Risco político afasta estrangeiro da renda fixa
A participação do investidor estrangeiro na dívida pública brasileira continua a cair, e para analistas de mercado há poucas evidências de um ponto de inflexão no curto prazo. Isso porque os fatores que têm inibido a volta do estrangeiro continuam presentes e, por ora, sem sinais mais fortes de reversão.
A incerteza sobre o retorno do debate em torno da esperada Reforma da Previdência é o entrave mais próximo. As negociações do governo com parlamentares têm esbarrado nos esforços do Planalto para arregimentar apoio a favor da permanência de Michel Temer no poder. A despeito da ampla expectativa de que a segunda denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra Temer seja barrada na Câmara dos Deputados, o processo de conquista de suporte dos parlamentares tem se mostrado volátil, e o aumento dos ruídos entre o Planalto e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), turvou ainda mais o cenário.
Sem notícias de que a Previdência está encaminhada, o estrangeiro tem preferido evitar mudanças relevantes de posicionamento. O noticiário mais recente, pelo contrário, tem jogado contra mais otimismo. E os mercados domésticos aos poucos têm incorporado essa falta de notícias novas e benignas. Ontem, o dólar subiu 1,29%, para R$ 3,2298, maior alta em quatro meses. O real amargou o pior desempenho numa lista de 33 pares do dólar. No mês, a moeda brasileira já perde 1,97%, quarto pior lugar.
A firme alta da moeda americana deu sustentação ao aumento de prêmio de risco nos contratos de Juros da BM&F. A diferença entre as taxas dos vencimentos janeiro de 2023 e janeiro de 2019 subiu para 235 pontos-base ontem, 8 pontos-base acima da mínima da semana passada e a apenas 9 pontos-base do recorde de 244 pontos do último dia 16.
“Pode até haver discussão aqui ou acolá sobre a Previdência, mas para o estrangeiro se trata de uma reforma apenas inexistente. E sem essa âncora é pouco provável que haja uma volta consistente desse fluxo”, diz Italo Lombardi, estrategista para a América Latina do Crédit Agricole em Nova York. “O gringo tem menos granularidade sobre temas. É mais preto no branco. Ou a reforma passou ou ela não existe”, completa.
As dúvidas sobre o “timing” e a abrangência das mudanças nas regras previdenciárias acabam levando a questionamentos também sobre a manutenção da agenda reformista após a eleição presidencial de 2018. Esse temor é compartilhado não só por estrangeiros, mas também pelo investidor local. Prova é que os contratos de Juros futuros negociados na BM&F embutem elevação de 1 ponto percentual da Selic ao longo de 2018, de 7% (previsão para o fim deste ano) para 8%.
O Nomura até enxerga cenário de fluxo estrangeiro ao Brasil, mas atrela a materialização dessa expectativa a dois fatores: a esperada Reforma da Previdência e também a continuidade da postura “dovish” (pró-queda dos Juros) por parte do Banco Central. Além das maiores incertezas sobre a reforma previdenciária, ganha corpo a avaliação de que o BC está cada vez mais próximo de encerrar o ciclo de alívio monetário. Nesse contexto, sem a âncora fiscal, aumenta o risco de alguma realização de lucros de investidores que se posicionaram em renda fixa durante o começo do processo de queda da taxa Selic – que acumula queda de 600 pontos-base desde o início da distensão monetária, há um ano.
E a performance da renda fixa doméstica em outubro dá sinais de ausência de fluxo novo. O papel prefixado com vencimento em janeiro de 2018 tem retorno negativo de 0,87% no mês até dia 20, segundo dados do J.P. Morgan. Mas, no acumulado do ano, a renda fixa brasileira é a que mais dá retorno, com ganho de 19,92%, numa lista de dez mercados emergentes.
O economista-chefe para América Latina do banco ING, Gustavo Rangel, não descarta que a tendência de saída de estrangeiro da renda fixa local possa ser revertida apenas em 2019. Antes disso, apenas uma surpresa positiva com a Reforma da Previdência teria potencial de voltar a atrair o dinheiro barato do exterior.
“Ou seria preciso, desde o início do ano que vem, se formar um cenário eleitoral bastante favorável”, diz Rangel. “É bem improvável que tenha um cenário de melhora de mercado logo”, acrescenta. Por isso, ele aponta que a animação recente com Bolsa de Valores se apoia num universo relativamente pequenos de investidores estrangeiros. “Em geral, eles têm baixa exposição em Brasil”, acrescenta.
Fonte: Valor