Executivos propõem ações contra seguradoras em apólices de D&O
Uma nova demanda por serviços jurídicos, nascida da crise econômica, provoca o surgimento de mais uma área de contencioso nos escritórios de advocacia. Empresas cujos executivos são acusados de má gestão em processos judiciais impetrados por acionistas estão cobrando – em alguns casos na Justiça – as seguradoras com as quais fecharam contratos de seguro de “directors & officers”.
Chamadas de D&O, essas apólices são contratadas pelas empresas para cobrir perdas sofridas por seus diretores e conselheiros ao enfrentarem ação de responsabilidade civil na Justiça motivada por seus atos. Até pouco tempo atrás de baixa demanda no Brasil, essas apólices passaram a ser mais procuradas nos últimos anos devido a um crescimento na responsabilização de executivos por atos de má gestão. Inicialmente, a partir da entrada em vigor do novo Código Civil, em 2002, que passou a permitir expressamente a descaracterização da personalidade jurídica das empresas para que ações de responsabilidade civil – como nas áreas de meio ambiente e direitos do consumidor – alcance o patrimônio pessoal de seus sócios. A partir de 2006, um aumento no uso da penhora on-line de contas bancárias por meio do sistema do Banco Central denominado Bacen-Jud, agilizou as ações de cobrança contra as empresas com o bloqueio dos recursos de seus sócios e administradores.Mais recentemente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) começou a incluir automaticamente os nomes dos sócios das empresas com débitos com o fisco nas certidões de dívida ativa – cabendo a eles provarem que não infringiram a lei. Agora, acionistas de companhias de capital aberto descobriram que é mais fácil e rápido receber indenizações supostamente devidas pelas empresas quando as ações judiciais são ajuizadas também contra seus donos e administradores.
O questionamento dos atos de executivos aumentou ainda mais a partir da crise econômica e gerou também um crescimento no mercado de seguros D&O. Segundo estatísticas da Superintendência de Seguros Privados (Susep), em janeiro de 2007 as seguradoras pagaram um total de R$ 91,2 mil em sinistros de D&O, valor que passou para R$ 68,4 mil em janeiro do ano passado e para R$ 167,7 mil em janeiro desde ano. Agora os escritórios de advocacia já sentem também o surgimento de demandas de empresas contra as seguradoras, por conta da cobertura das apólices. Ou seja, quanto mais cresce o volume de contratação de seguros de D&O, maior o risco de as apólices serem, em algum momento, alvo de litígios. O TozziniFreire Advogados, por exemplo, já sente um aumento no volume de consultas a respeito da cobertura da apólices e da possibilidade de acionar as seguradoras, segundo advogada Marta Viegas, da área de seguros da banca.
As consultas crescem e os primeiros litígios já começam a aparecer. Até a crise, havia na jurisprudência brasileira um único caso de ação judicial movida por um executivo contra uma seguradora de D&O. Em 2005, os gestores do Banco Santos iniciaram uma disputa na Justiça com a Unibanco AIG para receber o seguro de D&O que haviam contratado antes da liquidação extrajudicial do banco. Duas decisões judiciais, da primeira e da segunda instâncias, foram desfavoráveis aos ex-gestores da instituição financeira. Agora, a Justiça já lida com novos casos. Um deles é o de uma companhia de capital aberto que entrou com uma ação contra uma seguradora na Justiça paulista em novembro do ano passado. Os diretores da empresa foram processados administrativamente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a seguradora negou a cobertura, sob a alegação de que o processo da autarquia já havia iniciado na época em que a apólice foi contratada. “O que fazemos é analisar se há cobertura para o aviso de sinistro e atuamos no Judiciário quando o segurado move uma ação contra a seguradora”, explica o advogado Dinir Salvador Rios da Rocha, da banca Azevedo Sette Advogados, que defende a seguradora no caso.
No escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados já há dois casos de ações judiciais contra seguradoras em andamento. Em um deles, a seguradora argumenta na Justiça paulista que a declaração prestada no fechamento do contrato de seguro de D&O é diferente da informação prestada à CVM. Ainda não há decisão final. “A discussão é se a seguradora pode dizer que o executivo agiu com dolo, se ainda não foi condenado na CVM”, questionam os advogados da banca, Joaquim de Paiva Muniz e Adriana Astuto, que patrocinam a defesa de executivos na CVM e no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Dolo, no caso, é a palavra-chave para definir a cobertura das consequências do ato de um gestor pela apólice de D&O e certamente será motivo de disputas judiciais. Isso porque as seguradoras cobrem prejuízos apenas nos casos em que não houve dolo – ou seja, quando não houve intenção de causar o prejuízo. Significa dizer que, para que o executivo ou a empresa sejam ressarcidos dos prejuízos com ações judiciais por má gestão, devem comprovar que não houve a intenção de causar prejuízos aos acionistas. Um dos exemplos mais emblemáticos no Brasil atualmente é o da Sadia, cujos controladores, em assembleia de acionistas, decidiram processar o ex-diretor financeiro da companhia que a teria levado a um prejuízo de R$ 2,6 bilhões por perdas com derivativos. Segundo a advogada Vera Carvalho Pinto, do escritório Lobo & De Rizzo Advogados, que tem entre seus clientes a Chubb, uma das seguradoras de D&O contratadas pela Sadia, se ficar comprovado que houve erro ou falha na administração, mas sem a intenção de causar o prejuízo, haverá cobertura pelo seguro. Segundo ela, a não existência de dolo pode ser averiguada por meio de documentos que provem, por exemplo, que tão logo o executivo verificou a situação do mercado, tomou as medidas possíveis para tentar reduzir perdas e informou internamente o ocorrido.
Um outro conflito relacionado aos seguros de D&O que nasceu com a crise envolve uma cláusula das apólices que pode ou não ser contratada pelas empresas: a que garante a antecipação dos custos com advogados contratados para defender os executivos nos processos. “De repente aparecem contas caras de advogados que assustam a seguradora, que não foi contratada para cobrir essa antecipação”, diz o advogado Antonio Penteado Mendonça, do escritório Penteado Mendonça Advocacia.
Temendo serem acionadas na Justiça nos casos em que negam a cobertura de prejuízos a executivos, as seguradoras que atuam no mercado de D&O tem sido mais cuidadosas ao fecharem apólices desse tipo. A Ahead Insurance, por exemplo, já se recusou a firmar um contrato com uma empresa em vias de pedir recuperação judicial, segundo seu diretor, Marco Simonovitch. “Em caso de recuperação judicial é certo que os bancos irão atrás dos bens pessoais dos sócios e o seguro não pode ser usado como um instrumento de quitação de dívida”, diz. Recentemente, uma seguradora negou um pedido de indenização de um grupo de saúde que contratou o seguro de D&O dizendo não ter conhecimento de uma eventual liquidação judicial ou extrajudicial da empresa. “Os administradores foram se socorrer no D&O, mas pelas atas da assembleia da companhia já existia o conhecimento desse risco”, afirma David Brito, da corretora Coelho dos Santos.
Fonte: O Estado de São Paulo