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Agenda frustrada

Com 16 milhões de pessoas desempregadas nas ruas, os Estados Unidos começaram nos últimos dias a debater a necessidade de um novo pacote de medidas para amortecer o impacto da brutal crise econômica que engolfou o país há dois anos. Todo mundo acha que Barack Obama precisa fazer alguma coisa, mas não há consenso sobre o rumo que o presidente deve tomar.
Aliados do governo no Partido Democrata sugerem programas de obras públicas, incentivos fiscais para empresas que fizerem contratações e até um imposto sobre transações financeiras para ajudar a pagar a conta. Os conservadores do Partido Republicano, que fazem oposição a Obama, acham preferível reduzir os impostos das empresas para que elas voltem a investir.
O que ninguém sabe é o que o presidente fará. Há poucos dias, Obama disse a um repórter de televisão que está preocupado com o impacto que um novo pacote teria sobre as finanças do país. Se nada for feito para conter a acelerada expansão dos gastos do governo, avisou, a perda de confiança dos investidores na economia americana levará a uma nova recessão. Para ganhar tempo, o presidente convocou um fórum de especialistas para discutir o tema na próxima semana.
Obama sabia que não teria vida fácil quando chegou à Casa Branca, em janeiro. Mas ele parecia convencido de que a crise e o entusiasmo despertado por sua eleição no ano passado haviam criado uma oportunidade única, em que ele teria condições de promover reformas ambiciosas, passar por cima das divergências que paralisaram os políticos americanos no passado e mudar radicalmente a maneira como o resto do mundo vê os Estados Unidos.
Ele estava enganado. Passados dez meses, as políticas de Obama enfrentam enormes resistências no Congresso. Seu maior obstáculo não é a desacreditada oposição republicana, mas a relutância da ala mais conservadora da bancada democrata. Promessas feitas na campanha eleitoral foram abandonadas. Aliados de primeira hora expressam frustração com as concessões que o presidente se vê forçado a fazer para governar.
As dificuldades encontradas por Obama em casa também começaram a criar problemas para sua política externa. Sem apoio suficiente para pôr de pé no Congresso um plano que reduza a contribuição dos Estados Unidos para o aquecimento global, ele suou nos últimos dias para encontrar uma maneira de corresponder às expectativas em torno da conferência internacional que discutirá o clima do planeta em duas semanas em Copenhague, na Dinamarca.
As decepções acumuladas nos primeiros meses do mandato de Obama enfraqueceram sua base de apoio popular, ampliando as dificuldades que ele encontrou em Washington. “Muitos eleitores de Obama tinham uma visão ingênua da política e realmente achavam que tudo seria diferente com sua chegada à Casa Branca”, diz o historiador Sean Wilentz, da Universidade Princeton. “Mas governar é difícil em qualquer lugar e ninguém deveria ficar surpreso com o que está acontecendo.”
O triunfo de Obama na campanha do ano passado provocou excitação em toda parte. A eleição de um negro para liderar o país mais poderoso do mundo foi saudada como uma demonstração dos progressos feitos pela sociedade americana, uma prova do vigor do seu sistema político e um sinal de que as relações dos Estados Unidos com outros países se tornariam menos conflituosas do que nos oito anos em que o ex-presidente George W. Bush governou.
Os indícios de que as coisas seriam mais difíceis do que se pensava apareceram logo. Em fevereiro, poucas semanas após a posse, o Congresso aprovou um pacote de estímulo econômico com US$ 787 bilhões em cortes de impostos e investimentos para atenuar os efeitos da recessão. Mas para alcançar essa vitória Obama teve que reduzir o tamanho do pacote e aceitar cláusulas controversas, como a que impede empresas estrangeiras de participar dos projetos financiados pelo governo.
Menos de um terço do dinheiro foi distribuído até agora. Economistas independentes do governo estimam que o pacote ajudou a criar ou preservar cerca de 1 milhão de empregos. É pouco, ao lado dos 8 milhões de pessoas que ficaram desempregadas desde o início de 2007, quando a atual recessão começou. Empresas e governos locais que receberam recursos do programa informaram ter criado ou preservado 640 mil empregos.
O pacote certamente ajudou a atenuar os efeitos da recessão. Reforçou a frágil rede de proteção social existente, estendendo a duração do seguro-desemprego e de outros benefícios. Mas muitos economistas acreditam que sua contribuição para a recuperação da atividade econômica foi reduzida. A maior parte dos recursos previstos para projetos de infra-estrutura e o desenvolvimento de fontes de energia limpa ainda não foi liberada.
A economia americana voltou a crescer no terceiro trimestre deste ano, mas o desemprego continua aumentando e os economistas acreditam que vai demorar para as empresas voltarem a contratar. Isso tem ampliado muito a insegurança das pessoas. Dois de cada três americanos dizem conhecer pelo menos uma pessoa que perdeu o emprego, segundo uma pesquisa recente do instituto GfK Roper para a agência Associated Press.
A taxa de desemprego atingiu 10,2% em outubro e é a mais elevada desde 1983. Sobe para 17,5% se a conta incluir trabalhadores que desistiram de procurar emprego ou que tiveram a carga de trabalho e o salário reduzidos por causa da recessão. “Haveria menos ansiedade se a economia estivesse melhor, mas o problema principal é que as pessoas não estão certas de que as medidas tomadas pelo governo funcionaram”, diz Scott Keeter, diretor do Centro de Pesquisas Pew.
O combate à crise levou o governo a assumir um papel mais ativo na economia do que o país parecia preparado para aceitar. Sem contar o pacote de estímulo fiscal aprovado em fevereiro, os Estados Unidos gastaram nos últimos meses centenas de bilhões de dólares para socorrer bancos em apuros, estabilizar o sistema financeiro e evitar a falência de duas das maiores empresas do país, a General Motors e a Chrysler.
O déficit nas contas do governo federal atingirá neste ano US$ 1,6 trilhão, o equivalente a 11% do produto interno bruto (PIB). As projeções oficiais sugerem que o governo continuará no vermelho por muito tempo e preveem que a dívida pública americana, que hoje representa 54% do PIB, saltará para 66% em 2012, o ano em que Obama deverá disputar a reeleição. As pesquisas mostram que isso tem gerado mais desconforto na opinião pública do que simpatia pelo governo.
A desconfiança em relação ao que Washington tem condições de fazer em circunstâncias tão difíceis aumentou. Segundo uma pesquisa divulgada em outubro pela rede de televisão NBC e por “The Wall Street Journal”, 48% dos americanos acham que o governo está tentando fazer coisas demais ao mesmo tempo e 46% acreditam que deveria fazer mais do que está fazendo. Na época em que Obama tomou posse, 40% achavam que o governo tinha passado dos limites e 51% pediam que assumisse um papel mais atuante.
O descontentamento insuflou nos últimos meses uma onda surpreendente de manifestações contra o governo, patrocinadas por grupos conservadores que há tempos não faziam tanta algazarra e acusam Obama de pôr o país na rota do socialismo. “O governo foi longe demais e agora será preciso consumir o trabalho de mais de uma geração para pagar a fatura”, protesta a microempresária Karen Hurd, 50, uma ativista que ajudou a organizar a agitação no Estado da Virgínia.
A insatisfação com o governo também ajuda a entender por que a reforma do sistema de saúde americano, que Obama definiu como a prioridade de sua agenda doméstica neste ano, encontrou tanta oposição no Congresso. Os democratas querem criar um plano de saúde administrado pelo governo para competir com as seguradoras privadas no mercado e forçá-las a reduzir os prêmios que cobram dos usuários dos planos tradicionais.
O objetivo é controlar os custos do sistema e estender sua cobertura a mais de 30 milhões de americanos que hoje não têm nenhum tipo de assistência médica garantida. Muitos especialistas têm dúvidas sobre a eficácia da iniciativa, mas a preocupação maior dos congressistas que se opõem à ideia é o seu custo. Estima-se que o projeto que está sendo considerado agora no Senado custará pelo menos US$ 848 bilhões na próxima década.
A proposta deve ser colocada em votação no plenário do Senado até o fim deste mês. Teoricamente, os democratas têm maioria suficiente para aprová-la. Mas quatro integrantes da bancada do governo já avisaram que não votarão a favor do projeto se os líderes do partido não desistirem de criar um plano de saúde público ou não aceitarem modificar substancialmente a proposta. Sem um acordo com eles, nada acontecerá.
Os democratas estão divididos porque haverá eleições para as duas casas do Congresso no próximo ano e eles temem contrariar os eleitores se ampliarem ainda mais o papel do governo na economia. Muitos integrantes da bancada do partido foram eleitos por distritos conservadores que os republicanos controlaram durante décadas. Eles ficaram assustados com a fúria exibida pelos opositores da reforma nas manifestações dos últimos meses.
“Os democratas são hoje um bloco muito mais diverso ideologicamente do que no passado”, diz William Galston, um ex-assessor da Casa Branca que colaborou com ex-presidente Bill Clinton em seu primeiro mandato e hoje trabalha na Instituição Brookings, um centro de estudos de Washington. “As contradições internas do partido estavam submersas quando eles estavam na oposição e afloraram agora, no governo.”
O mesmo tipo de preocupação travou as discussões de duas outras prioridades de Obama, o combate ao aquecimento global e o fortalecimento das normas que regulam o sistema financeiro. Os democratas querem criar um sistema de controle das emissões dos gases que contribuem para o efeito-estufa, mas a iniciativa foi barrada por aliados das indústrias que veriam seus custos operacionais explodir com a mudança. O governo quer ampliar os poderes de supervisão do Federal Reserve, o banco central americano. O democrata que lidera a discussão sobre o tema no Senado quer ver o Fed encolher.
A Câmara de Comércio, a mais poderosa associação empresarial do país, tem combatido as propostas de Obama no Congresso e lançou uma campanha nacional para promover a livre iniciativa e atacar as políticas do governo. “Eles querem acabar com os valores que criaram a cultura empreendedora neste país”, disse recentemente numa conferência patrocinada pelo grupo o presidente do Instituto da Empresa Americana, um influente centro de estudos, Arthur Brooks.
Mas os democratas também sabem fazer alianças com essa gente. Distribuidores de energia que tendem a lucrar com o plano de combate ao aquecimento global se distanciaram publicamente da Câmara de Comércio. Para eliminar um dos obstáculos que ameaçavam bloquear a reforma da saúde, Obama negociou um acordo com a indústria farmacêutica em que os democratas aceitaram pegar leve com os laboratórios em troca de promessas de reduções voluntárias nos preços dos remédios.
Obama sempre soube que administrar as expectativas criadas durante a campanha seria uma das suas tarefas mais difíceis, e nunca perde uma oportunidade de lembrar a situação difícil que herdou. “Eu não ligo de limpar a sujeira que os outros fizeram”, disse em outubro num jantar de arrecadação de fundos para o Partido Democrata. “Mas se estou ali esfregando o chão não quero alguém parado dizendo que preciso esfregar mais rápido ou não estou segurando o rodo direito. Pegue uma vassoura! Por que você não ajuda a limpar?”
Muitos democratas aceitam o pragmatismo do presidente como uma condição necessária para se manterem no poder. Mas muita gente que teria feito qualquer coisa por Obama no ano passado começou a manifestar em voz alta sua decepção. “Ele fez uma nova geração se levantar para atuar na política, mas [agora] prefere negociar acordos nos bastidores”, escreveu no início do mês o presidente do Instituto para o Futuro da América, Robert Borosage, um ativista alinhado com a ala esquerda do Partido Democrata.
Tudo indica que eles ganharão em breve outro motivo para desapontamento. Depois de meses de discussões internas, Obama deve anunciar na próxima semana o envio de dezenas de milhares de soldados para reforçar as tropas que combatem os terroristas da Al Qaeda no Afeganistão, um país conflagrado que os Estados Unidos ocuparam semanas depois dos atentados de setembro de 2001.
As pesquisas mostram que a população americana está dividida sobre o conflito e cética sobre os benefícios que poderiam ser obtidos com o envio de mais combatentes. Os democratas não querem ver o país atolado em mais uma guerra sem fim. Os republicanos acham que uma retirada agora só serviria para fortalecer o inimigo. A dificuldade de Obama será definir uma estratégia que mantenha unida a base do governo e não dê mais munição para seus críticos na oposição.

Fonte: Valor

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