A volta ao déficit comercial
O déficit comercial de US$ 518 milhões em janeiro marcou o segundo grande impacto da crise internacional no Brasil. O primeiro impacto, financeiro, foi sentido a partir de outubro, com um violento aperto do crédito e uma forte elevação do custo dos empréstimos à produção e ao consumo. O financiamento externo tornou-se inacessível e até a Petrobrás foi forçada a buscar dinheiro no mercado interno, onde as empresas pequenas e médias já encontravam muita dificuldade para alimentar seu capital de giro. O financiamento escasso foi o primeiro obstáculo enfrentado pelos exportadores e o Banco Central (BC) tentou remediá-lo aumentando a oferta de dólares no mercado nacional. Agora o quadro se completa. O resultado comercial já vinha piorando e em janeiro, finalmente, o Brasil gastou mais do que faturou nas trocas de mercadorias com o exterior. Desde março de 2001, pela primeira vez o saldo mensal das trocas de mercadorias com o exterior ficou no vermelho. Em fevereiro poderá haver mais um resultado negativo, segundo o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral.
Em janeiro, todas as grandes categorias de produtos – básicos, semimanufaturados e manufaturados – proporcionaram receita menor que a de um ano antes. No conjunto, a diferença foi de 22,8%, calculada pela média diária. As vendas para todos os principais mercados, com exceção da China, foram inferiores às de janeiro de 2008. O efeito só não foi pior porque o aumento do embarque de alguns produtos agrícolas compensou com sobra a redução de preços. Soja em grão (18,7%), farelo de soja (46,4%), suco de laranja (131,9%) e milho (254,9%) são exemplos de grandes aumentos das quantidades vendidas.
Mas o enfraquecimento da economia afetou diferentemente as exportações e as importações. O valor das compras foi 12,6% menor que o de janeiro de 2008. No ano passado, as importações cresceram muito mais que as exportações. Agora diminuem com velocidade muito menor. As despesas com bens de capital foram 5,4% inferiores às de um ano antes, refletindo a retração dos investimentos produtivos. As com matérias-primas e bens intermediários foram 20,7% menores, como consequência da menor produção e da menor formação de estoques (a retração industrial em dezembro é comentada na página B2).
Mas as compras de bens de consumo repetiram as de janeiro do ano passado, com crescimento de 6,9% no caso dos não-duráveis. Isso denota a preservação de certo poder de compra dos indivíduos e das famílias.
O déficit, portanto, seria muito maior, se o investimento em máquinas e equipamentos não houvesse encolhido e a contração da atividade em vários setores não houvesse diminuído a demanda de matérias-primas e bens intermediários. Esses itens compunham, em janeiro de 2008, quase três quartos do valor importado pelo País e ainda têm, apesar do quadro de retração, peso semelhante.
Na semana passada, especialistas do mercado financeiro ainda previam para 2009 um superávit comercial de US$ 14 bilhões e um déficit de US$ 25 bilhões na conta corrente do balanço de pagamentos. Este déficit resulta principalmente das contas de rendas (como juros e dividendos) e de serviços (como turismo, fretes e seguros).
O Brasil tem déficit estrutural nos itens de rendas e serviços. Precisa, por isso, de um bom resultado nas transações com mercadorias, para evitar um grande desequilíbrio na conta corrente e, portanto, uma dependência perigosa do financiamento externo, que se torna mais perigosa em tempos de crise financeira.
O governo tem hoje três opções: 1) buscar um crescimento econômico de 4%, sem ajuste mais sério, e assim abrir um rombo na conta corrente; 2) provocar uma contração mais forte para o ajuste das contas – providência desumana e desnecessária; 3) cortar seu custeio, investir e estimular investimentos em infraestrutura e encontrar meios de apoiar as exportações sem violar as normas internacionais. Com ou sem crise, o mundo precisa de alimentos e isso é uma vantagem para um grande produtor como o Brasil. Com uma política competente, haverá espaço para competir também noutros setores. Ensaios de protecionismo, como a tentativa de controle de importações da semana passada, só levarão a retaliações e a mais perdas no comércio.
Fonte: O Estado de São Paulo