Mercado de SegurosNotícias

Contrato de seguro – cláusulas abusivas x cláusulas restritivas de obrigações

Passados quase 18 (dezoito) anos da instituição do Código de Defesa do Consumidor, Lei Federal 8.078/09, percebemos que a utilização errônea deste diploma legal tem, gradativamente, desvirtuado o escopo de sua criação – a supressão das desigualdades.
Com efeito, em muitos casos, os consumidores, ao postular em juízo, alegam que as regras constantes dos contratos securitários são eivadas de nulidade, constituindo-se cláusulas abusivas, e, por este motivo, devem ser declaradas nulas, aplicando-se ao caso concreto a interpretação mais favorável ao consumidor.
Entretanto, no mais das vezes, o que está a ocorrer é a confusão entre o que seriam cláusulas abusivas e cláusulas restritivas de obrigações, inerentes à vontade dos contratantes, em especial no contrato de seguros. Pois bem: A aludida Lei 8.078/90, em seu artigo 51, trata sobre o que se entende por cláusulas abusivas, definindo-as como nulas, ao consignar que “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…)IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;”
Como se afere da leitura do texto normativo invocado é clara a proibição de práticas que tornem totalmente desequilibrada a relação de consumo, bem como estabeleçam obrigações iníquas e abusivas por parte do fornecedor de produtos e serviços.
Nestes termos, cláusula abusiva pode ser entendida como aquela que ataca direitos essenciais ao tipo de contrato, ou quando impõem excessivas e surpreendentes obrigações ao co-obrigado. Na visão de Claudia Lima Marques, “A abusividade da cláusula contratual é, portanto, o desequilíbrio ou descompasso de direitos e obrigações entre as partes, desequilíbrio de direitos e obrigações típicos àquele contrato específico.; é a unilateralidade excessiva, é a previsão que impede a realização total do objetivo contratual, que frustra os interesses básicos das partes presentes naquele tipo de relação, é, igualmente, a autorização de atuação futura contrária à boa-fé, arbitrária, ou lesionaria aos interesses do outro contratante, é a autorização de abuso no exercício da posição contratual preponderante”.
A cláusula restritiva, por seu turno, está prevista no Art. 54 § 4º do CDC, que admite a existência de cláusulas que restringem direitos, clausulas estas que tornam-se ainda mais patentes nos contratos de seguro, por sua própria natureza, onde a negociação entre segurado e segurador deriva de garantia de riscos predeterminados, como previsto no Código Civil Vigente e demais consectários legais aplicáveis à espécie.
Assim, no conceito de cláusula abusiva, no dito artigo 51, não se inserem restrições comumente encontradas nos contratos de seguro, que tem por natureza técnica/atuarial a seleção e limitação dos riscos, em consonância com o que definido sobre cláusulas restritivas no CDC.
Desta natureza, as formas de restrição contratual não implicam estabelecer para o consumidor obrigações consideradas iníquas, abusivas, que o coloquem em desvantagem exagerada, ou ainda que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, especialmente no contrato de seguros, no qual o segurador, ao assumir os riscos pelos quais se obrigara, realiza cálculos atuariais para aferir o valor do prêmio a ser pago pelo segurado, embasado na cobertura pretendida.
Perfeitamente lícita, e, portanto, exigível, a cláusula restritiva que prevê o enquadramento do risco, limitando as obrigações “inter partes” – mesmo porque as cláusulas e condições do contrato de seguro são padronizadas pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, órgão federal que, de acordo com o artigo 36 do citado Decrito Lei 73/66, disciplina e controla o mercado segurador, garantindo, além da solvência da companhia, os interesses de seus segurados.
Acrescente-se, por oportuno, que, em que pese os princípios protecionistas do Código de Defesa do Consumidor, a Constituição da República, Lei maior em vigor no nosso ordenamento jurídico, trouxe a tona o principio da igualdade, aplicável tanto as pessoas físicas como jurídicas, o qual prescreve que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Ainda nestes termos, um dos fundamentos da república, previsto no Art. 2º da CR/88 c/c o Art. 170, é o da livre iniciativa, o qual prevê a liberdade de constituir empresa e obter lucro, sendo válidas, portanto, cláusulas que, com este escopo, restringem obrigações e não trazem condições dispares entre as partes, certo que, neste caso, o consumidor terá sua contraprestação pecuniária também delimitada pelos riscos contratados.
É certo que, em determinados casos, algumas Companhias Seguradoras utilizam-se de clausulas com conteúdo restritivo, eivadas de abusividade, devendo a prestação jurisdicional atentar-se a tal fato e coibir esta prática.
Não obstante, como demonstrado, não se pode utilizar de tais fatos isolados para a criação de uma “máxima” aos contratos de seguro de que estes sejam, sempre, abusivos. Isso porque, desconsiderar os riscos excluídos e condenar a seguradora ao pagamento de quantia pela qual não recebeu contraprestação, pior, estabeleceu licitamente cláusulas restritivas de sua obrigação, é desigualar a condição constitucional, desequilibrando a relação de modo a favorecer demasiadamente o consumidor, haja vista a simples concepção de que, pela sua condição financeira, deve arcar com condenações várias, muitas vezes díspares da previsão legal.
Por conseguinte, resta demonstrado que, embora existam respeitáveis posicionamentos em sentido contrário, devem ser consideradas peculiaridades que distinguem cláusula abusiva de cláusula restritiva, não havendo que se falar, de pronto, em abusividade na aplicação destas nos contratos de seguro, já que este é aprovado por órgão competente, e tem a restrição como fundamento da prestação de sua atividade.

Fonte: Revista Cobertura

Falar agora
Olá 👋
Como podemos ajudá-la(o)?