Previdência lucrativa
Parece indispensável estender o debate em torno da situação da Previdência Social para além dos dados alarmantes sobre deficits e risco falimentar. Os rombos nas contas da instituição deverão alcançar entre R$ 39 bilhões e R$ 40 bilhões este ano, segundo informe divulgado em 28 de março. Além dos desafios à eficiência do aparelho administrativo, chamado a lidar com estrutura que se mostra impermeável a controles confiáveis, predominam o modelo caótico da instituição e os desvios de finalidades.
Entre 1933 e 1960, cada categoria profissional de trabalhadores, tanto os da esfera pública quanto os da iniciativa privada, vinculavam-se a entes próprios encarregados de pagar aposentadorias e pensões. Constituíam-se em 11 unidades conhecidas como Iaps. Exemplos: Instituto de Pensões e Assistência dos Servidores do Estado (Ipase), Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (Iapm), Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (Iapc), Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (Iapi) e, assim, por diante).
O sistema operava sobre suporte de cálculo atuarial. Vale dizer, regime de provisão de recursos decorrente da capitalização dos prêmios de seguro arrecadados, a fim de garantir o pagamento de futuras aposentadorias e pensões. O Ipase, por exemplo, operava diversificada carteira de seguro de vida e elementares, ao mesmo tempo em que construía moradias e financiava a venda para segurados. Havia retorno razoável dos investimentos. Face à ampla distribuição das competências previdenciárias, a estrutura operacional de cada instituto ensejava fácil controle.
Mas, em 1974, com a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, eliminou-se o modelo de institutos. Na nova instância burocrática se concentrou a administração das aposentadorias e pensões de todos os trabalhadores, sem discriminação de categorias profissionais. A desastrada inovação concentracionista culminou com o advento, em 1992, do atual Ministério da Previdência Social (MPS) – um mastodonte estrutural invulnerável a qualquer tipo de controle. Então, o INSS, órgão incumbido de gerir o seguro social, logo foi engolido, como ainda hoje, pela corrupção.
Todavia, apesar da corrupção e dos enormes saques sobre seus recursos para financiar projetos sem nenhuma vinculação com o seguro social, a previdência sempre se mostrou superavitária. E, ainda hoje, o balanço de suas atividades não acusa prejuízos, como consta da litania oportunista dos governos. O que se alardeia como deficit procede do lançamento de custos de assistência social nas contas da previdência. Concederam-se aposentadorias a milhões de trabalhadores rurais acima de 60 anos que jamais haviam contribuído para o INSS, a fim de garantir-lhes condições mais dignas de sobrevivência.
É evidente que seria desumano ignorar o infortúnio de lavradores baqueados pelo exaustivo trabalho no amanho da terra. Correto, porém, seria abrigá-los em planos de assistência social próprios e com recursos definidos em lei. Mas a monumental despesa, sem respaldo de qualquer receita, foi mandada para os cofres do INSS – que não faz assistência social -, algo entre R$45 bilhões e R$50 bilhões por ano. As cifras correspondem ao abissal buraco financeiro aberto no órgão, que passou a ser preenchido por aportes do Tesouro.
Cumpre ao INSS arrecadar as somas pagas pelos segurados e, com elas, garantir-lhes o gozo de aposentadorias e pensões. Não é encargo seu cobrir dispêndios com políticas assistencialistas. A Previdência Social é lucrativa. Mas sua estabilidade contábil não se sustenta porque a obrigaram a absorver, de forma irresponsável, gastos alheios aos objetivos institucionais para os quais foi criada.
Fonte: Correio Braziliense