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Mercado dá benefício da dúvida ao Brasil, afirma CEO do Citi

Michael Corbat, de 56 anos, fez na semana passada sua quarta visita ao Brasil desde que assumiu o posto de CEO do Citigroup, em 2012. A primeira desde que fechou a venda das operações de varejo para o Itaú. Sem revelar o tamanho da exposição do banco ao país, disse que a intenção é continuar crescendo com os negócios de clientes institucionais, corporativos e governamentais. “O ano de 2016 foi o mais ativo de nossos clientes no Brasil.”

Corbat falou ao Valor com exclusividade no início da noite de quinta-feira, 24 horas depois de passar por Brasília e reunir-se com o presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Valor: O que o senhor disse ao presidente Michel Temer e o que ouviu dele?

Michael Corbat: Comecei a reunião parabenizando o presidente. Em outubro tive uma conversa com o ministro [Henrique] Meirelles e falamos da importância de se conseguir aprovar o teto de gastos e sinalizar para o mundo disciplina fiscal e começar a atacar inflação, taxas de juro, estabilidade da moeda e percepção de mercado. Hoje, cinco meses depois, acredito que o Brasil excedeu as expectativas do mercado e está voltando a crescer. Existe uma percepção do comprometimento do presidente e da equipe econômica em implementar reformas. Falamos da importancia da reforma da Previdência para criar uma sustentabilidade de longo prazo. Depois falamos do Citi e seu compromisso com o Brasil. Vamos comemorar nossos 102 anos aqui. É a quinta economia para a atividade dos nossos clientes, depois de Estados Unidos, Reino Unido, Hong Kong e Cingapura. E, claro, tocamos na questão da saída do Citi do negócio de banco de varejo e da difícil decisão que tomamos, mas que foi acertada, já que hoje não temos a escala para enfrentar competidores brasileiros muito fortes. E que vamos usar esses recursos, depois de concluída a venda [do varejo para o Itaú], para o nosso negócio institucional continuar a crescer.

Valor: Que riscos o sr. vê de o Brasil perder resiliência? Ela depende de reformas estruturais que ainda não foram feitas.

Corbat: O presidente e o ministro da Fazenda traçaram um plano, eles sabem o que precisa ser feito para a sustentabilidade fiscal. As reformas têm um enorme papel nisso. O mercado agora está dando o benefício da dúvida, mas o tempo vai dizer. O presidente definiu um prazo curto para aprovar as reformas, por volta de junho a agosto. Então, vamos descobrir bem rápido se vai acontecer.

Valor: O país está em meio a uma grande turbulência política por causa de desdobramentos da Lava-Jato. O senhor enxerga nisso um risco para as reformas?

Corbat: Pode levar mais tempo para os candidatos surgirem e anunciarem suas candidaturas, o que pode dar ao presidente e ao Congresso mais tempo para passar as reformas antes que comece a corrida eleitoral.

Valor: Como o senhor vê o interesse de investidores estrangeiros pelo Brasil agora? Os de longo e os de curto prazo.

Corbat: Está mudando, se tornando muito mais positivo. Um ano atrás era muito difícil engajar investidores em torno do Brasil. Agora, com as expectativas de disciplina fiscal, o momento positivo para inflação e taxas de juros, a trajetória do mercado de ações e futuras reformas, os investidores estão muito animados para se comprometer novamente.

Valor: Qual a sua avaliação da administração de Donald Trump até agora?

Corbat: Está muito no começo. Eu diria que há um alto grau de otimismo nos negócios. Os empresários estão animados com a perspectiva de reforma tributária, regulação e infraestrutura. Coisas que criam um ambiente indutor do crescimento.

Valor: Donald Trump está enfrentando dificuldades no Congresso com seu plano de alterar o Obamacare. A lua-de-mel dos mercados com seu governo pode enfrentar turbulências, já que isso mostraria que pode ser difícil aprovar uma reforma tributária e o plano de infraestrutura?

Corbat: É cedo demais para julgar. Ele ainda está organizando seu governo. Do ponto de vista dos mercados, o de ações está mostrando otimismo até agora.

Valor: Sobre as mudanças que Trump sinalizou na regulação bancária. Que partes da Lei Dodd-Frank poderão ser desfeitas e qual a sua avaliação a respeito?

Corbat: Ninguém está defendendo uma derrubada completa da Dodd-Frank. O que pedimos, como banco e sob a perspectiva da indústria bancária, é que o governo considere o impacto cumulativo da regulação. E o que ele pediu ao secretário do Tesouro é que retroaja e faça um estudo de impacto sobre se as regulamentações adotadas estão surtindo o efeito que deveriam, se estão sendo aplicadas de forma harmonizada. As regras podem fazer sentido, mas não faz sentido ter quatro ou cinco diferentes aplicações da mesma regra. O exemplo que eu citaria é a Regra de Volcker.

Valor: E qual sua avaliação sobre os efeitos que a Regra de Volcker causou para bancos e empresas que dependem de financiamento?

Corbat: Quando você pensa nas premissas que levaram à criação da Regra de Volcker faz sentido. Os bancos nos Estados Unidos não deveriam usar o depósito dos clientes, que são garantidos pelo governo, para especular. Soa muito razoável, certo? De outro lado, há três reguladores responsáveis pela aplicação da Dodd-Frank. O Federal Reserve, o OCC [Office of the Comptroller of the Currency] e a SEC [Securities and Exchange Commission]. E o desafio é que essas três agências não concordam sobre a forma como as regras devem ser aplicadas. Então, uma empresa como a nossa não faz um teste de Volcker uma vez, mas o faz três vezes a cada trimestre para satisfazer cada um desses reguladores. Nós não somos contra a regra de Volcker, mas nos apliquem apenas um teste.

Valor: O sr. escreveu uma carta para os funcionários do Citi em resposta à proibição, por Trump, da entrada de imigrantes de alguns países nos EUA. Como uma política dessas afeta os negócios do Citi e qual sua opinião em relação a ela como medida de política externa?

Corbat: Escrevi para o nosso pessoal para reforçar que somos uma companhia global e que isso é fundamental para quem somos. O deslocamento de nosso pessoal para apoiar nossos clientes é central para o nosso modelo de negócios. Então, nós queremos apoiar nosso pessoal, nós acreditamos na livre movimentação de nosso pessoal pelo mundo e pelas fronteiras e queríamos que todos eles soubessem disso.

Valor: Então o senhor não é favorável a tal proibição?

Corbat: Claro que sempre acreditei na segurança e ter políticas de fronteiras racionais. Mas temos que encontrar o equilíbrio certo entre segurança e a possibilidade de movimentação das pessoas.

Valor: Mas se uma política dessas se mantiver, pode afetar os negócios do Citi?

Corbat: Sim. Mas, neste caso, dos seis países afetados, não temos um grande contingente de pessoas desses países. Aliás, temos negócios bem limitados com esses países. Mas a questão é mais relacionada ao sentido da medida do que ao seu impacto direto.

Valor: O Fed aumentou a taxa de juro ontem [quarta-feira, dia 15] pela terceira vez em uma década e os mercados entenderam que a intenção é aumentá-la mais duas vezes neste ano. O que o senhor espera que aconteça. Há risco de que o Fed tenha que acelerar o ritmo?

Corbat: O Fed de fato mostrou sua disposição em acelerar o ritmo porque não faz muito tempo que março não estava sendo contemplado no calendário de elevação do juro. Depois da alta de dezembro, eles disseram que iriam observar e agir de acordo. Há um sólido crescimento da economia e se você voltar atrás e observar o que o Fed estava mirando em termos de recuperação – primeiro moradia, depois empregos e inflação – vejo que as ações estão acontecendo pelos motivos certos. Isso significa que a economia americana continuará a se recuperar e crescer.

Valor: O sr. acha que o timing é correto? Alguns analistas acreditam que o Fed deveria ter agido antes.

Corbat: Da minha perspectiva, o timing está certo. Numa economia é necessário trabalhar muito duro para assegurar moradia, empregos e inflação. Como havia fragilidades, o Fed demonstrou prudência. Sempre houve o debate do quanto seria necessário andar à frente da inflação, mas acho que Fed tentou fazer o melhor com as informações de que dispunha.

Valor: Qual deve ser o efeito para países emergentes como o Brasil?

Corbat: Se os EUA continuarem a crescer e as taxas de juro continuarem a subir, o dólar deve se apreciar. No entanto, os mercados emergentes hoje têm muito mais resiliência do que no passado, quando pensamos na combinação de reservas internacionais grandes, taxas de câmbio flutuantes, mercados de capitais locais desenvolvidos, sistemas bancários sólidos. No caso do Brasil, citaria a necessidade de disciplina fiscal. O crescimento desses países deve ser menor do que no passado, ainda vão crescer num ritmo equivalente ao dobro do que o dos países desenvolvidos. Neste ano a previsão é de crescimento em torno de 4% e no próximo deve ser maior.

Valor: Sobre o desempenho do Citi, o sr. está sob certa pressão. Em janeiro o sr. pediu aos acionistas do banco paciência a respeito do cumprimento de metas de performance que estabeleceu em 2013. Em fevereiro, o conselho reduziu sua remuneração, na comparação com 2015. O que aconteceu?

Corbat: Meu pagamento foi um reflexo do fato de que na comparação anual produzimos menos receita líquida do que no ano anterior. Eu acredito muito que se sua performance não aumenta, seu pagamento também não deve aumentar. Sobre as nossas metas, continuamos a progredir. Nosso índice de eficiência é um dos melhores da indústria. Nosso maior desafio tem sido o retorno sobre o capital, por causa da velocidade do aproveitamento dos créditos fiscais advindos das perdas da crise financeira. Pedi paciência aos investidores para devolvermos a eles o capital associado a essas perdas.

Valor: Gostaria de ouvir do senhor o que levou à decisão de vender o varejo no Brasil. E quando o senhor fala sobre continuar a investir no Brasil, poderia ser mais específico? Quanto capital, em quais áreas, quais planos?

Corbat: Não foi uma decisão só de Brasil. Foi mais ampla para América Latina, com exceção de México. O que aconteceu é que os bancos locais ficaram muito maiores e nós e outros perceberam que era muito difícil competir. Avaliamos que poderíamos pegar os mesmos recursos do ´consumer banking´ e redirecionar para os clientes institucionais no próprio país e fazer muito mais coisas com os mesmos recursos.

Valor: Quando o senhor espera fechar o negócio com o Itaú?

Corbat: Está dependendo dos reguladores.

Valor: Há algo inesperado acontecendo?

Corbat: Não esperamos qualquer complicação ou demora.

Valor: Na América Latina, o Citi mantém negócios de varejo apenas no México. O sr. pretende mantê-lo?

Corbat: Temos varejo no México, nos EUA e na Ásia, bem grande na Ásia. A franquia mexicana tem todo o benefício da escala. É grande, antiga, completa na oferta de produtos e serviços, tem todos os componentes necessários para competir, com muitas vantagens sobre concorrentes. O Banamex tem um papel importante e lucrativo no desenvolvimento econômico, demográfico e de inclusão financeira.

Valor: Quando o sr. observa o avanço das fintechs e de outras experiências digitais, como o senhor vê o futuro da indústria bancária?

Corbat: A digitalização da indústria bancária está começando a, em alguns casos, transformar profundamente o negócio. A tendência é olharmos os consumidores e como a sua instituição financeira interage com você. No seu smartphone você pode pegar seu saldo, pode movimentar seu dinheiro, pode fazer tudo. Mas tão importante quanto isso é o que está acontecendo nos bastidores, como o banco está operando, desde a coleta de dados, o uso de ´big data´, inteligência artificial, robótica. Todas essas coisas que, no fim, têm a capacidade de afetar a jornada do cliente. Quando realmente se pensa na digitalização e a mudança que deve causar no negócio bancário, a maior parte das coisas está sendo feita para tirar pontos de dor do caminho dos clientes. Como tornar a vida deles mais fácil, para devolver a eles tempo.

Valor: O que o Citi tem feito para acompanhar esse movimento?

Corbat: Investimentos pesadamente em todas as tecnologias e fazemos isso de três formas. Temos os nossos próprios laboratórios, responsáveis pela criação da implementação digital. Temos quatro desses, em Dublin, Cingapura, Tel Aviv e Vale do Silício. Também criamos diversas parcerias estratégicas com empresas de tecnologia para o desenvolvimento de produtos e serviços. Não acreditamos que temos a habilidade de inventar tudo sozinhos. E, em terceiro lugar, também compramos tecnologia criada por outros. É uma época muito excitante. Estamos no ponto de inflexão do próximo capítulo da indústria bancária. Os bancos poderão ser vistos e experimentados de uma forma muito diferente nos próximos anos.

Valor: E o sr. acha que os bancos como são hoje terão a habilidade de se adaptar ou poderão ser substituídos?

Corbat: Os bancos certamente têm a habilidade de se adaptar. Vamos pensar em uma fintech que quer se tornar um banco. Ela realmente quer ser regulada como um banco? E realmente quer ser negociada na bolsa pelos mesmos múltiplos que um banco? Ou é melhor que faça parcerias ou venda seus produtos e serviços aos bancos e aproveite o fato de que nós podemos implantar o que nos trouxerem em grande escala instantaneamente? Mas ao mesmo tempo, não podemos subestimar o fato de que há muita gente inteligente e muitas coisas interessantes acontecendo e que precisamos estar cientes da concorrência dentro da indústria e também de fora.

 

Fonte: Valor

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