Desenvolvimento de uma Cultura de Resolução de Conflitos
A cultura litigiosa no Brasil necessita de um redirecionamento urgente. Não podemos continuar a aceitar como normal um crescimento contínuo no número de novos processos judiciais. Segundo dados da mais nova edição do “Justiça em Números”, levantamento anual feito pelo Conselho Nacional de Justiça, o Brasil registrou cerca de 35,3 milhões de novos processos em 2023, o maior número da série histórica de quase 20 anos, com aumento de 9,4% frente a 2022. Embora o número absoluto de litígios seja alarmante, a verdadeira questão está na percepção da população de que a justiça deve ser a primeira e única via para a resolução de conflitos, sem qualquer tentativa prévia de negociação direta entre as partes.
Essa abordagem contribui para a sobrecarga do sistema judiciário, tornando-o moroso e, em muitos casos, ineficiente. A resolução de conflitos não precisa ocorrer exclusivamente nos tribunais. Temos à nossa disposição métodos alternativos, como a mediação, a conciliação, a arbitragem e a autocomposição, que podem oferecer soluções mais rápidas e eficientes.
A arbitragem, por exemplo, é a alternativa mais próxima do formato judicial tradicional, adequada para disputas envolvendo direitos patrimoniais. Contudo, devido ao seu custo elevado, é uma opção mais utilizada por empresas. Em contraste, a mediação e a conciliação são acessíveis para uma gama mais ampla de litígios, oferecendo uma forma de resolução em que as partes têm a oportunidade de construir juntas a solução, com a orientação de um mediador ou conciliador.
A importância da mediação foi reconhecida em diversas normativas, começando pela Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e consolidada pelo Código de Processo Civil de 2015 e pela Lei da Mediação (Lei 13.140/2015). Essas normas estabelecem as bases para a promoção de métodos alternativos de resolução de conflitos, incentivando a pacificação social e a cooperação entre as partes.
É interessante refletir sobre a Teoria dos Jogos, de John Nash, que provou matematicamente que a cooperação supera a competição. Quando todos os envolvidos agem de maneira a beneficiar não apenas a si mesmos, mas também ao grupo como um todo, todos evoluem e alcançam uma convivência melhor. Esse é o princípio do “Ganha-Ganha”, em que todos saem ganhando. Por outro lado, na competição, representada pelo litígio, prevalece o “Ganha-Perde”, com apenas um vencedor – e, às vezes, ambos os lados podem acabar insatisfeitos, resultando em um “Perde-Perde”.
O desafio que enfrentamos é combater a cultura litigante que permeia nossa sociedade. Precisamos de um esforço coletivo — político, jurídico, educacional e social — para promover a mediação e outras formas de resolução consensual de conflitos. Este esforço deve começar nas salas de aula dos cursos de Direito, onde ainda predomina a formação voltada para o litígio, mas também precisa se estender ao Judiciário e à legislação.
Uma mudança importante ocorreu com a Resolução MEC nº 5 de 2018, que incluiu disciplinas de resolução extrajudicial de conflitos nas grades curriculares dos cursos de Direito. Isso representa um passo importante, mas ainda há um longo caminho a percorrer.
A implementação do Novo Código de Processo Civil (CPC) e o trabalho de núcleos como o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) demonstram que a mudança está em curso. No entanto, essa mudança precisa ser acelerada e ampliada, especialmente com a cooperação do Poder Judiciário.
Como advogada de uma das maiores seguradoras do Brasil, participei de mutirões de acordos que mostraram na prática a importância do diálogo e da humanização das relações jurídicas. A postura resolutiva de magistrados comprometidos com a conciliação fez toda a diferença na eficácia dos mutirões, reforçando minha convicção de que os métodos alternativos para resolução dos conflitos devem ser mais valorizados e adotados.
A mediação não apenas resolve conflitos imediatos, mas também educa as partes envolvidas para lidar melhor com disputas futuras, promovendo uma cultura de paz e cooperação. Precisamos, portanto, continuar a construir e fortalecer essa cultura, garantindo que a mediação e outros métodos alternativos de resolução de conflitos se tornem parte integral da nossa prática jurídica e social.
Referências BRASIL
Justiça em Números 2024: ano-base 2023. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2024. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024.pdf. Acesso em: 9 ago. 2024.
COELHO, Renata Moritz Serpa. Advogados versus mediação – uma resistência desnecessária. Portal Migalhas, 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/256839/advogados-versus-mediacao—uma-resistencia-desnecessaria. Acesso em: 31 ago. 2023.
SCHMIDT, Gustavo da Rocha. Por uma nova cultura de solução de conflitos. Portal Migalhas, 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/356142/por-uma-nova-cultura-de-solucao-de-conflitos. Acesso em: 30 ago. 2023.
RODOTÀ, Stefano. Palestra. Tradução de Myriam de Filippis. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: <www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/151613/DLFE-4314.pdf/GlobalizacaoeoDireito.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2020.