Ouvidoria é para inglês ver ou é para valer?
Obrigatoriedade do serviço em bancos, seguradoras e, agora, planos de saúde leva a debate sobre modelo RIO – Até outubro as operadoras de planos de saúde terão de implementar ouvidorias para atender os consumidores. A Agência Nacional de Saúde (ANS), por meio da Resolução Normativa nº 323, publicada em 4 de abril, impôs a obrigatoriedade com a expectativa de reduzir os conflitos e a judicialização do setor, com a melhora da qualidade do atendimento. Em 2012, o setor ficou em 16º lugar entre os 20 mais reclamados nos Procons de todo o país, segundo o ranking do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) do Ministério da Justiça. As ouvidorias já são exigidas nas instituições financeiras pelo Banco Central (BC) e nas seguradoras pela Superintendência de Seguros Privados (Susep).
O fato de as ouvidorias serem obrigatórias, no entanto, não é um benefício em si, dizem especialistas. Para que haja ganho real para o consumidor é preciso que as empresas estejam comprometidas com a essência do funcionamento do serviço, alerta Karina Alfano, gerente de relacionamento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Segundo a especialista, isso pode ser resumido em duas principais vertentes: autonomia e acesso irrestrito à alta direção da empresa, de forma que a ouvidoria tenha posição de destaque nas organizações, permitindo que intervenha diretamente nos processos.
– É importante destacar que se não houver preocupação com o consumidor, na prática, não vai funcionar. Temos visto, por exemplo, que os prazos de resposta a demandas do consumidor têm sido diferentes para quem entra em contato com as empresas pelas redes sociais e para aqueles que utilizam os canais tradicionais de atendimento, como telefone, e-mail e carta. Isso é ilegal, não pode haver discriminação – afirma a gerente de relacionamento do Idec.
Seguradoras serviram de exemplo
A ouvidora do Procon-SP, Hilma Araújo, considera que as agências reguladoras “estão no caminho certo” ao exigir a instalação de ouvidorias. Entretanto, lembra que um dos maiores desafios para as empresas é fazer com que o consumidor compreenda o funcionamento do setor:
– As ouvidorias devem buscar dialogar com serviços de proteção ao consumidor, procurando entender o problema na raiz. Manter uma ouvidoria cria uma experiência de cidadania, e os fornecedores também melhoram. Mas o consumidor, em geral, não tem essa consciência sobre o que faz a ouvidoria e como atua o SAC. Às vezes, recorre ao setor por não conseguir um primeiro contato e não aceita, por exemplo, quando lhe é solicitado o protocolo inicial de atendimento. Mas a educação para o consumo também faz parte do papel da empresa, como mostra o Código de Defesa do Consumidor. Então, é importante que as companhias divulguem a atuação de suas ouvidorias, esclareçam como funcionam os canais de atendimento que mantém – ressalta Hilma.
Para estabelecer a nova norma, a ANS tomou como exemplo a resolução da Superintendência de Seguros Privados (Susep) que desde 2005 incentiva as seguradoras a instalarem ouvidorias e, ano passado, determinou a obrigatoriedade do serviço. O órgão regulador avalia a cada seis meses índices mínimos de eficiência e de qualidade das ouvidorias das seguradoras.
– Mais de 95% das empresas de seguro já mantêm ouvidorias há pelo menos oito anos. E os resultados são muito positivos. Ano passado, apenas 3% de um total de 46 mil solicitações de segurados se tornaram processos junto à Susep, o órgão regulador do setor – informou Maria Elena Bidino, superintendente de Relações com o Mercado da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg). Segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), as ouvidorias que já funcionam no setor representam mais que o canal de comunicação, mas uma instância em busca de melhoria dos processos, aproximando empresas e consumidores. Entusiasta do novo serviço, o diretor-executivo da entidade, José Cechin, diz que o modelo de ouvidoria das seguradoras é “tão bem-sucedido que inspirou a ANS a criar o regulamento para torná-las obrigatórias na saúde suplementar.”
Para garantir que as ouvidorias não se tornem apenas mais uma instância de atendimento das operadoras de saúde, serão exigidos relatórios anuais, estatísticos e analíticos, com os problemas relatados pelos consumidores e as soluções proposta pelas empresas, explica a ouvidora da ANS, Stael Riani:
– Esses dados ainda serão comparados aos indicadores de reclamações que temos na ANS. Como esse indicador é mensal, não será necessário esperarmos um ano para sabermos se a atuação da ouvidoria tem sido eficiente ou não. O monitoramento será permanente, assim como as orientações.
Até julho serão realizados cursos de capacitação para os novos ouvidores. Na avaliação de Stael, a principal missão das ouvidorias será minimizar conflitos e reduzir a judicialização do setor:
– Há questões de processo, como entrega de carteirinha e de boleto, que ainda chegam a ANS e que precisam ser resolvidas. Elas terão que mostrar a que vieram, o objetivo é mudança de processos – diz a responsável pela ouvidoria da ANS, que está completando este ano uma década de funcionamento. – A questão é buscar sempre a transformação.
Bancos buscam melhor comunicação
Nos próximos meses, os seis maiores bancos do país poderão dar um passo importante em direção à melhor comunicação sobre o tema. Segundo a diretora setorial da Comissão de Ouvidorias da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Salete Doniani, os números de atendimento das ouvidorias, do SACs e do atendimento transacional (que orienta sobre transações bancárias) estarão juntos em todo o material de divulgação, nos sites e nos talões de cheque e cartões bancários. A posição desses números será padronizada e seguida pelas seis instituições.
– O consumidor só vai conhecer aquilo que contarmos para ele. Muitas vezes ele prefere ir ao Procon do que buscar as ouvidorias por desconhecimento. Temos esse desafio de comunicar. Temos que deixar mais claros esses canais e explicar a função de cada um deles. Estamos fazendo esse levantamento junto aos seis maiores bancos do país. Pode parecer que não é um trabalho complexo, mas é. É apenas a pontinha do iceberg – afirma Salete.
Segundo a diretora da Febraban, que também é ouvidora do Citibank há aproximadamente duas décadas, o sistema de ouvidorias vem evoluindo. Recentemente, após o lançamento do Plano Nacional de Consumo e Cidadania (Plandec) pelo governo federal em março, a Febraban e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) têm intensificado o diálogo em busca de soluções para as queixas dos clientes do sistema bancário. Mudanças no atendimento vêm sendo discutidas com a secretaria, afirma:
– Não é mais uma relação simples (entre bancos e consumidores). Os bancos hoje talvez sejam os prestadores de serviço mais presentes na vida dos brasileiros. E isso aumenta as demandas – diz Salete, ressaltando o recém acesso a serviços bancários de uma nova classe consumidores no Brasil.
Fonte: O Globo