A crise impõe seriedade (Editorial)
Por 296 votos a 12, a Câmara dos Deputados ignorou a profundidade da recessão enfrentada pelo país e rejeitou a receita amarga do Ministério da Fazenda para conceder ajuda aos estados em colapso financeiro. Na votação da lei de recuperação fiscal das unidades da Federação, os deputados suprimiram as exigências de desestatização, elevação da contribuição previdenciária dos servidores para 14%, redução de incentivos tributários e o congelamento dos reajustes salariais ao funcionalismo.
“Não precisamos dizer amém ao Ministério da Fazenda”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, momentos antes da votação. Ele esqueceu, no entanto, de lembrar aos parlamentares que, sem o aval do ministro Henrique Meirelles e a chancela do presidente Michel Temer, não haverá ajuda da União aos estados. Os requisitos são indispensáveis até mesmo para a suspensão por três anos do pagamento dos débitos estaduais à União.
Meirelles, ontem, declarou que os entendimentos com os governos estaduais serão caso a caso. Lembrou que a suspensão do pagamento das dívidas com o governo não é automática. Ela passará necessariamente pela avaliação crítica da equipe econômica e pela aprovação do presidente da República. Mais: advertiu que não haverá liberalidades que incentivem os estados a não fazerem o ajuste fiscal. O presidente Michel Temer avisou que sem adequação às medidas de ajuste fiscal não haverá acordo.
Faltou aos deputados um mínimo de coerência. Na semana passada, o Congresso promulgou a emenda à Constituição que impõe limites aos gastos da União por até 20 anos. O aumento das despesas não poderá superar a inflação do ano anterior. Deputados e senadores concordaram com o Executivo que esse é único caminho para o reequilíbrio fiscal e a retomada do desenvolvimento.
Em situação semelhante, ou muito pior, estão estados, nos quais os salários de funcionários da ativa e de aposentados estão atrasados ou pagos em parcelas, o que não lhes permite honrar compromissos como pagamento de contas de água, luz, telefone e compra de alimentos. O rombo dos estados tem reflexo na vida de cada cidadão, que, hoje, sofre com a falência de serviços públicos essenciais, como saúde, educação, segurança e outros. Isso sem contar com o drama de mais de 12 milhões de desempregados.
A falta de sintonia entre os Poderes apenas aumenta o descrédito no país frente a potenciais investidores nacionais e estrangeiros. Fortalece a ideia de que os parâmetros legais são flexíveis de acordo com interesses que trafegam em via oposta à da recuperação da economia. Benesses implicam custos altos, e a população, depauperada, não pode arcar com o ônus de decisões equivocadas, idênticas às que levaram o país ao fundo do poço.
Fonte: Correio Braziliense