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Guerra ‘ciber’ preocupa indústria de seguros

Como qualquer instituição financeira no mundo atualmente, as seguradoras e resseguradoras estão de olho no desenrolar da guerra na Ucrânia.

As preocupações surgem menos pela exposição direta aos impactos do conflito – nas apólices, em geral, guerra é um dos motivos de exclusão de coberturas – e mais pelas consequências indiretas.

Entre os problemas monitorados pelos grupos globais figuram a disrupção de cadeias logísticas, a subida da inflação e, sobretudo, o aumento do risco cibernético.

Especialistas consultados pelo Valor apontam a guerra cibernética como o risco que mais tem tirado o sono da indústria no mundo. “O impacto da escalada do conflito pode aumentar o risco de ataques cibernéticos sistêmicos e causar perdas substanciais tanto econômicas quanto de seguros”, afirma a agência de classificação de risco de seguradoras e resseguradoras AM Best, em relatório.

“A percepção de maior risco pode levar a preços mais elevados [de seguros ciber] em um mercado ciber já pressionado”, acrescenta o grupo.

Para a sócia do escritório Demarest na área de seguros e resseguros, Márcia Cicarelli Barbosa de Oliveira, entre todos os potenciais impactos do conflito, “a guerra virtual tem preocupado mais a comunidade de seguros no Brasil e no mundo”.

Conforme a especialista, há uma expectativa de acirramento de um cenário já hostil em termos de ataques. “O seseguro de risco cibernético é relativamente novo e nunca houve uma situação de guerra real.”

O diretor da Gallagher Brasil, filial da consultoria de risco e corretora global AJG, Guilherme Mattoso, compartilha da mesma visão. “É esperado que tenhamos escalada de ataques cibernéticos”, afirma.

“O custo [dessas apólices] já estava elevado, algo em torno de 30% a 40% frente a antes da pandemia, mas se houver mais ataques vinculados à guerra pode haver ainda mais elevações” afirma.

Segundo o especialista, a motivação política pode levar hackers e cibercriminosos ligados à causa russa a aumentar ataques às empresas ocidentais, tanto em retaliação às sanções quanto devido aos boicotes de várias marcas. “Há esse risco de escalada, de ambos os lados do conflito.”

Oliveira, da Demarest, aponta ainda uma dificuldade extra para seguradoras e resseguradoras em todo o mundo: a dificuldade de se provar que uma “invasão ciber” tenha ligação com a guerra. “As apólices ciber costumam também ter guerra como motivo de exclusão, mas como a seguradora ou a resseguradora vai conseguir fazer essa correlação?”

A tendência, considera a especialista, seria de a indústria ter de absorver a maior parte das perdas relacionadas a um cenário de recrudescimento de ataques cibernéticos. “Esse é um ponto que tem sido discutido globalmente, muitas companhias veem a crise atual como um teste de mercado”, afirma a sócia da Demarest.

No caso do Brasil, além do ciber, o seguro rural pode sofrer impacto. Conforme o diretor de subscrição da Austral Seguradora, Rodrigo Campos, “na minha visão como subscritor, acredito que talvez tenha aumento de sinistralidade no agronegócio do país por conta da alta dependência [do setor agrícola brasileiro] dos fertilizantes russos”.

O executivo pondera que, um impacto “químico” poderia se somar aos efeitos dos eventos climáticos dos últimos anos. Esse cenário mais agravado poderia resultar em elevação temporária de perdas no campo e, consequentemente, no volume de indenizações pagos pelos seguros.

O CEO da filial brasileira da consultoria de risco e corretora global MDS, Ariel Couto, relata haver uma preocupação de clientes do grupo em relação a um eventual “apagão de fertilizantes”, diante das sanções sobre a Rússia, um dos principais exportadores mundiais desses produtos. “Temos participação grande no mercado de seguro agro brasileiro e a preocupação dos nossos clientes é a história dos fertilizantes, do apagão de fertilizantes no mercado e como pode impactar as safras.”

Couto, porém, acredita que um eventual choque de oferta de fertilizantes e matérias-primas dessa cadeia, devido ao bloqueio ocidental à Rússia, seria mais uma questão econômica do que securitária. “Pode até afetar as safras, mas a questão seria mais de aumento de custos devido à necessidade de se substituir fornecedores e menos em relação a perdas nas lavouras”.

Na visão de Mattoso, da Galagher, “em lugar de perda, acho que, no mercado de agronegócios brasileiro, a primeira opção seria reduzir plantio”.

De acordo com o especialista, “no momento é impossível avaliar esse impacto, mas vamos acompanhar a próxima safra americana como base, quando será possível verificar o impacto da restrição de fertilizantes e modelar como isso pode afetar o Brasil”.

O CEO da filial brasileira da consultoria de riscos global e corretora Marsh e presidente do conselho da Marsh McLennan Brasil, Eugênio Paschoal, afirma que “a questão da disrupção no fornecimento de fertilizantes pode causar um desequilíbrio na cadeira comercial agrícola, trazendo também aumento na sinistralidade em apólices tradicionais de segurode crédito – o ‘trade credit insurance’ ”.

Paschoal aponta ainda impacto para o segmento de seguro de crédito global. Nesse ramo, “o impacto foi imediato, principalmente para as empresas que tinham coberturas de risco político para os países envolvidos no conflito”.

Na visão de Campos, da Austral, “no Brasil, vejo pouco impacto no seguro de crédito, mas olhando de forma mais global, com Ucrania e e Rússia em default, pode haver consequências para a Europa, especialmente no leste europeu, onde o produto é muito desenvolvido”.

Oliveira, da Demarest, enxerga, eventualmente, possibilidade de impactos indiretos na modalidade. “Vamos ver um impacto financeiro global, principalmente vindo da inflação. Acho que tem um risco de pressões financeiras inflacionárias, de juros em alta e riscos de crédito importantes. Então, nesse cenário, pode surgir alguma pressão securitária [de cobertura da inadimplencia). 

Mattoso, da Gallagher, que também é mestre em gestão internacional pela Middlebury Institute of International Studies, da Califórnia, nos Estados Unidos, explica que, o transporte marítimo tende a sofrer efeitos, principalmente relacionados às sanções. “O seguro também está inserido no setor financeiro global e uma das sanções impostas é a retirada de coberturas securitárias para embarcações e operações que envolvam interesses russos. Na prática, isso significa que, sem as coberturas, os donos das cargas não conseguem fazer negócios com a Rússia”, diz.

O Reino Unido proibiu empresas de transporte marítimos, companhias de aviação e indústria espacial russas de acessar o setor de seguros britânico.

A sanção teve como objetivo limitar a Rússia de acessar o mercado global de seguros e resseguros, como forma de isolar o país do sistema financeiro internacional. Segundo o CEO da Marsh Brasil, “os seguros relacionados a logística são diretamente agravados ou até mesmo cancelados, tanto na zona de conflito como nas imediações, e isso vale para marítimo, aéreo e terrestre”. Conforme o executivo, “significa que toda a cadeia global de suprimentos pode ter seus custos elevados”.

Em termos de comportamento de preços, o CEO da Marsh acredita ser cedo para avaliar potenciais pressões de elevação. “O que mais incomoda o mercado é a incerteza dos riscos que estão subscrevendo/aceitando. No momento de uma guerra, onde existem diversos pontos abertos sobre o futuro, e sobre as consequências seguintes, todos os mercados tomam posições conservadoras. Mas nem todo efeito tende a ser negativo para o mercado.

Mattoso cita a possibilidade de aumento de demanda para inclusão de cláusulas específicas de cobertura de guerra para transporte marítimo. “Existe no mercado uma cobertura específica de guerra para navios de carga, mas, em geral, há exclusão de proteção nesse cenário”, diz.  

Fonte: NULL

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