Economia

Recuo de Trump sobre tarifaço foi estratégia planejada

O recuo de Donald Trump, ao desistir de aplicar o tarifaço a todos os países, exceto a China, foi algo planejado desde o início, disseram auxiliares do presidente nesta quarta-feira (9).

“Alguns de vocês claramente não entenderam ‘A Arte da Negociação”, disse a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, ao apresentar uma coletiva de imprensa com o secretário de Comércio de Trump, Scott Bessent, que respondeu a perguntas sobre o recuo.

A referência de Leavitt é a um livro creditado a Donald Trump nos anos 1980, que ajudaria a explicar as técnicas usadas por Trump para fazer negócios.

A porta-voz e Bessent comentavam a decisão, anunciada pouco antes por Trump, de diminuir para 10% as tarifas para diversos países. A medida veio uma semana após o anúncio da “tarifação recíproca” de produtos estrangeiros — exceto para a China, que recebeu uma taxação total de 125%, supostamente, por retaliar as medidas de Trump.

Bessent afirmou que a “estratégia” de Donald Trump teve o resultado planejado.

“Essa foi a estratégia dele desde o início, e pode-se até dizer que ele colocou a China em uma posição difícil”, declarou Bessent a repórteres. “A China é a economia mais desequilibrada da história do mundo moderno e é a maior fonte dos problemas comerciais dos Estados Unidos”, acrescentou.

O megainvestidor Bill Ackman afirmou, logo depois do recuo: “Isso foi executado brilhantemente por Donald Trump. Um exemplo clássico da ‘Arte da Negociação'”.

O perfil da Casa Branca na rede social X também se esforçou para atribuir o recuo de Trump a algo estratégico.

Mas o próprio Trump, em entrevista no Salão Oval da Casa Branca, deu uma versão que colide com a do planejamento prévio: ele disse que pensou nos últimos dias em suspender o tarifaço e tomou a decisão na manhã de quarta.

Correspondente da Fox Business na Casa Branca, Charlie Gasparino disse na quarta que o governo Trump decidiu “capitular” de última hora, em razão da venda recorde de títulos americanos na terça, um sinal de abalo na confiança da economia do país.

As taxações foram vistas por economistas como arriscadas e com potencial de causar danos à economia a longo prazo. Uma das consequências seria o afastamento progressivo de países aliados de Washington, que poderiam ver os EUA como uma nação pouco confiável e sujeita às oscilações de um presidente inconstante.

Na terça (8), ao menos três pesquisas de opinião mostraram uma piora na aprovação da gestão de Trump. Economistas também apontam para um risco maior de recessão com a política tarifária do republicano, especialmente caso a guerra comercial contra a China não mostre sinais de arrefecimento.

Arte da Negociação

“A Arte da Negociação”, de 1987, foi escrita pelo jornalista Tony Schwartz e também creditada a Trump, e é uma mistura de autobiografia com aconselhamento nos negócios. A obra se tornou um sucesso instantâneo nos EUA, ajudando a consolidar o nome de Trump como uma personalidade da mídia e permanecendo semanas como número 1 na lista de best-sellers do “New York Times”.

Críticos apontam diversas imprecisões no livro, como a tendência de Trump de amplificar seus sucessos e esconder seus fracassos. Antes mesmo da publicação, o empresário já havia colecionado algumas experiências negativas, como a dissolução de uma liga de futebol americano paralela à NFL que se mostrava promissora no início dos anos 1980.

Poucos anos depois da publicação, descobriu-se que as finanças do futuro presidente viviam um mal momento, com o empresário sustentando suas empresas com empréstimos lastreados em garantias do patrimônio de seu pai.

O que diz o livro

Analistas apontam que, entre as lições ensinadas no livro, é possível enxergar como Trump pensa e toma decisões como presidente dos EUA.

Conheça algumas delas e como elas podem se relacionar com a imposição e retirada das tarifas:

Pense grande

Trump acredita em mirar alto e insistir persistentemente para atingir seus objetivos. Daí venha, talvez, a ideia de implementar tarifas altíssimas e que potencialmente inviabilizam negócios, como os 125% atualmente aplicados à China, além de valores exorbitantes até para aliados históricos, como os 20% para a União Europeia.

Colocar as tarifas em um patamar alto logo de início também gera uma pressão importante para se chegar a um acordo final vantajoso, já que uma diminuição das taxas será vista como uma vitória para o outro país, mesmo que ela permaneça mais alta do que de início.

Negocie com base na força

Se você possui algo que a outra parte quer ou precisa, use isso a seu favor, diz Trump: “A melhor coisa que você pode fazer é negociar com base na força; poder de barganha é a maior força que você pode ter. Esse poder é ter algo que o outro quer. Ou, melhor ainda, precisa. Ou, melhor ainda, simplesmente não consegue viver sem”.

No caso das tarifas, Trump usa a seu favor o fato de controlar o acesso a um dos maiores mercados consumidor do mundo, os EUA.

Divulgue seu negócio

Trump dá ênfase à atenção que recebe e à publicidade que isso gera. No livro, ele afirma que gerar interesse e entusiasmo por um negócio ou produto por meio de relações públicas é importante. O republicano acredita que os benefícios de ser noticiado muitas vezes superam as desvantagens, mesmo que a opinião pública seja crítica.

Seja ‘durão’ e sempre revide

Na “Arte do Negócio”, Trump afirma que aprendeu a ser firme com seu pai, Fred, que deu início à fortuna da família atuando no ramo imobiliário.

Caso você se sinta tratado de forma injusta, ensina o livro, revide de maneira implacável. De acordo com biógrafos de Trump, apesar de isso não estar explícito na obra, esta foi uma lição aprendida com um de seus principais mentores, o advogado Ray Cohn, definido como “um cara que não tinha medo de uma briga”.

A postura de se colocar como uma figura “durona” e de agir de maneira agressiva em defesa própria fica clara nos discursos do presidentes sobre o “tarifaço”: Trump afirma que as taxações são uma forma de impedir que os países, supostamente, sigam “levando vantagem” sobre os EUA.

Acredite nos seus instintos

Uma outra ideia repisada no livro é a confiança que Trump tem em si mesmo e nas suas decisões, mesmo que elas não sejam completamente racionais. “Às vezes compensa ser um pouco agressivo”, ele escreve, ao descrever uma de suas negociações.

Para analistas, isso pode explicar as decisões caóticas da gestão Trump na Casa Branca.

Fonte: G1

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