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A fragilidade dos ´consensos´ de mercado para 2017 (Artigo)

É difícil evitar uma certa sensação de “dejà vu” quando nos debruçamos sobre relatórios de perspectivas para o ano que entra. É sempre a mesma coisa: proliferam publicações com discussões sobre os possíveis cenários para economia e mercados, sempre permeadas com projeções para inflação, taxas de juros, valorização do dólar e retornos da bolsa, entre outros. Os relatórios relativos às perspectivas para 2017 mostram mais uma vez a repetição deste padrão. Aliás, da leitura destes relatórios é possível tirar alguns “consensos” sobre como seria o ano que entra.

E quais são os pontos em comum entre os analistas para o ano de 2017? No plano global, o consenso mais claro parece ser que as taxas de juros nos EUA deverão subir mais rapidamente ao longo do ano. Apesar de alguma controvérsia sobre a intensidade deste processo, a visão mais difundida é que o risco esteja do lado de um aperto monetário mais intenso do que o projetado alguns meses atrás. Mais ainda, é bastante consensual a análise de que a alta de juros nos EUA reforçaria a tese do “dólar forte”, com impactos mais negativos para países emergentes.

O raciocínio por trás deste aparente consenso sobre a trajetória dos juros nos EUA é a visão de que os estímulos fiscais anunciados pelo presidente eleito Donald Trump seriam fortes o suficiente para alterar o ritmo de crescimento da maior economia do mundo nos próximos anos. A combinação de corte de impostos de pessoas físicas e de empresas com o aumento de gastos públicos em projetos de infraestrutura seria, de acordo com esta visão, um poderoso estimulante para a economia no futuro próximo.

Assim, na medida em que a aceleração do crescimento ficasse mais nítida, só restaria ao Fed (Federal Reserve, BC dos EUA) também acelerar o ritmo de normalização dos juros. A perspectiva de crescimento mais robusto combinada com a visão de juros mais altos explicaria não só os fortes movimentos de alta do mercado acionário, do dólar e dos juros de longo prazo no mercado americano desde a eleição de Trump, como também ditaria os movimentos de mercado ao longo de 2017. Consequentemente, o aumento da atratividade dos EUA reduziria o apetite dos investidores globais por ativos de risco fora dos EUA como, por exemplo, nos países emergentes.

Esse cenário, aliás, tem sido o ponto de partida de um grande número de recomendações de investimento para 2017. O corolário para o Brasil seria uma visão mais cautelosa para os ativos de risco locais. Sem o “vento em popa” proporcionado por um ambiente global mais complacente com países emergentes, o investidor local deveria ser mais cauteloso com investimentos arriscados como ações e papéis de renda fixa longos. A incerteza sobre o cenário externo teria o potencial, segundo o “consenso” corrente, de tornar os retornos esperados para 2017 menos atrativos do que em 2016. A atitude mais recomendável seria, portanto, “jogar na defesa” e diminuir o risco da carteira no mercado local. Será isso mesmo?

Talvez não. A questão aqui é em até que ponto esses aparentes “consensos” de início de ano são um bom balizador para investimentos ao longo do ano. A resposta é: muito pouco. O ano passado foi um bom exemplo disso. O consenso no início de 2016 sugeria um ano marcado por uma clara piora no ambiente econômico e por uma deterioração adicional significante nos preços dos ativos brasileiros. Que diferença em relação ao ano que se passou! Não é difícil extrapolar erros deste tipo do consenso atual. A trajetória de juros dos EUA para este ano é um bom exemplo disso.

O mercado trabalha atualmente com uma boa chance de sucesso das propostas do governo Trump e, consequentemente, já extrapola o impacto deste cenário para preços de ativos. No entanto, existem diversos cenários possíveis em que os resultados finais seriam significativamente diferentes.

Não é certo, por exemplo, que o novo governo Trump consiga aprovar em sua integralidade as propostas de expansão fiscal feitas durante a campanha. Sem mudanças relevantes nos gastos públicos, é bem possível que a trajetória de crescimento modesto da economia americana não se altere de maneira relevante. Mais ainda, mesmo se aprovada integralmente, existem questionamentos sobre se o ritmo de crescimento atual, que tem sido determinado por uma desaceleração nítida na produtividade total dos fatores, seria alterado de maneira significativa pela expansão de gastos públicos. Sem alteração relevante nas perspectivas de crescimento da economia, por que o Fed alteraria o ritmo de normalização da política monetária americana?

Sendo este o caso, será que a tese de investimento em países emergentes ficaria tão pouco atraente como sugerem as análises atuais? Considerando-se os pontos acima, parece pertinente indagar se o mercado já não antecipou em demasia eventos ainda incertos. Neste caso, uma pequena mudança no cenário poderia significar uma grande mudança nos preços dos ativos em relação aos níveis atuais, tornando as discussões correntes sobre cenário econômico pouco relevantes para o resultado concreto de seus investimentos em 2017.

Fonte: Valor

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