplo, na atual conjuntura, seria mais vantajoso para os empresários montar uma unidade no distrito industrial de Manaus, o que o prefeito tenta impedir. Essa logística, de qualquer modo, só seria possível em Figueiredo, justamente pela facilidade de acesso. Em municípios mais distantes, tal investimento certamente se inviabilizaria devido à dificuldade de transporte.
Neste quesito, surge uma segunda reivindicação de Vieira: o da recuperação da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho e ao sul do País. O projeto de reabertura da estrada – hoje interrompida na maior parte de sua extensão – colocou em lados opostos o Ibama, que parece contar com o respaldo do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. Fernando Vieira concorda com Minc sobre a criação de uma imensa área de preservação ao longo de toda a rodovia. Ele discorda veementemente, contudo, do argumento, para ele simplório, de que a reabertura causaria danos ambientais profundos: Temos que encontrar o caminho do meio. Se não criarmos condições e alternativas de desenvolvimento sustentáveis, aí é que a destruição se torna inevitável, já que a população tem que sobreviver de alguma forma. Ademais, se a prioridade absoluta é de se evitar danos ambientais, seria necessário, por exemplo, interromper imediatamente a exploração de petróleo, responsável maior pelos danos ao planeta. Não é tão simples assim. Uma alternativa que vem ganhando força entre ambos os lados do imbróglio é a construção de uma ferrovia em vez da rodovia. De qualquer modo, é fácil aferir que há um vasto campo para investimentos em infraestrutura na Amazônia, os quais, por si só, podem se transformar em excelentes negócios em prazos bem curtos. Existem planos para o asfaltamento e modernização de outras duas vias cruciais: a BR-163 (Cuiabá-Santarém) e a BR-230 (Transamazônica).
A bandeira de Presidente Figueiredo tenta resumir vocações econômicas do município, fundado em 1981. Nela estão ilustradas três das principais matrizes econômicas de toda a Amazônia: as atividades de mineração, produção de energia e o agronegócio. Fernando Vieira realça que a exploração do subsolo amazônico é uma vocação inquestionável, com potencial ainda imensurável e que, desde que devidamente controlado, pode ser conduzido de forma que o impacto ambiental seja minimizado. Ele lembra que o estado do Amazonas é o maior produtor de petróleo em terra (onshore) do País e acredita que ainda possa haver muito mais. Os avanços na prospecção de gás na bacia do rio Solimões prometem tornar o Brasil autossuficiente. Lembrando que, no mês passado, a consultora e prestadora de serviços High Resolution Technology & Petroleum (HRT) anunciou a criação da HRT Oil & Gas, que no futuro deverá ter ações em bolsa. Com foco na exploração de petróleo e gás na região, a empresa operará 21 blocos espalhados por uma área de 50 mil km² (cinco milhões de hectares) ao longo do Solimões.
A mina que garante a atual condição econômica privilegiada de Figueiredo fica no distrito de Pitinga e é operada pela Mineração Taboca. O estanho produzido a partir da cassiterita extraída do local responde por aproximadamente 50% da produção brasileira. Polimetálica, a Mina de Pitinga fornece também columbita, que é transformada numa liga de ferro, nióbio e tântalo. A mineradora foi vendida pela Paranapanema no ano passado a uma subsidiária da empresa peruana Minsur, terceira maior produtora de estanho do mundo, com 12% da oferta global. A lista de minerais que repousam no subsolo amazônico é extensa. Ela inclui alguns com enorme importância estratégica como bauxita e urânio.
De que forma a preservação ambiental deve ser incluída na equação desenvolvimentista é a dúvida que toma conta dos discursos e das mentes neste momento. Afinal, se independentemente da vontade do povo amazônico e brasileiro, a floresta perderá cerca de 70% de sua pujança até 2100, até que ponto valeria à pena lutar para preservá-la ou mesmo investir em atividades associadas à biodiversidade? Primeiramente, é praticamente impossível se determinar com precisão as mudanças ambientais que ocorrerão, com todas as suas nuances, assim como a velocidade em que acontecerão. Em segundo lugar, se o tempo de existência de várias espécies está se exaurindo, a hora do investimento em pesquisas está passando.
Tanto para a viabilização de uma mineração limpa em larga escala, quanto do extrativismo lucrativo e digno em áreas mais remotas; ou para o desenvolvimento do agronegócio integrado ao meio ambiente, bem como para os avanços em biotecnologia, Vieira insiste que a receita se resume a dois pontos nevrálgicos: investimento maciço em conhecimento científico e bom senso. Ele cita o exemplo da ampliação da pecuária que, no seu entender, acontece por puro desconhecimento das peculiaridades amazônicas e pelo baixo custo da terra, que alimenta a cultura milenar de exaurir o solo para depois abandoná-lo. Não faz sentido se utilizar vastidões de hectares para a produção de gado, amparando-se em sofisticadíssima e cara tecnologia genética e veterinária, quando é possível produzir proteína animal de excelente qualidade e carne nobre, a partir da criação de peixes como o pirarucu, em espaços reduzidos e sem destruição do ecossistema. O pirarucu é o boi da Amazônia e não sabemos direito nem como ele se reproduz. É uma questão também de se fazer contas, reitera.
Vieira enfatiza que, sem conhecimento, a tão decantada biodiversidade não tem valor algum: É preciso estudar essa biodiversidade a fundo para se poder agregar valor, transformando-se matéria prima em produto. É inadmissível que o Brasil tenha avançado tanto na pesquisa da soja, por exemplo, e saiba tão pouco sobre frutos como o cupuaçu ou o camu-camu, que acumula 100% mais vitamina C do que a acerola. Outra iguaria local que recebeu destaque recentemente foi o tucumã, cujo azeite parece ser mais nutritivo que o de oliva. Em Presidente Figueiredo, a empresa Jayoro produz açúcar e guaraná especialmente para a Coca Cola. A lista de oportunidades no campo do agronegócio ou da biotecnologia é de se perder de vista.
No trinômio estampado na bandeira de Figueiredo, cidade abastecida pela hidrelétrica de Balbina, a produção de energia possui papel crucial, inclusive para o crescimento e sustentabilidade de todas as demais atividades. Na maior parte da Amazônia, contudo, a matriz atual ainda é baseada no óleo diesel e na queima de madeira em termoelétricas, as carvoarias. Para Fernando Vieira, a solução óbvia reside em se criar incentivos para investimentos em pequenas hidrelétricas de baixo impacto ambiental – para o que já existe farta tecnologia – aproveitando-se o fato de (por enquanto) tratar-se da maior bacia hidrográfica do planeta. Outro vetor de crescimento sobre o qual há muita especulação e pouca ação efetiva a nível governamental é o turismo. O potencial é imenso e se a atividade não decolou como muitos esperavam até agora, a causa principal apontada por empresários do setor é a carência de infraestrutura (inclusive mão de obra) e de uma estratégia séria de desenvolvimento que abranja todas as esferas de governo.
Seja por meio do Estado ou oriundo da iniciativa privada, investimentos na Amazônia podem ser incentivados e direcionados. Benefícios fiscais, linhas de crédito especiais, mecanismos financeiros como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), ou o de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), ou outros que porventura possam ser criados, tanto no âmbito internacional quanto no nacional, são alguns tipos de instrumentos com os quais se consegue facilmente aumentar a geração de riqueza e acelerar o desenvolvimento, impondo-se padrões e prioridades. O que falta de fato é saber exatamente o que se quer, além de determinação política. A esta altura, realmente, é difícil saber.
Fonte: Jornal do Commercio