Acórdão diz que as seguradoras descartam os idosos
Usando até versos de uma poesia, em idioma espanhol, – que, traduzida, lembra que “quando éramos crianças, os velhos tinham 30 de idade (…) e a morte lisa e plana não existia” – o juiz Eugênio Facchini Neto, da 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do RS confirmou sentença de procedência de uma ação de Paulo Ernesto Sperb contra a Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A.
Narrou o autor ter aderido, em 1991, a um contrato de seguro de vida em grupo com a Sul América, tendo desde então honrado religiosamente todos os prêmios devidos. Em abril de 2006, recebeu um comunicado informando a readequação das carteiras, ofertando a seguradora três opções de readequação de plano, alertando ao segurado que, caso não viesse ele a optar por uma delas, o contrato não seria renovado a partir de 30 de setembro.
A alteração das cláusulas contratuais nos moldes sugeridos pela Sul América implicaria em reajustes de 200% sobre o valor do contrato, no primeiro ano, e de até 900% no sétimo ano, além de diminuição das coberturas. Entendeu, assim, “ser abusivo o pretendido aumento”, invocando o CDC e o Estatuto do Idoso.
A Sul América ponderou que “a readequação das carteiras é regulamentada pela Susep, que editou resolução e circulares alterando as regras aplicáveis a seguros de pessoas, determinando a adaptação dos contratos”. Sustentou que “o contrato em vigor entre as partes possibilita sua não-renovação, desde que manifestada por qualquer das partes com antecedência mínima de 30 dias do término da vigência”.
Decisão do JEC da cidade de Novo Hamburgo deferiu os pedidos do autor, condenando a ré a manter o contrato com o autor, de acordo com as cláusulas originariamente avençadas.
Houve recurso da seguradora. Ao fulminá-lo, o julgado da 3ª Turma trouxe vários fundamentos:
1. Em se tratando de contrato de seguro de vida em grupo, configura-se o denominado contrato cativo de longa duração, pois apesar de ser anualmente renovável, trata-se, na verdade, de contrato ao qual o segurado adere com a perspectiva de nele permanecer, em princípio, até sua morte. Isso porque muitas vezes se contrata tal tipo de seguro quando a morte não passa de uma remota possibilidade.
2. Do ponto de vista atuarial, a composição de um grupo de segurados leva em conta todos esses fatores, de modo que as contribuições mensais daqueles que estatisticamente não morrerão durante muitos anos, será suficiente para pagar os valores devidos aqueles que estatisticamente falecerão.
3. Quando a morte de um segurado, com o passar do tempo, deixa de ser uma remota possibilidade para se tornar uma possibilidade não tão distante, tal circunstância não pode ser invocada pela seguradora para majorar os prêmios daquela faixa de segurados, uma vez que é do conjunto de segurados que se retira o numerário suficiente para fazer frente aos valores devidos em razão dos previsíveis óbitos.
4. Revela-se abusiva a pretensão da seguradora que, após receber de seu segurado os prêmios religiosamente pagos ao longo de mais de 15 anos, subitamente pretende majorar em mais de 200% o valor do prêmio pago, em razão do avançar da idade do segurado, quase que de forma a inviabilizar a manutenção do contrato.
O relator, juiz Eugênio Facchini Neto, que é uma das mais lúcidas cabeças dos Judiciário gaúcho, compara, no voto, que “a situação retratada nos autos faz lembrar o realismo do poema Pasatiempo, de Mario Benedetti” (autor uruguaio – veja nota de rodapé).
“Cuando éramos niños
los viejos tenían como treinta
un charco era un océano
la muerte lisa y llana
no existía.
Luego cuando muchachos
los viejos eran gente de cuarenta
un estanque era océano
la muerte solamente
una palabra.
Ya cuando nos casamos
los ancianos estaban en cincuenta
un lago era un océano
la muerte era la muerte
de los otros.
Ahora veteranos
ya le dimos alcance a la verdad
el océano es por fin el océano
pero la muerte empieza a ser
la nuestra.
E conclui, no voto, afirmando que “às seguradoras interessam os niños, os muchachos, até os adultos. Mas ao nos tornarmos veteranos, o interesse desaparece. E é por isso que o Direito sempre deverá estar por perto daqueles socialmente mais débeis ou economicamente mais fragilizados, para que as relações contratuais possam continuar a ser regidas não só pela lógica do lucro, como também pela ética do equilíbrio e da solidariedade valores esses que também integram nosso ordenamento jurídico e fazem parte da moderna principiologia contratual”.
O advogado Arly Rogerio Silveira dos Santos atua em nome do segurado. (Proc. nº 71001144450)
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Sobre o poeta – Mario Benedetti nasceu em Paso de los Toros (Departamento de Tacuarembó) Uruguai, em 14 de setembro de 1920. A família mudou-se para Montevidéu quando ele tinha 4 anos, cidade em que passou toda a sua vida, excluindo-se um longo exílio de 12 anos vividos na Argentina, Peru, Cuba e Espanha. Com 80 de idade, Benedetti, é autor de mais de 60 livros (romances, novelas, teatro, ensaios e poesia), traduzidos em mais de 20 idiomas, é considerado um dos grandes nomes da literatura hispânica da atualidade, com uma bagagem considerável de prêmios mas ainda muito pouco lido e traduzido entre nós. (Fonte: Jornal da Poesia).
Fonte: Espaço Vital