A falta de sistematização das leis de seguros
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acaba de exarar a Instrução nº 459, de 17 de setembro de 2007, que “dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento vinculados exclusivamente a planos de previdência complementar ou a seguros de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência, estruturados na modalidade de contribuição variável, a que se referem os artigos 76 e seguintes da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005”.
Esta Lei nº 11.196 cuida de mais uma das inúmeras miscelâneas de legislações em que, ultimamente, são tratados os mais diversos temas jurídicos, com acentuado vigor dirigido ao sistema tributário brasileiro. A revogação de várias leis, inclusive de medidas provisórias, é palco de tratamento disseminado nos dispositivos finais da sobredita lei. Dessarte, uma vez mais, a Lei Complementar nº 195, de 26 de fevereiro de 1998, que cuida de uma sistematização formal dos textos legislativos foi, por parte do legislador, totalmente desprezada.
Como já ressaltei em outro artigo, a propósito do seguro obrigatório de veículo automotor (aumento do valor da indenização securitária), se cuida de inúmeras matérias de conteúdo diverso em um único texto de lei, enxovalhando-se o princípio doutrinário da inconstitucionalidade formal e tornando-se, destarte, cada vez mais gritante a falta de uma sistematização legal. Em síntese, hoje, a meu juízo, como nunca dantes, o legislador valendo-se de circulares, portarias, resoluções, instruções, todas elas se sobrepondo à formalidade legislativa e sem a mínima preocupação em se atentar para o diploma legal em que estas normas deveriam ser, especificamente, regulamentadas. “O número de leis impugnadas demonstra a falta de conhecimento técnico-jurídico dos legisladores brasileiros”, disse recentemente o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, em entrevista ao jornal “Correio Brasiliense”. “A corte já julgou até a inconstitucionalidade de emendas à Constituição Federal. Há um total desconhecimento e despreparo de grande parte dos legisladores. O Congresso Nacional possui mecanismos para analisar a constitucionalidade das leis, mesmo assim isso acontece”, afirmou o ministro.
Pontes de Miranda já advertia que “onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos não há regulamentos, há abuso de poder regulamentar, invasão de competência do poder legislativo”, em seu livro “Comentários à Constituição de 1946”.
Nesta instrução em comento, se definem temas correlatos à área securitária e previdenciária privada com “composição de fundos” atrelados ao mercado de capitais com expressa menção à lei que cuida dos mais variados segmentos de nossa economia.
Em sede doutrinária, registrei que há um projeto de lei – o Projeto de Lei nº 3.555, da lavra do deputado José Eduardo Cardoso – que procura sitematizar a matéria securitária, estabelecendo normas gerais em contratos de seguros privados, revogando dispositivos do Código Civil, do Código Comercial e do Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966. Este projeto, atualmente, tem um substitutivo, de autoria do deputado Ronando Dimas, mas lembrando sempre que o projeto embrionário partiu do Instituto Brasileiro do Direito do Seguro (IBDS), sob a dinâmica presidência do ilustre colega e amigo Ernesto Tzirulnik.
Em face destes argumentos, vale dizer, da imperiosa necessidade de se estabelecer um diploma mais escorreito a par de uma legislação mais compacta, levou no ano de 1958 a afirmação de um jurista português a dizer “que não se explica o empenho que muitos tratadistas põem em referir que é de boa-fé, pois todos os contratos o devem ser, na certeza de que, na prática, ambas as partes pecam contra a boa-fé. Quando se contrata, costumam dar-se todas as facilidades; quando se deve pagar, surgem todas as dificuldades” (“Princípios de Direito Marítimo”, de Azevedo Matos). E, em seguida, já advertia: “O seguro tem sido bastante descurado entre nós, embora a lei comericial tivesse representado, no seu tempo, um avanço apreciável no assunto. O projeto de um código era, porém, uma atualização necessária, mas infelizmente, ainda não está em vigor.” E como são atuais estas palavras nos dias de hoje.
Esta falta de sistematização legal, com vários diplomas esparsos, impele ao desconhecimento cada vez maior da população brasileira ao tema seguro e contrato de seguro, muito embora se queira atribuir aos contratantes, ao final e ao cabo, maior segurança nestes contratos de riscos, porém em detrimento de uma maior técnica-legislativa.
Enfim, mais um segmento vinculado ao Ministério da Fazenda estende seus tentáculos que, sob o manto de proteger às aplicações dos consumidores, criam embaraços ao conhecimento de uma área de mercado que deve transitar com mais flexibilidade sem se descuidar, data vênia, da higidez contratual em que todas as partes envolvidas estão subsumidas, quer segurados, quer participantes, quando se fala em previdência privada. Todos eles buscam maior conhecimento de seus direitos através da transparência de cláusulas insertas nestes institutos jurídicos, mas, que, em função da normatização desordenada, deixam as partes verdadeiramente confusas no conhecimento dos seus direitos. Dessarte, a hierarquia legal deve ser respeitada a par de uma sistematização de um mesmo texto que cuide de tema pertinente à espécie.
O seguro procura hoje a segurança completa, quer por parte dos consumidores, quer por parte das empresas de seguros que, no Brasil, a exemplo de outras legislações mais avançadas, não prescindem de autorização governamental para seu funcionamento. É aí que reafirmo faltar ao Brasil a necessidade de um código de seguros, ou de uma sistematização melhor elaborada e consolidada neste importante segmento de nossa economia
Fonte: Valor