Crédito pode dobrar se a Selic permanecer baixa
Para o economista-chefe do Banco Bradesco, Fernando Honorato, se o cenário de juro baixo continuar nos próximos anos, o Brasil poderá dobrar o tamanho do seu mercado de crédito num período razoavelmente curto, de dez anos.
“Se o Brasil for capaz de manter o juro baixo, dá para dobrar o tamanho do crédito, de 70% do PIB para 135% do PIB como é nos emergentes”, afirma.
Por ora, Honorato trabalha com o cenário de que a Selic deve encerrar este ano em 4,5% e não descarta a possibilidade de que os juros caminhem para um patamar ainda mais baixo. “A gente discute aqui todos os dias se não tem uma chance da Selic ir para 4% ou até abaixo de 4%”, diz.
Diante do quadro atual, o Bradesco já discute também a possibilidade de que a economia brasileira tenha juro real neutro. “Se pensarmos numa inflação de médio prazo de 3,5%, o juro real pode ser próximo de zero”, afirma Honorato.
A seguir os principais trechos da entrevista.
Como o sr. avalia o quadro econômico atual?
O Brasil começa a colher os frutos de uma agenda econômica que começou em 2016 e produziu alguns resultados favoráveis. A gente começa a ver como primeiro efeito dessa agenda que tem como âncora o teto dos gastos e a reforma da Previdência um cenário em que a inflação cedeu muito e abriu espaço para a queda da taxa de juros. Como consequência, temos visto alguma melhora do crescimento, das vendas do varejo, um pouquinho na indústria e alguma geração de emprego.
O Bradesco prevê que a Selic encerre o ano em 4,5%. Qual é leitura sobre o quadro dos juros?
O risco é de juros menores. Sem um propagador da inflação, que era o gasto público, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) deve ficar em torno de 3% ou até abaixo disso pelo menos até o início do segundo semestre do ano que vem. Ou seja, o Banco Central vai ver uma inflação muito próxima do piso da meta dele para um horizonte de quase um ano à frente. Então, a gente discute aqui todos os dias se não tem uma chance de a Selic ir para 4% ou até abaixo de 4%. Nosso número é de 4,5%, mas eu diria que a tendência é que fique abaixo desse patamar olhando os próximos meses.
E quando o BC deve parar de cortar os juros?
O Banco Central vai se sentir confortável com a retomada da economia e vai parar de cortar os juros em algum momento. Eu acho que isso pode ocorrer ao longo do primeiro trimestre do ano que vem.
Com esses números, o Brasil pode ter uma taxa de juro real zero?
A gente também tem discutido essa possibilidade. Se pensarmos numa inflação de médio prazo de 3,5%, o juro real pode ser próximo de zero. Quando se olha para vários países, o Brasil não é exceção. É muito mais a regra. A nossa taxa de juros, apesar de ter caído bastante, ainda está no grupo dos 25% de países que têm taxa de juro ligeiramente positiva. Dali para frente, a maioria tem juro real zero ou negativo.
Os juros baixos vieram para ficar ou há riscos pelo caminho?
A questão central é ter a despesa pública crescendo pouco num horizonte longo, aí a chance de os juros ficarem baixos por um período grande é razoável. É importante também avançar na agenda da produtividade. Se o país continuar melhorando regulação, fazendo privatizações e concessões, medidas que acelerem a produtividade, a chance de o país crescer sem gerar pressões inflacionárias aumenta também. Eu diria que a probabilidade de a gente viver um cenário de juros baixos é muito maior hoje do que há cinco ou 10 anos.
Como a queda de juros pode influenciar a economia?
A queda da taxa de juros tem alguns canais de transmissão. O principal é o crédito. No crédito para a pessoa física, por exemplo, os recursos livres, aqueles que não estão direcionados pelas regras do Banco Central e pelo governo, têm expansão é da ordem de 15%. É o maior avanço desde 2012. E esse movimento começa a ser transmitido pela economia. A gente vê claramente nas vendas do varejo. O varejo tem uma expansão da ordem de 4% desde o final do ano passado. E esse crescimento começa a puxar a indústria. Como os estoques na economia estão baixos, esse varejo que tem crescido sensibiliza a produção industrial. Então, é um primeiro canal transmissão de importante do juro baixo.
E para as empresas, qual deve ser o benefício concreto da queda dos juros?
O segundo canal de transmissão tem a ver com um canal de crédito mais amplo, não só para as famílias, mas também para as empresas. A queda de juros tem tornado mais barato e amplo o acesso das empresas ao mercado de capitais. Elas estão emitindo debêntures e dívidas a taxas muito mais baixas do que no passado e com prazos mais dilatados.
As empresas estão melhorando a solvência, alongando as suas dívidas, estão menos alavancadas, estão com um custo financeiro menor de carregamento dessa dívida. Tudo isso permite que elas estejam prontas para um eventual ciclo de investimentos e de melhora do emprego.
Nos últimos anos, houve uma frustração do crescimento. Por que agora a retomada vai acontecer?
O grosso dessas frustrações pode ser atribuído a dois grandes fenômenos: um ligado a choques e outro a incerteza. No caso dos choques, houve a greve dos caminhoneiros, volatilidade política em 2017, volatilidade da eleição e um efeito da economia global muito severo em 2019. É curioso que o próprio FMI revisou do PIB global de 2019, ao longo do período, em 0,9 ponto percentual, de 3,9% para perto de 3%. É uma enormidade. Bom, isso é para dizer que o Brasil não fugiu a esses choques globais.
A outra frente de incerteza tinha a ver, na nossa avaliação, com a agenda fiscal, a Previdência, por exemplo. Agora, passada a reforma da Previdência, nós já temos visto o preço de alguns ativos – o caso da Bolsa e do risco-País – refletindo essa melhora de ambiente. A grande aposta de que (a economia) vai acelerar é que não vai haver tantos choques e essa incerteza caiu. Tudo isso combinado no cenário de juros baixos.
Quando o juro baixo vai chegar na ponta, ao tomador de crédito bancário?
Tem duas linhas com taxas mais altas, que são o cheque especial e o cartão de crédito. Isso ofusca as melhorias observadas de outras taxas. Mas hoje você olha os dados do Banco Central, e vê um crédito imobiliário com taxas na vizinhança de 7%, 8%. Tem crédito para compra de automóveis com taxas de 20%, 25%. Elas caíram muito. É um reconhecimento importante para não jogar tudo fora.
Tem problemas, mas há avanços. Uma coisa que tem sido fundamental e tem avançado é uma agenda de melhora de garantias, de melhora do conhecimento do cliente, o cadastro positivo. Existem novos instrumentos dão mais segurança para tomar o risco de crédito. Tudo isso está na direção de reduzir os spreads.
A concentração bancária não é um entrave à redução dos spreads?
Eu sempre digo que não tem barreira à entrada no Brasil. A gente já viveu aqui inúmeros cenários com bancos americanos e europeus que vieram ao Brasil e foram embora. É muito menos um tema de barreira de entrada e muito mais de escala. Tem que ter escala para operar no Brasil, tem que ser grande. O Brasil é um país continental.
Quando a gente compara o crédito do Brasil com o resto do mundo, se o Brasil for capaz de manter o juro baixo, dá para dobrar o tamanho do crédito, de 70% do PIB para 135% do PIB como é nos emergentes.
Em quanto tempo o crédito pode dobrar?
É difícil precisar, mas não será num horizonte tão longo. Com juro baixo, talvez possamos ver isso em 10 anos. Por que estou dizendo isso? Na ótica dos bancos, a queda da taxa de juros é mais do que compensada por um aumento do seu universo de clientes, se o crédito avançar. Não é uma grande barreira se a taxa de juros cair para os bancos poderem manterem as operações e terem expansões.
Depois de aprovada a Previdência, qual é a agenda necessária para o país?
Eu separo essa agenda em alguns grupos. Você tem uma agenda do ambiente de negócios. É uma agenda de reformas estruturantes para tonar a vida do empresário e de quem produz no Brasil mais fácil. Tem um bloco de privatizações e concessões, um bloco ligado à abertura comercial, inserção comercial. Tem a reforma tributária, que eu acho que está ficando agora para um segundo momento, provavelmente para o final do ano que vem e a reforma administrativa.
É preciso dar prioridade para alguma dessas agendas?
Eu acho que elas estão caminhando razoavelmente em paralelo. Só a tributária é que deve ficar para depois. As privatizações devem acelerar nos próximos meses, as reformas do ambiente de negócios bem ou mal têm avançado. A agenda de abertura comercial tem poucas notícias até agora. E a reforma administrativa, que eu acho que ganhou protagonismo. São todas reformas que aceleram o crescimento brasileiro.
Eu diria que a reforma administrativa não está muito precificada. Se ela acontecer, tem espaço para garantir o quadro de juros baixos por mais tempo ainda. A agenda está nesse foco. Eu acho que de forma estratégica ter antecipado a administrativa antes da tributária que faz sentido.
Qual é o risco de não avançar?
A gente tem de separar um pouco do que era a Previdência não avançar do que essas agendas não avançarem. A Previdência era quase vida ou morte. Teria um ônus muito grande não ter feito a reforma, reverteria todas as expectativas, taxa de juros subiria e o câmbio depreciaria. Essas reformas se não avançarem é muito mais um senso de oportunidade perdido, de o Brasil sair de um PIB baixo, de 1,5%, 2% para algo como 3%, do que propriamente um cenário em que você produz uma crise.
Se analisar os últimos 40 anos, o Brasil está preso naquilo que os economistas chamam de armadilha da renda média. A gente não conseguiu expandir muito a nossa renda em relação aos Estados Unidos, por exemplo. Essas reformas teriam a possibilidade de nos descolar dessa armadilha da renda média e fazer o Brasil avançar mais. Se não avançar, é um país como o Brasil de sempre, cresce 1,5%, 2,5%. Tem ano melhor, outro pior. Mas perde-se uma oportunidade.
Fonte: NULL