Mais uma vez os planos de saúde
Os planos de saúde privados são uma fonte inesgotável de assunto para artigos e matérias em todo tipo de mídia. Tema que mexe diretamente com a vida e o bolso das pessoas, seus reflexos vão muito além do lógico, entram no psicológico e no emocional, perdem os referenciais de razoabilidade e ainda por cima se prestam para toda sorte de politicagem e demagogia, o que faz das operadoras o alvo ideal, sempre que alguém precisa de um assunto polêmico para ganhar visibilidade.
O assunto é complexo em todas as partes do mundo. Para mostrar que não se trata de discussão nacional, basta lembrar que mais de 10% da população norte-americana não tem qualquer tipo de acesso à saúde. Ou se quiserem tema mais quente, parte dos problemas das montadoras de veículos americanas encontra seu começo nos acordos sindicais, que previam planos de saúde e de complementação de aposentadoria, que acabaram por encarecer desproporcionalmente seus veículos, tirando-lhes competitividade frente aos veículos fabricados por montadoras de outros países.
A questão básica atrás dessa discussão é a melhora impressionante da eficiência da medicina moderna. A primeira consequência desse progresso vertiginoso em toda a cadeia de saúde foi o aumento da expectativa de vida. Os patamares atuais, em comparação com o que acontecia até 30 anos atrás, em qualquer nação mais ou menos desenvolvida, são incomensuravelmente mais altos. E o Brasil não é exceção. Não custa lembrar que, quando as leis trabalhistas foram feitas, o brasileiro vivia em média menos de 45 anos. Hoje a idade média subiu para 72,5 anos de vida. E ela sobe mais quando se desconsidera a mortalidade infantil até 2 anos de idade.
O outro lado da questão é que a saúde sofre elevações de preço quase que diárias. Novos equipamentos, que rapidamente superam máquinas moderníssimas até poucos meses atrás, chegam ao mercado constantemente só que custam verdadeiras fortunas. E o mesmo acontece com os medicamentos. Para não falar no custo da formação da mão de obra especializada.
E isso é só o começo do drama. No campo das relações entre governos, operadoras de planos de saúde, prestadores de serviços e consumidores, normalmente, não há ninguém satisfeito. O governo gostaria que os planos fizessem mais, os planos gostariam de ter um faturamento maior, os prestadores de serviços se sentem mal pagos e o consumidor sempre acha que paga muito. E todos estão certos.
As legislações a respeito variam de país para país, com diferenças enormes entre elas. O Brasil, por força da Constituição Federal, tem a participação da iniciativa privada permitida apenas de forma suplementar à atuação do poder público. Ou seja, de acordo com a Constituição, saúde é dever do Estado e deve ser provida por ele de forma ampla, geral, irrestrita e gratuita para todos. As operadoras privadas podem atuar suplementando a atuação do governo, através da comercialização de planos emitidos de acordo com a lei, respeitadas a abrangência, os limites de cobertura e as exclusões permitidas.
De outro lado, o Congresso Nacional, pródigo em fazer leis pouco claras, legisla sobre a matéria, baixando normas ruins, invariavelmente baseadas nas boas intenções, mas com pouca aplicação prática com efeito positivo sobre a matéria.
O grande exemplo é a própria lei dos planos de saúde. Entre as piores leis já feitas no país, ela tem lugar de destaque. Mas o assunto vai além, e fica pior. Existe outra lei que determina que os planos de saúde devem reembolsar o SUS quando seus segurados usarem o sistema público de saúde. E o estranho é que o reembolso a ser pago por eles é muito mais elevado do que os valores pagos pelo SUS à rede de atendimento à saúde pública.
Se a Constituição garante acesso gratuito à saúde, o correto não seria os planos cobrarem do governo, sub-rogados nos direitos do cidadão? Além disso, por que o reembolso a ser pago pelos planos é mais alto do que o que o SUS paga aos seus prestadores de serviços?
*Antonio Penteado Mendonça é advogado e consultor, professor do Curso de Especialização em Seguros da FIA/FEA-USP e comentarista da Rádio Eldorado. E-mail: advocacia@penteadomendonca.com.br
Fonte: O Estado de São Paulo