Projeto tenta afastar estrangeiros e bancos em transporte de valores
Duas emendas ao Estatuto da Segurança Privada feitas no fim do ano passado estabelecem mudanças importantes para as empresas especializadas em transporte de valores, ao colocar em dúvida a atuação no segmento de companhias de capital estrangeiro, além de barrar esse mercado a empresas que tenham bancos como sócios.
No primeiro caso, enquadram-se, além de possíveis novas entrantes, a espanhola Prosegur e a americana Brink´s, as maiores do setor com cerca de 60% do mercado. O segundo atinge a TB Forte, empresa criada há quase dez anos pelo grupo TecBan, cujos acionistas são Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil, Caixa e Citibank. Formada inicialmente para fazer o abastecimento de caixas eletrônicos, a empresa tem hoje menos de 5% do mercado de transporte de moeda.
Embora as emendas, feitas no apagar das luzes de 2016, a princípio desenhem o quadro preocupante acima, fontes a par do assunto dizem que, de uma maneira tortuosa, o projeto apontaria justamente na direção contrária: afastaria novas entrantes e asseguraria reserva de mercado nas mãos justamente dos maiores grupos já existentes. Segundo essas fontes, as estrangeiras que tentaram entrar no mercado nos últimos anos enfrentaram fortes resistências.
Procurada, a associação que representa o setor não se mostrou preocupada com a medida. Ela vê com bons olhos a iniciativa de fechar as portas a novas empresas vindas de fora, uma vez que se trata de um setor sensível, ligado diretamente à soberania nacional. E argumenta ainda que o projeto não afeta as estrangeiras que se estabeleceram no país há mais tempo, que seguiriam funcionando com base na tese do direito adquirido.
A matéria está no Senado, onde deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça e de Assuntos Sociais antes de ser encaminhada à sanção presidencial. Designados os presidentes das respectivas comissões, a expectativa é que o processo ande rápido.
Para entender melhor o imbróglio, é preciso recorrer ao projeto 4.238, de 2012, que trata do Estatuto da Segurança Privada e cujo relator é o deputado Wellington Roberto (PR-PB). Na parte em que discorre sobre o transporte de valores – feito por carros-fortes que vez ou outra param em frente a um banco ou a uma varejista -, o artigo 20 ganhou dois trechos. Um deles proíbe a participação de empresas com capital estrangeiro no transporte de valores; o outro veda instituições financeiras, como bancos e corretoras, de ter participação em empresas do setor. Nesse desenho, as empresas que estão em situação irregular teriam dois anos para se adaptar.
Em um primeiro momento, a percepção é que a mudança atingiria em cheio toda e qualquer estrangeira – algo que é negado pela própria associação do setor, que exclui desse rol as empresas mais antigas. Já a TB Forte acabaria sendo atingida em dobro pela proibição, tanto por ter os bancos como sócios quanto pelo fato de Santander e Citi serem instituições de origem estrangeira.
Procuradas, as empresas citadas optaram por falar por meio da Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Valores (ABTV), cujas filiadas são responsáveis pelo transporte e gestão de 95% do numerário nacional. Segundo a ABTV, o projeto em curso no Senado não afeta as companhias de origem estrangeira que se estabeleceram no Brasil antes de 1983 – data da lei que veda a participação. A Brink´s começou a operar no país em 1964. Já a Prosegur entrou no país ao comprar a Minas Forte, uma empresa fundada antes de 1983 e que, portanto, pôde ser adquirida por capital estrangeiro.
Quanto à proibição da atuação de instituições financeiras como sócias – caso único da TB Forte -, a ABTV foi um pouco mais lacônica. Respondeu que “está à disposição dos associados que se enquadrem neste dispositivo para avaliar eventuais impactos que poderão ocorrer, caso venha ser aprovado o projeto de lei”.
Embora pequena, a TB Forte vem atuando de forma agressiva nas licitações, reduzindo, segundo fontes, os preços de modo significativo para os seus clientes – os bancos, em especial. Procurada, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) disse que não comenta projetos de lei em andamento.
Bancos e redes de varejo têm grande dependência das empresas que cuidam do transporte e guarda de valores. O setor, embora coalhado de empresas pequenas, é extremamente concentrado. Além de Brink´s e Prosegur, conta entre as grandes com a Protege, de capital nacional e familiar. Últimas informações disponíveis indicam que a receita líquida da Prosegur era de R$ 3 bilhões em 2015, seguida por Brink´s (R$ 902 milhões) e Protege (R$ 882,8 milhões).
Embora possam alterar significativamente as feições do setor, os “jabutis” colocados no Estatuto da Segurança Privada receberam pouca atenção. Antes da noite fatídica, a regra jamais havia sido suscitada. Há quem diga que se o projeto passar como está deve gerar ao menos alguma discussão jurídica sobre a atuação das grandes.
Procurado, o Cade afirmou que não costuma comentar projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional ou emitir opiniões sobre casos em tese. O Banco Central diz que não comenta o caso, pois envolve empresas que não estão sujeitas a sua autorização para funcionar. Já a Federação Nacional de Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist) preferiu deixar a palavra com a ABTV.
Não deixa de ser curioso que as tentativas de mudanças ocorram em um momento em que é cada vez mais comum ouvir que o uso do dinheiro em espécie está próximo da extinção. Casos de violência também seguem em destaque, mais recentemente com ataques às bases das guardas de valores. Os dois fatos, porém, parecem não ser suficientes para reduzir a atratividade de um setor bastante concentrado, como mostra a disputa.
Fonte: Valor