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Longa estrada para a reforma da saúde

Barack Obama confirmou na semana passada que Tom Daschle, ex-líder dos democratas no Senado, será seu secretário de Saúde e Serviços Humanos. Digno de nota é o fato de que Daschle também comandará um novo cargo na Casa Branca, de encarregado pela reforma do sistema de saúde. Em outras áreas de atuação, entre elas a de política econômica, a liderança sob o novo presidente será dividida entre um ou mais diretores de agências e um coordenador/assessor da Casa Branca. Em política de saúde, reportando-se apenas ao presidente, Daschle estará no comando.
Ele é uma boa escolha. Combina anos de experiência em Washington com longa experiência em políticas de saúde. Acompanhou de perto o processo pelo qual o último grande esforço para reformar o sistema público de saúde americano – projeto liderado por Hillary Clinton em 1993 – deu em nada. Ele acredita saber por que aquele projeto fracassou e como fazer melhor na próxima vez. E recém-publicou um livro sobre o assunto: “Critical: What We can Do About the Healthcare Crisis” (Crucial: o que podemos fazer sobre a crise no sistema de saúde pública).
A reforma do sistema de saúde americano é um empreendimento heróico, crucial para as perspectivas econômicas de longo prazo. Agora, além de todas as dificuldades que fizeram naufragar o “plano Hillary”, a reforma do sistema de saúde precisa disputar recursos financeiros e políticos contra enormes verbas que serão demandadas por medidas governamentais contra a recessão. Quais são as chances de Daschle?
Considere, em primeiro lugar, os erros do “Plano Hillary” para o setor de saúde. Muita coisa deu errado, diz Daschle, mas o erro não estava na concepção geral. O plano foi um dos muitos esquemas similares visando aperfeiçoar (em vez de substituir) o atual, e predominantemente privado, sistema baseado no empregador. O plano esboçado por Obama durante a campanha tem muito em comum com ele – o mesmo acontece com a variante de Daschle; o sistema já em operação em Massachusetts é similar. Em cada caso, a idéia é usar subsídios e imposições para preencher vazios na cobertura de saúde, simultaneamente acrescentando uma camada de controle para comprimir os custos.
O que matou o Plano Hillary, argumenta Daschle, foi o processo. A portas fechadas, sua equipe concebeu uma lei com 1.342 páginas que especificava cada mínimo detalhe do novo sistema. Pouco esforço foi feito para conquistar os céticos. O governo, então, presenteou seus críticos com um número quase infinito de questões técnicas em torno das quais os adversários puderam organizar sua resistência. O livro de Daschle sugere uma abordagem diferente:
“Talvez o governo Clinton devesse ter acionado o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS, na sigla em inglês), onde quadros nomeados politicamente e burocratas de carreira poderiam ter trabalhado em conjunto para elaborar um plano. Ao avançar no processo, os técnicos do HHS poderiam ter solicitado as opiniões de acadêmicos, das assessorias de deputados e senadores, e de grupos de interesse. Políticos veteranos na Casa Branca poderiam ter avaliado a viabilidade política do plano. Então, antes que alguma coisa fosse concluída, o HHS teria circulado o documento entre líderes do Congresso e poderosos grupos de interesse para identificar possíveis problemas”.
Tudo isso soa como um plano. Entretanto, mais uma coisa é necessária para confrontar oponentes com maior eficácia, argumenta Daschle: simplicidade. A maneira de conseguir isso, diz ele, é mediante delegação da maior parte do detalhamento a uma nova entidade: um Conselho Federal de Saúde, como Daschle o denominaria, independente do Congresso mas prestando contas a ele, como acontece com o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA). Caberia a esse Conselho escrever as regras de acesso e cobertura para seguradoras privadas no Programa Federal de Benefícios de Saúde para Empregados (FEHBP, na sigla em inglês) – o atual sistema de funcionários do governo, que seria aberto a outros. O novo Conselho também “trabalha com” o Medicare (que cobre os idosos) para desenvolver um novo plano público a ser oferecido lado a lado com os planos privados já incluídos no FEHBP. E constituiria o principal elemento de pressão para controle geral de custos – ao auditar os tratamentos, de modo muito semelhante ao que faz o National Institute for Health and Clinical Excellence, do Reino Unido. As recomendações seriam de cumprimento obrigatório para programas federais de saúde e serviriam de indicador referencial para seguradoras privadas que operam independentemente.
Taticamente, isso faz sentido. Faz sentido envolver o Congresso logo de início sobre a abordagem básica, e depois proteger tantos detalhes quanto possível de exposição ao calor político. Sem dúvida, não existe certeza de que isso funcione: a idéia de um Conselho Federal de Saúde produzirá oposição ferrenha. Mas a lição do “plano Hillary” é de que as perspectivas de êxito para uma abordagem que envolva o Congresso em todos os infindáveis itens em letrinha miúda são piores, tendentes a zero.
Táticas à parte, creio que a substância do plano Obama-Daschle é falha. Sua arquitetura é melhor do que nada e seria uma melhoria em relação à danosa confusão existente. Mas seria ainda melhor remover os empregadores do sistema, permitindo que os consumidores adquirissem seu próprio seguro saúde, uma idéia que a abordagem Obama-Daschle rejeita. No curto prazo, seria mais fácil deixar essa ninho de cobras fechado. No longo prazo, os reformadores desejarão ter encarado o problema.
Por que? Por causa dos custos. Chegar perto de uma cobertura universal custará caro – pelo menos outros US$ 100 bilhões por ano – mas esse passo incremental, por maior que possa ser, não é a questão principal. O verdadeiro problema é retardar a impiedosa tendência de crescimento futuro (dos serviços prestados e de seus custos). Enquanto os consumidores de serviços de saúde não tiverem de levar em conta os custos, isso poderá ser impossível. Os consumidores resistem submeter-se a limitações porque acreditam que os empregadores estão arcando com os custos de seu seguro-saúde; na realidade, como sabemos, os trabalhadores é que estão pagando – por meio de salários mais baixos. Esse “ocultamento” é a razão pela qual “operadoras de planos de saúde” passaram a ser vistas como o inimigo. Se em algum momento futuro a FEHBP começar a “pegar pesado” contra os custos, isso passaria a ser visto da mesma maneira e neutralizado.
O encolhimento da economia torna tudo isso ocioso? Obama diz que não, bem ao contrário: o país não pode dar-se ao luxo de deixar o sistema como está. Ótimo, exceto pelo fato de os reformadores terem dito a mesma coisa em 1993. A verdade é que a recessão criou um desafio – já difícil sob quaisquer circunstâncias – agora ainda mais problemático. O novo governo parece determinado a tentar. Desejo sorte a Daschle.

Fonte: Valor

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