O mundo do vinho também é da mulher
São Paulo, 9 de Março de 2006 – Com competência, dedicação e charme, as sommelières se impõem em antigo reduto masculino. A não ser a limitante – embora curiosa – assertiva de Madame Pompadour, de que a única bebida que faz a mulher ficar mais bela quanto mais a consuma é o champanhe, nunca houve real motivo para que o mundo do vinho adquirisse durante tantos anos esta predominância masculina que ainda se observa hoje. Afinal, as mulheres são parte da história do vinho desde seus primórdios, participaram da criação de grandes marcas e construíram impérios a partir de pequenas empresas herdadas dos maridos.
Basta citar Nicole-Barbe Ponsardin, a Veuve Clicquot, que no século 18 revolucionou os métodos de elaboração do champanhe, expandiu seus negócios a nível global e se tornou a primeira empresária francesa da era moderna. Outro nome poderoso do mundo dos vinhos e próximo de nossas raízes é o da portuguesa Dona Antonia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha, que transformou uma pequena casa de vinho do Porto em marca de excelência e referência em portos, além de construir um florescente negócio que sobrevive há dois séculos.
Há nomes respeitáveis como May Eliane de Lencquesaing, do Château Pichon Longueville, Comtesse de Lalande, em Bordeaux, cujos vinhos chegam no Brasil por importadoras como Expand e Mistral ou a musa da Côte de Nuits, na Borgonha, madame Lalou Bize-Leroy, co-proprietária do Romanée-Conti, importados pela Expand, e que conduz pessoalmente seu negócio no Domaine Leroy, cujos v inhos chegam pela Grand Cru.
Hoje há um batalhão de mulheres trabalhando como enólogas, dirigindo ou assessorando empresas ligadas ao vinho, escrevendo sobre a bebida em livros e colunas especializadas em jornais, revistas e internet. Mas com tudo isso, só agora, as mulheres começam a fazer número do outro lado das barricas – onde fica a turma dos consumidores finais, seja freqüentando confrarias de enófilos, participando de degustações, de atividades de enogastronomia e, principalmente, exercendo a decisão de escolher e comprar os vinhos.
Talvez o serviço do vinho seja o último reduto a conquistar. “Sommelières ainda são raras em todo o mundo”, diz a francesa Katia Jacquin, que chegou ao Brasil há pouco mais de 11 anos e se tornou uma das primeiras profissionais do ramo no País. Katia, que atua há seis anos no grupo Le Vin (Le Vin Bistrô Jardins e Itaim e Bistrô L´Ami), nasceu em Vendôme em 1967, uma pequena cidade da Touraine, no centro da França, região produtora de bons vin hos.
Depois de cursar Hotelaria e se especializar em enologia, foi convidada a trabalhar no restaurante Chardenoux, em Paris, e mais tarde, no Drouant. Katia conta que no começo foi difícil. Ela não se importa em dizer que, tanto quanto o seu conhecimento, “o sotaque francês ajudou”. “Aos poucos as barreiras foram caindo e os homens que compram os vinhos e os enófilos começaram a perceber que eu tinha um amor e um respeito pelo vinho tão grandes quanto eles.”
A italiana Ana Rita Zanier Figueiredo, sommelière do Grupo Expand, e no Brasil há oito anos, também acha que o sotaque ajudou. “Mas o que vale mesmo é o conhecimento”, prega. Na Itália, ela dirigiu a Enoteca Regionale del Friuli Venetia Julia que funciona como centro de divulgação do vinho regional. Ana Rita veio para cá a convite do diretor-presidente da Expand, Otávio Piva de Albuquerque, que a conheceu em uma feira internacional.
Ana Rita sentiu, como conta, que precisava primeiro conhecer melhor o País. Assim, foi p ara os restaurantes do chef Sergio Arno, o La Vecchia Cucina e o Alimentari, em São Paulo, onde ficou três anos, voltando à Expand quando começaram a ser abertas as lojas da rede por todo o Brasil. E garante que, hoje, enófilos e consumidores homens se sentem à vontade para tratar do tema com uma sommelière. “Também há grande interesse de mulheres pelo tema”, diz ela, que já deu cursos para grupos de esposas de empresários interessadas em acompanhar os maridos no mundo do vinho munidas de conhecimento técnico.
A brasileira Alexandra de Oliveira e Corvo não contou com o referendum do sotaque, mas conquistou papel de destaque. Ela dirige a empresa Ciclo das Vinhas, que faz divulgação técnica de marcas, presta assessoria a restaurantes e promove cursos para amadores. É sommelière pela École du Vin, da École d´Ingenieurs-Changins, na Suíça, diplomada pela Escola Superior de Hotelaria e Turismo de Madri e em técnicas de degustação pela União Espanhola de Degustadores. Como sommelière f oi responsável pela adega do restaurante D.O.M., em São Paulo, e do Au Coin du Bar, em Genebra.
Para ela, hoje existe presença marcante de mulheres, o que facilita as coisas, diferentemente de quando começou: muito jovem teve que demonstrar os seus conhecimentos para ser aceita pelos confrades.
Fonte: Gazeta Mercantil