Contra crise, México tenta se tornar opção à Ásia
Alan Russell passou 23 anos removendo obstáculos burocráticos e logísticos para companhias americanas que têm fábricas que operam a baixo custo em Ciudad Juárez. Ele nunca teve tanto trabalho como agora. Cada vez que a cidade mexicana ganha manchetes – devido a sequestros, assassinatos ou batalhas da polícia contra cartéis de drogas -, Russell faz o controle de danos. Ele telefona para o centro de operações dos 28 ocupantes dos distritos industriais administrados por sua companhia para informar os executivos que seu pessoal e propriedades estão seguros. “Eles precisam ouvir do Ponto Zero que não houve quaisquer transtornos e que a violência não está afetando seu pessoal”, diz.
Desde o início de 2008 , os cadáveres de 2.050 vítimas de uma guerra por território entre narco-traficantes foram desovados nessa cidade de 1,4 milhão de habitantes. O prefeito de Juárez, José Reyes Ferriz, estima que a violência custou a criação de 5 mil oportunidades de trabalho para 20 projetos estrangeiros no ano passado.
Mas há também uma verdade surpreendente na mensagem de Russell. Ao mesmo tempo em que âncoras da emissoras de TV americanas noticiam “a guerra em nossa fronteira”, as 285 fábricas “maquiadoras” na cidade, que criam produtos para exportação, não estão em fuga. Todos os dias, 9 mil gerentes cruzam o Rio Grande sem incidentes vindos de suas casas em El Paso para trabalhar, em Juárez, na Johnson Controls, Cummins, Emerson Electric, Visteon, Delphi Automotive e outras. Eles viajam para Monterrey, Guadalajara, Mexicali e Querétaro, onde a Whirlpool, Honeywell, Daimler e Lenovo vêm ampliando suas operações. “Não somente não estamos indo para outros lugares, como um número cada vez maior de nossos fornecedores cruciais está no México”, diz Randy Wilcox, presidente da Otis Elevadores para as Américas. “Trata-se do centro de irradiação de nossa cadeia de suprimento para a América do Norte.”
Os fabricantes têm boas razões para ficar. A queda de 41% do peso ante o dólar desde agosto tornou o México um local ainda mais barato para a produção industrial: operários em Juárez pode ser contratados por US$ 1,50 a hora. Quando o presidente Barack Obama visitar o México hoje, verá um país que melhorou sua posição como base industrial e de projeto mundial para tudo – de aparelhos domésticos a componentes aeronáuticos. Se o México conseguir conter os cartéis de drogas – um enorme “se” -, o país poderá transformar-se em um parceiro mais valioso do que nunca para a indústria americana.
Neste momento, a economia mexicana está em queda livre. Em nível nacional, os investimentos estrangeiros caíram 46% em 2008, para US$ 18,6 bilhões, e em janeiro a economia encolheu a um ritmo anual de 9,5%. O país provavelmente perderá meio milhão de postos de trabalho na primeira metade deste ano.
Mas o desaquecimento econômico é quase inteiramente devido à recessão mundial – e não a um mau gerenciamento da economia, como no passado. A indústria de transformação congelou em todo o mundo, inclusive na China. Ataques contra pessoal e fábricas estrangeiras, além disso, têm sido raros em Juárez e outras cidades fronteiriças ao longo de rotas de traficantes de drogas, como Reynosa, Nuevo Laredo e Tijuana. Os “narcos” parecem focados uns nos outros, e na polícia e nos políticos que a eles se opõem. De fato, embora a onda de crime fosse evidente no início do ano passado, os investimentos continuaram afluindo – até o derretimento financeiro mundial.
Enquanto isso, uma silenciosa transformação teve início ao sul da fronteira. Durante grande parte da década, as autoridades mexicanas viam desconcertadas as multinacionais “embalarem” sua maquiadoras e partirem para paraísos de menor custo na Ásia. As escolas, rodovias e a burocracia governamental mexicana ainda têm fraca pontuação em classificações de competitividade internacional, o que dificulta a fixação de indústrias sofisticadas.
Mas as estatísticas nacionais obscurecem o progresso obtido por diversos cidades e Estados mexicanos no sentido de incrementar sua capacidade de competição. Analisando modelos bem-sucedidos na Ásia, nos EUA e na Europa, governos locais colaboram com universidades e o setor privado para aperfeiçoar sua mão-de-obra, redes de suprimento de componentes, infraestrutura e programas de pesquisa e desenvolvimento. Elas tornaram-se atraentes para fábricas que vão muito além de trabalho de montagem. As exportações mexicanas de produtos aeroespaciais, por exemplo, quase triplicaram, para US$ 3 bilhões, desde 2003. Em março, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, anunciou que a Eurocopter investirá US$ 550 milhões para fabricar helicópteros em Querétaro, uma crescente base de produção e projetos para a GE e a Bombardier.
Em nível nacional, políticas fiscais e monetárias sensatas após o colapso financeiro de 1994 fizeram com que o México ficasse mais capacitado a suportar choques mundiais. “Hoje é possível fazer negócios aqui em um ambiente macroeconômico estável”, diz Axel van Trotsenburg, diretor do Banco Mundial para país.
O México também poderá beneficiar-se de uma sutil, mas contínua, mudança no pensamento estratégico dos fabricantes americanos, que estão reavaliando sua dependência em relação à Ásia e concentrando-se em opções “mais perto de casa”. Os crescentes custos na China e temores de aumentos nos fretes longos, se o petróleo voltar a disparar, são parte disso. Em vista do capital escasso e da dificuldade de prever mercados, as companhias não querem acumular estoques enquanto esperam a chegada de suas cargas. Essas razões estão levando indústrias de precisão, como a GKN Aerospace, fabricante de componentes para turbinas aeronáuticas, a se agrupar em cidades perto da fronteira como Mexicali. “Para quem tem de baixar custos, a China é muito distante. Nossos produtos podem custar US$ 80 mil, de modo que não podemos nos dar ao luxo de cometer erros”, diz Ardy Najafian, gerente de fábrica da GKN Mexicali.
Outros grandes fatores são a desenfreada pirataria chinesa e deficiências de qualidade e problemas de comunicação. No México, as empresas americanas podem controlar melhor suas operações do que na China, onde frequentemente precisam trabalhar em associação com parceiros vinculados ao governo. Quando a Fusion Specialties, principal fabricante de manequins, transferiu parte de suas operações para outros países para reduzir custos, em 2007, a companhia elegeu Juárez, em vez da China, porque os produtos podem chegar até varejistas americanas como a Nike, Gap e J. Crew em dois dias, em vez de cinco semanas. Além disso, “havia um claro risco de que na China perderíamos nossa propriedade intelectual”, diz Richard Moran, vice-presidente de operações na Fusion, que possui patentes cobrindo seu processo de moldagem de poliuretano.
Recente pesquisa junto a 136 fabricantes americanos feita pela AMR Research, de Boston, firma de consultoria em cadeia de suprimento, confirma o ascendente status empresarial mexicano. Embora 15% dos entrevistados disseram esperar cortar sua produção na China, apenas 5% planejam fazê-lo no México. As companhias que pretendem expandir no México suplantam as que planejam reduzir na proporção de 5 para 1. Na China, essa relação é 2 para 1. “O México está indiscutivelmente ganhando às custas da China”, diz Kevin O´Marah, estrategista-chefe da AMR. Quanto à violência mexicana, O´Marah diz que em comparação com outros fatores que as multinacionais lidam diariamente – surtos de doenças na China, mudanças abruptas de políticas em Moscou, distúrbios na África do Sul – “é assustador, mas não suficiente para nos impedir de ir para esses lugares”. Assim, quando houver uma recuperação da demanda nos EUA, diz Harold L. Sirkin, sócio sênior do Boston Consulting Group, podemos esperar um “crescimento significativo” da atividade industrial mexicana.
Alguns setores que foram devastados pela China já estão renascendo. Em fevereiro, a Lenovo, de Pequim, abriu uma fábrica em Monterrey para produzir até 5 milhões de notebooks ThinkPad por ano. Desde outubro, a Jabil Circuit de St. Petersburg, Flórida, fabricante de dispositivo eletrônicos sob contrato, mais que dobrou, para 8 mil, seu quadro de pessoal em sua fábrica em Guadalajara, para onde transferiu da China parte da montagem de smartphones BlackBerry. Os fabricantes de eletrônicos Foxconn Electronics, de Taiwan, e a Flextronics também expandiram seus enormes campus mexicanos.
Empregos industriais estão vindo também dos EUA. Em Mexicali, a Skyworks Solutions, de Woburn, Massachussets, fabricante de semicondutores para telefones celulares e PDAs, está incorporando outros cem postos de trabalho em uma fábrica para produzir itens que eram produzidos em Maryland. A Skyworks também formou uma equipe de engenharia com 300 funcionários. J.C. Nam, gerente geral da fábrica, diz dois anos atrás a Skyworks considerou a relocação de algumas operações para a China, mas decidiu que o México é efetivamente mais barato porque sua força-de-trabalho especializada é mais eficiente. Uma vez que a remuneração dos engenheiros é, em média, em torno de US$ 25 mil, inclusive benefícios, argumenta Nam, o setor de alta tecnologia em Mexicali pode decolar. “Acreditamos haver oportunidade na crise”, diz ele.
Cidade espraiada de 1 milhão de habitante próxima de San Diego e Phoenix, Mexicali foi praticamente poupada da violência da vizinha Tijuana. Embora a crise financeira tenha paralisado muitos novos projetos, Mexicali continua atraindo indústrias nos setores microeletrônico, aeroespacial e de equipamentos para medicina. A Gulfstream ampliou suas instalações para produzir seções de jatos executivos. A Honeywell, que tem grandes operações de manufatura em Mexicali, abriu recentemente um centro erguido ao custo de US$ 40 milhões onde 300 engenheiros processam simulações para aeronaves de próxima geração. No ano passado, a Goodrich Aerostructures abriu uma fábrica de componentes aeronáuticos com 450 funcionários, ao passo que a Intuitive Surgical, de Sunnyvale, Califórnia, iniciou a construção de uma fábrica para produzir braços eletromecânicos para cirurgias controladas por robôs.
David J. Hill, ex-executivo da National Semiconductor que lidera o desenvolvimento de um parque de alta tecnologia com 10 mil acres denominado Fronteira do Silício, próximo de Mexicali, gosta do que vê. “As pessoas trabalham com o mesmo empenho que no Vale do Silício, Cingapura e Taiwan na década de 80”, diz ele. Hill não se deixa intimidar pela violência. Um de seus sócios ajudou a construir uma fábrica de “empacotamento” de chips em El Salvador na década de 70, durante uma tentativa de golpe de Estado. Hill estava sediado na Malásia em meados da década de 80, quando criminosos sequestraram um executivo da Hewlett-Packard. Esses incidentes não descontinuaram a construção. “Essa é uma vida para expatriados”, diz Hill, que espera obter em breve um grande investimento da Q-Cells, empresa alemã de células solares.
Nos últimos cinco anos, o campus da Universidade Autônoma da Baixa Califórnia (UABC) em Mexicali dobrou o número de matriculados em seus cursos de engenharia, para 4 mil alunos. A UABC e a Universidad CETYS, uma faculdade particular de primeira linha, acrescentaram recentemente cursos básico e avançado em engenharia aeroespacial, microeletrônica, bioengenharia, projeto de radiofrequência e energias renováveis. O currículo é parcialmente estruturado pela Honeywell, Gulfstream, Skyworks e outras. Fluência em inglês é um requisito. “Todas essas companhias dizem que implantarão mais atividades de engenharia e projeto, aqui, se tivermos profissionais qualificados”, diz Felipe Cuamea Velázquez secretário da UABC.
Ainda maiores ambições estão sendo exploradas em Monterrey, capital industrial e sede de enormes fábricas da Whirlpool, General Electric, Chrysler, Ford e outras. Monterrey foi abalada por tiroteios entre quadrilhas, e houve até mesmo um ataque a granada contra o consulado americano no ano passado, mas agora está relativamente tranquila.
Monterrey e cidades em torno estão incubando centros de engenharia e fornecedores de componentes sofisticados. Monterrey certamente não pode competir com Bangalore ou Xangai em termos de número de engenheiros. Mas um setor serviços de tecnologia da informação (TI) de US$ 50 milhões deitou raiz, dobrando, em cinco anos, para 7 mil trabalhadores. O conceito de um México como alternativa mais próxima do que a Índia foi adotado pioneiramente pela Softtek, firma de software de Monterrey, que tem como clientes 17 das 50 maiores companhias americanas. Outras firmas que terceirizam atividades na Índia, como a Infosys, Wipro e a Tata Consultancy Services seguiram o rastro da Softtek. Para melhorar a qualidade de funcionários de TI, 25 professores de universidades de Monterrey passaram oito meses estudando métodos de treinamento no campus da Infosys em Mysore, Índia, onde dezenas de milhares de recrutas por ano são transformados em desenvolvedores de software.
Com salários para engenheiros no México partindo de aproximadamente US$ 12 mil, o diferencial de custo com a Índia não é enorme. Em termos de remuneração horária, a Índia é de 25% a 30% mais barata do que o México, diz Jagmohan Nanaware, gerente do centro de desenvolvimento em Monterrey da Sasken Communication Technologies, uma desenvolvedora indiana de programas para telefones celulares. Mas acrescentando custos indiretos de viagens, elevada rotatividade do pessoal indiano e colaboração em horários desconfortáveis em trabalhos complexos com colegas a meio mundo de distância, o desnível real é mais próximo de 15% a 20%. Para muitas companhias americanas a apenas uma ou duas horas de avião, Monterrey faz mais sentido. A qualidade é boa, também. “De início, não sabíamos que tipo de engenheiros encontraríamos, e por isso trouxemos seis da Índia”, diz Nanaware, que dobrou sua equipe de funcionários em Monterrey, para 120, em dois anos. Em pouco tempo, “os engenheiros mexicanos estavam contribuindo além de nossas expectativas”.
Íntima colaboração com empresas e universidades é essencial. “Nosso objetivo é que para cada dólar que investirmos, obtenhamos dois do setor privado”, diz Mario A. Martínez Hernández, vice-reitor de engenharia do Tecnológico de Monterrey. escolas estrangeiras também estão comparecendo. O Projeto CarTec é uma associação reunindo a Virginia Tech e a Tec de Monterrey para treinar 50 estudantes mexicanos a projetar automóveis, dos moldes de fibras de vidro usados para construir partes da carroceria até o motor e a ergonomia interior. Os alunos estão desenvolvendo um carro compacto, mas o objetivo último da Tec é formar um repositório de talentos suficientemente capacitado para fazer de Monterrey um centro mundial de projeto de automóveis, em vez de apenas montá-los.
Estaria todo o México como Mexicali e Monterrey? Infelizmente, não. Muitos Estados estão fazendo progresso lento e o governo central coordena mal o desenvolvimento. Alguns executivos temem que a violência das drogas e a corrupção governamental possam acabar novamente aniquilando o entusiasmo pelo México. “Não se pode investir num país que é percebido como sem lei”, diz Julio de Quesada, presidente do Conselho Executivo de Companhias Internacionais, um grupo de 38 multinacionais que atuam no México.
Entretanto, se conseguir progresso na solução desses problemas, a hora do México poderá chegar quando a recuperação vier e as multinacionais começarem a investir de novo. muitos hoje olham para a China em termos de indústria e para a Índia em busca de engenharia. ao tornar-se um polo de alto nivel tanto para produção e projeto a baixos custos bem na fronteira americana, o México poderá oferecer uma alternativa melhor. (Tradução de Sergio Blum)
Fonte: Valor