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Gestora questiona práticas contábeis do IRB

A gestora de recursos carioca Squadra Investimentos publicou ontem em seu site uma carta aos cotistas em que explica, em 30 páginas, as razões para estar “short” (“vendida”, ou apostando na queda) nas ações do IRB.

“Em nossa opinião, existem indícios que apontam para lucros recorrentes significativamente inferiores aos lucros contábeis reportados nas demonstrações financeiras da companhia”, diz o texto. Essa disparidade é crescente, segundo a gestora, teria atingido o auge nos resultados trimestrais mais recentes.

Antes de detalhar ponto a ponto sua tese, amparada por muitos dados e gráficos, a gestora afirma que essa é uma das principais posições “short” do fundo Squadra Long Biased e que a aposta na queda dessas ações começou em maio de 2018. Como as ações do IRB, desde então, não desvalorizaram conforme a gestora carioca esperava, o desempenho desse fundo ficou prejudicado.

Não é comum ver investidores no Brasil declarando posições “short” publicamente. A mesma Squadra, em 2011, também via carta aos cotistas, dizia estar “vendida” em empresas que usavam contabilidade criativa e manipulavam resultados. Não escreveu o nome das empresas, embora a descrição dos casos tenha levado o mercado inteiro a identificar de quem ela estava falando.

Há exatamente um ano, em fevereiro de 2019, em outra carta, repetiu a estratégia de 2011 dizendo-se “intrigada com a excepcional rentabilidade, baixa volatilidade e alta previsibilidade de guidance” de empresa do setor de seguros. Agora, resolveu dar nome aos bois.

Ao começar a tese, ressalta que não está afirmando “que há razões legais ou regulatórias” que exijam divulgação de resultados de modo diferente do realizado pelo IRB, mas “quer justificar a sua interpretação e opinião sobre a grande disparidade entre preço e valor nas ações do IRB”, que é causada, na avaliação da Squadra, por uma percepção de parcela do mercado sobre a sustentabilidade dos seus elevados níveis de retorno sobre capital.

O IRB é o ressegurador líder do mercado brasileiro, com market share de 37%. Foi criado como estatal, em 1939, privatizado em 2013, chegou à bolsa em 2017 e hoje não tem controlador definido.

Atualmente, quase metade dos seus negócios vem do exterior. Sempre conforme a carta da Squadra, o IRB se autointitula como “a resseguradora mais rentável do mundo”. A gestora diz, no documento, que o dado contábil sugere que isso é verdade.

A equipe da gestora carioca, que nasceu em 2008 e tem como principais sócios Guilherme Aché, Mauricio Miranda e Eduardo Valentim, informa que acompanha o IRB desde a chegada da empresa à bolsa, em 2017.

Destaca que no setor de seguros e resseguros no Brasil é possível acessar bases de informações públicas disponibilizadas pelos reguladores. E que foi amparado nessa fonte de dados que construiu a análise e a decisão pelo “short” em IRB – o texto sugere que nem todos os analistas do chamado “sell side” olham esses dados públicos com atenção.

Segundo os dados apresentados pela Squadra, com um lucro projetado de R$ 1,6 bilhão para o ano de 2019 (segundo consenso de analistas), o IRB está avaliado a 25 vezes o lucro, enquanto a mediana da seguradoras negocia a 16 vezes. Considerando o patrimônio líquido de R$ 4,3 bilhões, o IRB é cotado em bolsa a 9,6 vezes o valor patrimonial, ante 1,2 vez para a mediana das resseguradoras globais.

Tamanha disparidade dos múltiplos do IRB e de seus pares, diz o texto, é largamente explicada pela admirável diferença de rentabilidade, visto que a mediana do ROE foi de 5% no ano fechado de 2018 para o setor, enquanto o do IRB foi a 34% no mesmo ano.

Na opinião da Squadra, no entanto, o ponto é que a rentabilidade normalizada (recorrente) do IRB é muito menor do que grande parte do mercado acredita ser, por diversas razões.

Enquanto o consenso de mercado é que a rentabilidade do IRB é explicada pela posição dominante no mercado brasileiro, a Squadra afirma que as seguradoras brasileiras reportam sinistros recuperados junto ao IRB maiores que a despesa correspondente no DRE da companhia. E acrescenta que a sinistralidade dos riscos cedidos ao IRB seria próxima à média do mercado.

Para o mercado, o IRB possui vantagem competitiva para expandir seus negócios na América Latina. Para a Squadra, os negócios do IRB na região envolvem contratos originados por licitação pública e com sinistralidade estruturalmente elevada.

Enquanto o mercado aponta que a sinistralidade do IRB é estruturalmente mais baixa que a das outras resseguradoras, a Squadra afirma que a despesa de sinistros contábil foi reduzida por reconhecimento de expectativa de recebimentos futuros e reversões de provisões antigas.

Ainda conforme a carta, o mercado costuma dizer que o IRB nunca decepciona em seus resultados e normalmente surpreende para cima. A Squadra avalia que os resultados foram beneficiados por uma variedade de ganhos não recorrentes e não caixa, impactando diversas linhas da demonstração de resultados.

Para os analistas, o negócio cresce de forma acelerada e distribui dividendos. Já a Squadra diz que a geração de caixa é abaixo do esperado e os recebíveis estão se acumulando.

Enquanto o mercado fala em gestão de investimentos excepcional, a Squadra acredita que o resultado financeiro foi favorecido por remarcações e vendas de ativos adquiridos há mais de 20 anos. “Logo, a rentabilidade recorrente do IRB é muito menor do que o mercado acredita ser.”

Nas 30 páginas da carta, a Squadra detalha todos esses pontos. E informa que partiu do lucro antes de Imposto de Renda (LAIR) divulgado pela companhia para chegar ao que estima ser o LAIR normalizado ou recorrente em 9 meses de 2019: chegou a um prejuízo antes de IR de R$ 112 milhões – os cinco itens extraordinários que destacou contribuíram com R$ 1,5 bilhão em comparação com o LAIR divulgado, de R$ 1,390 bilhão.

Os itens incluem reversão de provisões, reavaliação de contratos, e vendas de participações em shoppings. O documento se estende também na avaliação de itens de anos anteriores a 2019.

A Squadra também informou que em 1º de novembro de 2019 compartilhou essa sua análise com o IRB e recebeu no dia 26 de novembro uma resposta da empresa, discordando da tese e dos questionamentos da Squadra. A resposta veio com análises técnicas e pareceres preparados por especialistas em advocacia, contabilidade e ciências atuariais.

Um trecho dessa resposta, transcrito na carta, diz que “a comunicação da Squadra continha uma série de equívocos e impropriedades, os quais foram responsáveis por gerar conclusões equivocadas a respeito dos temas abordados”.

Mas a Squadra diz que sua opinião se manteve mesmo após as análises e pareceres apresentados pela companhia. E, então, enviou nova correspondência ao IRB em 13 de dezembro, apresentando itens nos quais avaliava que o IRB não havia enfrentado adequadamente os pontos levantados. Não houve novas respostas.

O que diz o IRB?

O IRB divulgou há pouco comunicado ao mercado, com esclarecimentos sobre a carta divulgada pela gestora carioca Squadra que questiona as práticas contábeis da resseguradora. Apesar de dizer que não existem irregularidades legais ou regulatórias, a Squadra afirma que o lucro recorrente do IRB seria significativamente inferior aos resultados contábeis reportados nas demonstrações financeiras da companhia.

“O IRB Brasil RE reforça que as suas demonstrações financeiras anuais, semestrais e intermediárias, assim como os respectivos relatórios da administração e comentários de desempenho que a acompanham, são elaboradas segundo as normas contábeis e atuariais vigentes no Brasil com absoluta precisão, passando por um rigoroso processo de governança”, diz a companhia.

Segundo o IRB, as demonstrações financeiras passam por aval da diretoria estatutária, comitê de auditoria, conselho fiscal, conselho de administração e auditoria independente da PwC. “Ante todo o exposto, evidencia-se que a perfomance financeira da companhia e seu ‘earnings power’ estão fielmente retratados nas referidas demonstrações contábeis”.

O IRB diz ainda que está avaliando com seus assessores legais as medidas cabíveis a serem tomadas neste cenário, já que a Squadra, por ter posição “vendida” nas ações da resseguradora, “tem interesse econômico diametralmente conflitante com os interesses da companhia”.

Fonte: NULL

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