Acesso a capital opõe operadoras de planos e hospitais
O setor de saúde privado pode ficar manco. Enquanto operadoras de planos de saúde e laboratórios abriram capital e buscaram recursos para investir em crescimento, os hospitais têm severas limitações para trilhar o mesmo caminho e acompanhar o movimento dos demais agentes desse segmento.
Os hospitais privados estão impedidos pelo artigo 199 da Constituição Federal de terem dinheiro estrangeiro na formação de seu capital. Tal regra torna praticamente impossível, portanto, a listagem de ações na Bovespa ou a venda de uma fatia para um fundo de investimentos em participações.
Desde 2002, existe um projeto de lei no legislativo federal, de número 6482, para permitir o ingresso de capital estrangeiro em serviços de saúde de alta complexidade. No entanto, desde 2005 que não há novidades. O presidente da Frente Parlamentar da Saúde, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) disse que não há expectativa de que o assunto seja levado a plenário no curto prazo. “Não é prioridade.” Apesar disso, enfatizou a necessidade de reforma das regras. “Não faz sentido. Temos que mudar essa restrição.”
O cenário atual representa um desequilíbrio no acesso a capital dentro do setor, uma vez que operadoras de planos de saúde, seguradoras e laboratórios não enfrentam as mesmas limitações. Alexandre Di Miceli, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP), alerta que a disparidade não faz sentido. “A regra condena os hospitais a se verticalizarem também ou a perderem competitividade e eficiência.”
Desde que o mercado de capitais brasileiro passou por uma revitalização, essas companhias ligadas ao serviço de saúde obtiveram R$ 3,1 bilhões com emissões de ações na bolsa paulista.
Especialmente as operadoras de saúde estão destinando parte substancial do que conseguiram para investir em hospitais próprios. Esse é o modelo adotado, por exemplo, pela Amil e Medial. Trata-se de uma estratégia usada para reduzir custos. O presidente da Medial Saúde, Luiz Kaufmann, fez coro às críticas à Constituição. Mas enfatizou que a empresa está “completamente regular”, amparada pelas regras do setor.
Tais companhias podem utilizar-se dos recursos, inclusive estrangeiros, obtidos na bolsa por conta da legislação específica da saúde suplementar, a lei 9656, de 1998. Pela lei, essas empresas podem tanto ter capital internacional na sociedade como também atuar em toda a cadeia de atendimento. Com base nisso, a interpretação predominante é de que o dinheiro vindo de fora pode participar indiretamente de hospitais, por meio das operadoras – desde que a atividade principal continue sendo a administração de planos médicos.
Essa compreensão embasou as decisões da Amil e da Medial ao abrirem capital. Porém, a sabida limitação também contribuiu para que Edison de Godoy Bueno, controlador da Amil, separasse a maior parte dos hospitais em uma estrutura societária distinta, que não integra o negócio levado à bolsa. Recentemente, o grupo adquiriu o Hospital Nove de Julho, numa operação de R$ 311 milhões. O ativo, porém, ficou na empresa de Godoy Bueno que atua nesse ramo e que não emitiu ações, denominada Esho.
Ao verticalizarem suas estruturas, as operadoras de planos de saúde acabam exercendo forte pressão competitiva sobre os hospitais, que já têm de enfrentar a concorrência com unidades filantrópicas (isentas de tributos).
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não possui uma opinião formada sobre a questão. Por isso, o regulador optou por não comentar o assunto. Mas as primeiras queixas a respeito dessa situação começam a surgir.
O grupo São Luiz, com três unidades em São Paulo, tem ambições de tornar-se uma rede nacional e precisa para isso de R$ 700 milhões. Tal projeto é resposta ao fortalecimento das operadoras de saúde. A despeito de ter investido numa estrutura que segue os preceitos da boa governança corporativa, a rede não pode hoje ir à Bovespa e tem de buscar alternativas para obter o dinheiro que precisa. Em recente entrevista ao Valor, o presidente da rede, André Staffa, disse que espera que as restrições aos hospitais sejam eliminadas, para que possam competir em igualdade de condições.
Luiz Eduardo Gapanowicz, diretor de novos produtos e relacionamento com o mercado da rede carioca D´Or, ressalta que a situação de acesso a capital estrangeiro representa um desequilíbrio no setor. Por conta disso, a empresa, que possui laboratórios e hospitais, buscou rotas alternativas de crescimento. A estratégia principal é estabelecer parcerias com unidades de atendimento que estejam em dificuldade financeira. A D´Or entra no negócio como gestora e também fornecedora da infra-estrutura necessária para revitalizar a atividade. O grupo carioca tem três hospitais próprios e dois em construção, além de 11 parceiros.
Consultada, a Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp) informou que não tinha porta-vozes disponíveis no momento para comentar o tema.
A verticalização dos planos de saúde ganhou força recentemente com a capitalização das operadoras. Para competir nesse novo cenário, os hospitais que não são ligados a essas operadoras, por sua vez, precisam de escala para reduzir seu custo. Caso contrário, deixam de ser interessantes às operadoras como parceiros. No entanto, esbarram na ausência de recursos, tanto para construção de unidades como aquisição.
Fonte: Valor