Itaú/Unibanco: exemplo de análise estratégica a ser seguida
Vamos deixar bem claro que, apesar de eu ter sido durante muitos anos o principal executivo das companhias de seguros do grupo Itaú, minhas idéias aqui expostas nada têm a ver com esse passado, mas se baseiam na interessantíssima questão estratégica que vem à mente por conta da consolidação Itaú com Unibanco. Dela só tomei conhecimento pela imprensa, o que vale dizer, uso-a como ilustração do que deveria ocorrer quando se pensa em análise estratégica de um negócio.
Numa grande empresa a decisão de se expandir é precedida por um longo e profundo período de análise estratégica. Esse certamente foi o caso na consolidação entre o Itaú e o Unibanco. As questões estratégicas são decisivas e certamente foram muito bem estudadas. Mas, afinal, quais são estas questões? Por razões óbvias vou tomar o seguro como elemento ilustrador da minha análise. Mudando a atividade e ajustando para suas peculiaridades, a definição de estratégia funciona da mesma maneira. É possível enxergar três macroetapas numa consolidação como esta: Itaú + Unibanco.
A primeira delas refere-se à identidade (ou não) dos sonhos das famílias controladoras dos dois bancos. Como disse o consultor Renato Bernhoeft, citando Pedro Moreira Salles, “as conversas (entre os dois controladores) eram menos uma negociação e muito mais uma discussão em torno de objetivos comuns. Uma conversa de enorme intimidade: de vida, de cultura de papéis, de visão do mundo, de família, de como a gente se enxerga à frente”.
A segunda etapa consiste em uma reflexão fria e lógica sobre a estratégia que a empresa consolidada deve seguir. Voltando aos seguros (mas não especificamente Itaú/Unibanco), a primeira pergunta a ser enfrentada é se o novo banco deseja operar nesta atividade. A resposta está longe de ser óbvia. A atividade de seguros remunerará o capital do acionista tão bem quanto outras áreas de negócio do banco? Não sendo essa a perspectiva, qual é a justificativa para mantê-la? A análise estratégica deve considerar também que, excluindo os seguros de vida e previdência, que consistem na captação e administração de poupanças, portanto tipicamente um negócio de bancos, é fato que quase todos os demais tipos de seguro geram algum desconforto no relacionamento com o cliente: basta pensar no seguro de automóvel, por exemplo. O banco estará disposto a encarar esse “ruído” e suas conseqüências no relacionamento com o cliente? Na direção oposta do raciocínio, será que o banco será prejudicado (e quanto) frente aos seus competidores, se não operar em seguros?
Estas são algumas das questões estratégicas básicas que precisam ser equacionadas e definidas logo no início.
Resolvida a parte “existencial” do negócio e assumindo que se optou por manter a atividade de seguros, vem a terceira fase do processo estratégico, que trata de como operacionalizar o negócio de seguro no banco?
Esta questão também tem várias alternativas de resposta e a escolha dentre elas leva em consideração tudo que foi visto nas etapas anteriores acrescido de alternativas menos abstratas e mais quantificáveis. Pode-se operar em só alguns ramos (vida e previdência, por exemplo).
Havendo operações em outros ramos, a parte não-financeira (liquidação de sinistros sendo a mais significativa e geradora de ruído) será exercida pela própria organização ou terceirizada? Deve-se considerar ainda a possibilidade/alternativa de que toda a atividade de seguro seja terceirizada, menos a parte inicial de oferta e venda do produto aos clientes do banco. Nesse caso, o banco funciona e é remunerado como um corretor e não atua nem na sua especialidade de gestão financeira. Já existiram alguns casos de bancos paulistas vendendo a seus clientes seguros de seguradoras distintas.
Na nossa experiência, já assistimos ao fracasso ou à “under performance” de negócios estruturados com base em sonhos e desejos, e que não tiveram qualquer teste prévio da sua consistência lógica. A análise estratégica minimiza esse risco. Eliminá-lo totalmente é impossível, pois até o consultor em estratégia não consegue ser 100% lógico em 100% do tempo…
Fonte: Gazeta Mercantil