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A inclusão da mulher negra no mercado securitário

A participação e a inclusão das mulheres no mercado de trabalho infelizmente são temas recorrentes e que ainda precisam contar com apoio e debates nos mais diversos ambientes de trabalho. Embora a atuação feminina no mundo corporativo venha aumentando nos últimos cinco anos, dados recentes ainda mostram que as mulheres ganham 22% a menos que homens que exercem os mesmos cargos, diferença ainda mais evidente em cargos gerenciais (38%)¹. 

Quando se analisa o tema da inclusão da mulher negra, o cenário de ausência de inclusão na força de trabalho e dificuldades enfrentadas por esse grupo é ainda maior. A interseccionalidade traz impactos relevantes, uma vez que mulheres negras enfrentam não apenas o desafio de gênero, mas é a classe que tem as piores condições de trabalho, seja em relação ao salário (um homem branco ganha mais que o dobro de uma mulher negra), subutilização da força de trabalho ou menor presença em cargos de lideranças. As dificuldades das mulheres negras, que estão presentes desde a tentativa de ingresso em uma universidade, uma vez que é o grupo com maior representatividade de analfabetismo, até a dificuldade de acompanhamento e manutenção do emprego, acabam fazendo com que as mulheres negras se tornem mais empreendedoras do que assalariadas. 

Ao unir essas estatísticas ainda assustadoras em relação à inclusão das mulheres no mercado de trabalho, nota-se que o mercado securitário, apesar de contar com relevante atuação feminina, ainda tem a contribuir de forma significativa para a não discriminação e boa utilização da força da mulher. Conforme estudos recentes², a inclusão das mulheres no mercado securitário, embora expressiva (hoje mais de 50% da força de trabalho), ainda produz efeitos importantes de desigualdade, na medida em que (i) acabaram por reduzir o salário médio praticado no mercado e (ii) contam com representação de apenas 5,5% de pessoas na liderança. Além disso, o retorno pós-maternidade ainda tem impacto relevante, sendo que 30% das mulheres saem do trabalho um ano depois. 

Em segmentos especializados, como o mercado jurídico, a situação é ainda mais extrema. Atualmente, advogados negros em escritórios grandes representam a assustadora estatística de 1% da força de trabalho, sendo que, no Judiciário, conforme dados publicados em 2018³, 1,3% dos magistrados se declarou preto e 7,6% se autodeclararam pardos. Um retrato mais detalhado desse grupo demonstra que a situação da mulher negra é ainda mais grave quando se trata de cargos públicos, uma vez que 2,3% das mulheres negras exercem cargos de procuradora ou servidora, e na magistratura federal esse número chega a apenas 5,1% dos cargos. 

Embora reiterado o debate sobre o assunto nos mais diversos ambientes de discussão especializados no segmento, as informações e estatísticas a respeito da atuação da mulher negra no mercado securitário ainda é precária. Nos últimos anos, apesar de debates e painéis destinados ao tema, ainda se sabe pouco sobre a representatividade desse público no mercado securitário. 

Evidentemente, a ausência de estatísticas e informações sobre o tema já nos revela que a atuação da mulher negra ainda é pouco explorada no segmento. Embora os números relativos à atuação de mulheres no mercado securitário venham se mostrando expressivo nos últimos anos, é de se esperar que a mulher negra ainda sofra os mesmos desafios e ausência de representatividade como ocorre em qualquer outro segmento. 

Esse problema sistêmico, evidentemente, deve estar na pauta não apenas dos principais players do mercado securitário, mas de toda e qualquer empresa. Ações afirmativas e políticas internas são necessárias para que esse cenário se altere nos próximos anos, permitindo a maior inclusão das mulheres negras no mercado securitário. O engajamento das lideranças, aliado a programas estruturados de inclusão social, é um caminho inicial para endereçamento do problema. 

A criação de programas exclusivos para formação e acompanhamento da mulher negra no mercado de trabalho pode ser um caminho inicial a ser seguido pelas empresas. A concessão de auxílio financeiro para aperfeiçoamento da formação, em conjunto com políticas que deem apoio e conforto às mulheres na gestão de problemas domésticos podem auxiliar não apenas a inclusão, mas principalmente a manutenção dessa força de trabalho. Sabe-se que a mulher negra enfrenta desafios adicionais no país, pois enfrentam cenário de ser a categoria com a menor remuneração no mercado, ao passo que muitas vezes são as únicas provedoras financeiras em suas famílias e precisam se destinar à gestão e cuidado familiar. 

No cenário atual, portanto, não é mais possível fazer vistas grossas a esse tipo de debate. É pauta urgente das empresas atuantes no ramo securitário criarem políticas institucionais que permitam a inclusão da mulher negra. O auxílio deve começar na formação acadêmica e profissional desse grupo, mas, o mais importante é criar formas e mecanismos que permitam a manutenção e ascensão na carreira. Somente com a inclusão desse assunto em pauta é que teremos, um dia, um tratamento igualitário de gênero e identidade racial no país. 

[1] Conforme dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/03/04/participacao-de-mulheres-no-mercado-de-trabalho-tem-5o-ano-de-alta-mas-remuneracao-segue-menor-que-dos-homens-diz-ibge.ghtml

[2] https://cadernosdeseguro.ens.edu.br/pdf/cad178reportagem-participacao-feminina.pdf

[2] https://www.folhape.com.br/noticias/juristas-negras-e-a-luta-por-espacos-no-mundo-do-direito/146536/

Camila Calais

Sócia no Mattos Filho Advogados, Camila aconselha e assessora clientes em questões jurídicas e regulatórias relacionadas ao setor de seguros e resseguros. Atua como coordenadora de curso na FGV e leciona na pós-graduação do curso de Direito na Escola Paulista de Direito. Atua junto a organizações que incentivam a diversidade e a inclusão e a liderança de mulheres.

Thaís Arza Monteiro

Tem forte experiência em pré-contencioso e condução de casos complexos envolvendo direito securitário, life sciences e propriedade intelectual perante os tribunais brasileiros. Representa seguradoras e resseguradoras em ações judiciais e arbitragens complexas em demandas envolvendo seguros de grandes riscos, administração pública, ressarcimento e litígios no âmbito de recuperação judicial.

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