Expectativa para Selic está mantida, apesar de EUA
A piora do sentimento de risco no exterior causada pelo agravamento da crise política em Washington não ameaça a trajetória de corte de juros no Brasil, num momento em que o noticiário em Brasília volta a ditar cautela.
Num cenário mais extremo, com eventual avanço de processo de impeachment de Donald Trump, o Banco Central adotaria uma postura mais conservadora. Mas, dada a demora desses trâmites e a ainda pequena probabilidade atribuída a esse cenário, é pouco provável que o BC se veja com menos espaço para cortar o juro em possivelmente 1,25 ponto daqui a duas semanas. O que pode nublar o cenário, porém, é uma escalada das tensões políticas domésticas, após denúncias que podem comprometer o governo do presidente Michel Temer.
Após a onda de revisões para baixo na Selic, o BC decidiu se pronunciar para conter especulações de que o juro poderia descer a níveis inéditos, como 7%. O DI com vencimento em janeiro de 2018 fechou ontem a 9%, colado na máxima do dia, após o presidente do BC, Ilan Goldfajn, falar em limites à extensão do ciclo de corte na Selic.
De toda forma, o mercado ainda entende que os fatores internos terão mais peso no atual plano de voo do BC. Isso significa que a combinação entre atividade morna, inflação ancorada, câmbio ainda comportado e expectativa de aprovação das reformas continua suficiente para garantir Selic pelo menos na casa de 8% até dezembro.
Tanto que novas instituições ingressaram no time das que veem corte de 1,25 ponto do juro básico daqui a duas semanas. BNP Paribas, BTG Pactual e Citi são as mais recentes. Itaú Unibanco, BofA e Bradesco já haviam alterado seus “calls” para redução naquela magnitude. O Santander, que ainda projeta redução de 1 ponto, diz que não seria surpresa um corte de 1,25 ponto percentual. Embora oficialmente ainda trabalhe com declínio de 1 ponto, o Goldman Sachs afirma estar revendo cenários e que provavelmente mudará estimativa também para redução de 1,25 ponto na Selic.
“Com a combinação de fatores internos, o BC tem um espaço enorme para cortar os juros e já no curto prazo tornar a política monetária estimulativa”, diz o diretor de pesquisas econômicas do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos. Ele estima Selic em torno de 8% até dezembro.
Um canal mais direto entre o risco externo e a política monetária doméstica é o câmbio. Thaís Marzola Zara, economista-chefe da consultoria Rosenberg Associados, calcula que o repasse da alta do dólar ao IPCA – conhecido como “pass-through” – está hoje entre 5% e 10%. Ou seja, a cada 1% de desvalorização da taxa cambial, o IPCA poderia aumentar de 0,05 ponto a 0,10 ponto. A economista diz que esse coeficiente está menor que em anos anteriores e que, por enquanto, não há sinais de preocupação de repasse mais forte de um real mais fraco aos preços. Thaís segue com projeção de corte de 1,25 ponto da Selic no próximo dia 31 e trabalha com Selic de 8% até dezembro.
Em discursos anteriores, os membros do Copom admitiram que um eventual fim do interregno benigno – período de farta liquidez para mercados emergentes – atrapalharia o processo de desinflação. Por outro lado, ponderaram que condições financeiras mais apertadas no exterior adicionariam um componente desinflacionário. “Não há, portanto, relação direta entre o cenário externo e a condução da política monetária”, disse o colegiado do BC em ata da reunião de política monetária ocorrida em novembro passado. Nesse período, os mercados também sofriam com período turbulento – no caso, ditado pela vitória de Trump na eleição americana.
Um dos efeitos dos ruídos políticos em Washington é a redução das apostas de investidores em nova alta de juros pelo Federal Reserve (Fed, BC americano) no encontro de junho. A probabilidade de elevação para 1,25% caiu de 88% uma semana atrás para 65% nesta quarta-feira.
Esse é um dos motivos que embasam a expectativa do sócio-gestor da Modal Asset Management Luiz Eduardo Portella de que a pressão no câmbio seja passageira – portanto, com reduzido impacto sobre a inflação e, por tabela, sobre o cenário para a política monetária.
Portella diz que o ajuste do dólar hoje é “normal”, especialmente após a série de seis quedas da cotação. Em seu cenário-base, o gestor segue projetando corte de 1,25 ponto daqui a duas semanas, com a Selic fechando 2017 em 8%.
Na BM&F, os juros longos subiram, puxados pelo exterior arisco. A taxa do contrato com vencimento em janeiro de 2021 foi a 9,59% ao ano, ante 9,51% do ajuste do dia anterior.
Fonte: Valor