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A ilusão da estabilidade

Poucos valores são tão apreciados no Brasil quanto aqueles encerrados na palavra estabilidade. Recorre-se ao termo amiúde, em geral para designar uma situação ou estado de coisas imóvel, constante, sólido, firme, equilibrado – ou que assim deveria ser, pois em tal condição o mundo iria melhor. Estabilidade, portanto, é algo bom. Algo desejável na vida privada das relações familiares e afetivas; e igualmente desejável na vida pública, seja na política, seja na economia, seja nas leis, seja, enfim, na administração dos diversos negócios do Estado. A noção de estabilidade, desde o latim stabilitas, percorreu os séculos com a força das idéias irresistíveis, parindo ou embalando as instituições que definem nosso mundo.

Ela está presente na própria ideia de organização social e política por meio de um Estado. Define a constância das leis, a noção de segurança jurídica. Sustenta a existência de mandatos vitalícios ou temporários, de funcionários públicos a presidentes da República. Prescreve um Estado ótimo para a economia, sem flutuações bruscas de produção, preços e empregos. Estabelece a burocracia que confere previsibilidade à administração do Estado. É inegável que o Brasil apresenta, em larga medida, características positivas da estabilidade legal, da estabilidade política e da estabilidade econômica. A estabilidade social, em face da violência que arrebenta os brasileiros cotidianamente, é duvidosa. Seja como for, diante dos imensos e diversos problemas brasileiros, impõe-se a pergunta: quão virtuosa é essa estabilidade, ou esse conjunto de estabilidades? Ou, em outras palavras, quão duradoura – quão verdadeiramente estável – é, afinal, essa estabilidade que tanto se busca?

Até junho de 2013, tudo parecia sólido – até que se desmanchou nas ruas e, não muito depois, nas delegacias e nos tribunais, a partir da Lava Jato. Os torvelinhos políticos, com um impeachment previsível e previsivelmente traumático, e econômicos, com uma recessão previsível e previsivelmente traumática, trouxeram instabilidade ao país. Agora, conforme seguimos rumo a uma eleição definida por incertezas, as estabilidades lentamente se reafirmam. A economia começa a melhorar, Michel Temer permanece como presidente e a Lava Jato definha. Há estabilidade, mas quanto ela é virtuosa e, sobretudo, duradoura?

A economia reage, mas as contas públicas prosseguem como um problema fundamental e sem solução imediata, em virtude da cada vez mais improvável aprovação de uma Reforma da Previdência que, preservando direitos constitucionais e não sendo derrubada no Supremo, reequilibre as finanças do país. Temer segue como presidente, mas a um custo de bilhões de reais em dinheiro público aos parlamentares, o que agrava ainda mais a encrenca fundamental da economia brasileira. O custo político e ético da permanência do presidente se mede também pelos cargos distribuídos aos políticos que o apoiaram – fisiologismo que está na essência dos casos de corrupção das últimas décadas, do mensalão ao petrolão. A Lava Jato perde força não somente porque, talvez, as investigações tenham chegado ao limite, mas, indubitavelmente, porque o mesmo governo agiu com sutileza para que ela perdesse os dentes. Por mais que tenham méritos e possam ser competentes, Fernando Segóvia, o novo diretor-geral da Polícia Federal, e Raquel Dodge, a nova procuradora-geral da República, chegaram aos cargos por obra do PMDB – por obra daqueles que estavam sendo intensamente investigados pela Lava Jato. O mesmo governo Temer já encerrara a força- tarefa da operação em Curitiba, meses atrás. Articulam-se medidas judiciais e legislativas para aliviar punições aos políticos acusados. Não são fatos auspiciosos.

A estabilidade que tanto se deseja, e da qual o Brasil precisa para um avançar republicano e próspero, só pode ser construída mediante a obediência mínima a princípios constitucionais e morais consagrados, inquestionáveis. Se for alicerçada na mesma argamassa tóxica e frágil de outrora, não será estável. Será a estabilidade de uma ilusão.

Fonte: Época

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