Uma equação deficitária
Uma população mais envelhecida significa aumento da expectativa de vida, queda nas taxas de mortalidade, mais incidência de doenças crônicas e, consequentemente, aumento da permanência em hospitais. E o Brasil, está preparado para isso?
Segundo dados do Ministério da Saúde, em todo o País há uma oferta de 443,2 mil leitos hospitalares, uma média de 2,3 unidades para cada mil habitantes, quando o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é entre 2,5 a 3 leitos para cada grupo de mil habitantes. Já um estudo do Conselho Federal de Medicina aponta que em cerca de 80% dos estados brasileiros não há número de leitos de UTI preconizado pelo Ministério da Saúde para garantir bom atendimento à população. O problema é mais grave nas redes de atendimento de alta complexidade, onde de 15% a 25% do total de leitos disponíveis deveriam ser de UTI.
Enquanto há uma escassez evidente na rede de atendimento, a população está envelhecendo e, cada vez mais, demandará serviços de saúde. Atualmente, cerca de 10% (20 milhões) é composta por pessoas com idade acima de 60 anos. Em 2025, serão 32 milhões, quando o Brasil será o sexto país do mundo em números absolutos de população idosa.
Luiza Machado, coordenadora da Área Técnica Saúde do Idoso/DAPES/MS do Ministério da Saúde, afirma que é preciso se preparar para o envelhecimento. 70% da população idosa é usuária do SUS e o Ministério da Saúde tem como marco legal a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, lançada em 2006, cujo objetivo principal é a recuperação, manutenção e promoção da autonomia, e da independência da pessoa idosa.
De acordo com estudos, enquanto 75% dos idosos têm alguma enfermidade constante, este percentual é de 9% na faixa etária de 0 a 14 anos. Portanto, eles consomem mais recursos do sistema de saúde, em consequência de internações mais frequentes. Para ofertar assistência e reduzir demandas, o governo tem criado programas de prevenção e, mais recentemente, lançou o Programa Saúde Toda Hora, que reorganiza e qualifica a rede de atenção às urgências e na área de Atenção Domiciliar. O objetivo é atender pacientes que não precisam de hospitalização, mas que têm dificuldades de locomoção ou que precisem de cuidados regulares ou intensivos, e que podem ser atendidos em casa.
Coordenadora do Grupo de Apoio ao Paciente de Longa Permanência (GRAP) do Hospital Santa Catarina, a geriatra Márcia Oka antecipa que no hospital houve um aumento de três pontos percentuais no número de internação de idosos em um período de dois anos, passando de 15% para 18% entre todas as faixas etárias atendidas. Uma constatação do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS) é que a média de permanência de idosos em hospitais é de sete dias, enquanto para jovens ela cai para dois a três dias, compara.
Além disso, comenta Márcia, hoje há uma demanda reprimida. Os hospitais estão lotados, com mais pacientes crônicos e o giro de leitos acaba sendo menor. Somente no município de São Paulo, o setor público tem 0,79 leitos para cada mil habitantes e o privado 1,23/1.000. Soma-se ao envelhecimento da população e às doenças crônicas, um impacto nos custos e na oferta de leitos. Não se consegue dar conta da demanda.
Outro ponto que ela destaca é a questão da alta. Os idosos têm uma funcionalidade menor, são portadores de doenças crônicas e muitos são dependentes. A alta tem de ser muito bem trabalhada para que não haja reinternação, que é muito traumática. Isso significa que muitas vezes é preciso que haja uma estrutura, adaptações no domicílio para recebê-lo e nem sempre a família consegue fazer isso de imediato, o que prolonga o tempo de permanência nos hospitais. Fora os casos de complicações, que também aumentam a permanência, entre outros fatores.
Com o objetivo de oferecer leitos de retaguarda hospitalar, o Hospital Geriátrico e de Convalescentes D. Pedro II, pertencente à Santa Casa de Misericórdia, recebe tanto pacientes do SUS um total de 22 no município como também da rede da Prefeitura. Com um total de 500 leitos operacionais, ele opera em sua capacidade.
Nós temos 428 internados, sendo que deste total, 76% têm idade acima de 60 anos. Os demais 24% é um grupo mais jovem, que atendíamos no passado, especifica Sueli Luciano Pires, diretora técnica do hospital, acrescentando que diariamente o D. Pedro II recebe, em média, cinco pedidos de internação, enquanto ao mês só são feitas 20.
Não conseguimos atender a demanda, pois o tempo médio de internação é de quatro anos, justamente por ser um hospital de retaguarda, de longa permanência para idosos. Consequentemente, eles permanecem no hospital de origem, ou o serviço social trabalha as famílias para serem levados para casa, ou eles acabam falecendo, especifica.
Um cenário que ela lamenta e prevê que só tende a se agravar. Um hospital de retaguarda é para desafogar os hospitais de grande porte, cujos leitos são valiosos e são ocupados por doentes crônicos que, às vezes, não têm possibilidade de cura, mas precisam de alimentação, cuidados e reabilitação, que são os nossos focos. Deixando, assim, de dar lugar a quem precisa de uma cirurgia. E isso vai agravar com o envelhecimento da população, prevê.
A Home Doctor atende pacientes de diferentes idades e patologias, desde crianças recém-nascidas e até mesmo prematuras, passando por adultos até pessoas idosas com mais de 60 anos. O público idoso, com mais de 61 anos representa 64% dos nossos pacientes e não estamos notando um aumento especificamente do público idoso na nossa carteira, mais sim de pacientes em geral para a modalidade de atenção domiciliar, antecipa Ari Bolonhezi, sócio-diretor da Home Doctor.
À medida que a população envelhece, a prevalência das doenças crônicas e degenerativas aumenta, levando ao crescimento da demanda por cuidados com a saúde, não só porque mais pessoas adoecem, mas porque as doenças não são curáveis e exigem atenção continuada e por mais tempo. À medida que isso ocorre, precisamos de um sistema que promova a otimização dos recursos financeiros, tecnológicos e humanos para, desta forma, ampliar o atendimento. A transferência de pacientes para a atenção domiciliar torna-se fundamental e possibilita, além da otimização dos recursos, a personalização e humanização do atendimento o que melhora a qualidade de vida dos usuários, avalia Bolonhezi.
Em atenção domiciliar, atualmente são 2 mil pacientes atendidos pela Home Doctor. Deste total, cerca de 500 são de internação domiciliar, ou seja, casos mais complexos em que o paciente estaria ocupando um leito hospitalar, se não estivesse em casa, e média de permanência de pacientes em internação domiciliar é de 29 dias. Vale ressaltar que existem pacientes sem prognóstico de alta, como são os casos de ventilação mecânica invasiva, pacientes esses que estariam num hospital, explica.
Prevenção também é para ele o melhor caminho para reduzir custos com a saúde. Pesquisas recentes mostram que conhecer detalhadamente os usuários de uma carteira e adotar medidas de prevenção customizadas pode reduzir em até 46% o gasto com o tratamento médico desta população, além de promover sensível melhoria na qualidade de vida, conclui.
Fonte: Revista Cobertura